Entro numa viagem até
chegar em África antes da chegada do europeu. E o que vejo ao pisar
as areias da costa ocidental, são índios negros, que vivem
longínquos do mediterrâneo e dos árabes, livres do trabalho, mas
presos aos seus próprios costumes, suas guerras tribais, que também
escravizavam, como os gregos fizeram com os turcos, os romanos por
onde passaram etc; tinham seus instrumentos de produção de vida,
seus equipamentos de proteção à vida, suas casas, suas moradas,
seus rios, suas peles, um que outro grupo vagava, nômade pela vasta
terra compartilhando espaço com as feras, e nos seus rituais se
imitavam, não eram nem bons, ou malvados, eram natureza humana
vivendo em meio à natura, naturalmente.
Um belo dia o sol se
punha no mar. A habitação não era em nada diferente da anterior,
nada havia perdido, materialmente, senão que a referência, os
amigos, os parentes, os animais ferozes, os inimigos também ferozes,
como eles próprios puderam a seu tempo serem ferozes. Mas ali,
escapados do escorbuto, dos grilhões, das chibatas dos navios
negreiros, foram postos a trabalhar, sob as mesmas condições de
grilhões e chibatas. O trabalho e o açoite se vincularam, vincaram
e sulcaram sua pele. O que mudara?
Não havia de fato se produzido grandes mudanças ambientais, nem de
equipamentos, tanto para manuseio, quanto de salvaguarda, seja, a
senzala talvez fosse mais segura às intempéries que sua casa original, suas
indumentárias se mantinham irrisórias. A grande mudança se deu na
relação dele com seus afazeres mais comuns; a produção de vida, a
relação com produto do trabalho, a relação dele com o outro do
próprio grupo, uma relação aonde todos são subjugados, a relação do homem e a mulher, e o fruto dessa
relação. lavrar a terra formou a estreita relação entre
trabalho e perda da liberdade. Ao mesmo tempo em que foi
transformado em objeto, objeto com valor de troca, e valor de uso e
assim valorado para fazer o quê o subjugava: trabalhar. Trabalho e
ausência plena de liberdade, e qualquer porção ínfima desta que
fosse buscada produzia a dor do açoite, e a falta de liberdade dentro de sua ausência. Trabalhar era diretamente
aumentar o poder do opressor, significando sempre menos liberdade.
Qual
era o sentimento de uma mãe?
Se o fruto de uma relação 'amorosa' não lhe pertencia, ser mãe
era dar um escravo mais barato ao Senhor. O que era ser pai? Que
padecia um pai e uma mãe? É inimaginável!
Por
fim quando libertos não tinham trabalho para sua manutenção. Eu
fico triste em ver minha velha máquina de escrever, abandonada para
todo o sempre no meio da bagunça daquele quartinho que não cabe nem
pensamento. O que era um negro abandonado, na cidade, no campo? Sem
ter onde produzir o seu sustento? Mas acima de tudo condicionado a
que o trabalho significava escravidão? Creio que até hoje devem
padecer desse sentimento. Afinal, depois de tanto tempo, estar às
voltas com o mesmo 'Sinhozinho' branco!? As vezes tenho a impressão de que querem desaparecer na nuvem da miscigenação, como para se
esconder de tanta humilhação. Talvez por isso busquem quase
desesperadamente seu herói Zumbi, porque é muito fácil, e
glamoroso, ser descendente de imigrantes europeus, eram outros
tempos, outra relação de trabalho, ainda que sofisticadamente
escorchante. Ao menos o amor lhes pertencia, sua prole, seu leito
amoroso...
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