Eu Não Gosto de
Cebola.
Outro dia ouvi uma
menina dizer, “Antigamente...”, nada mais ouvi, sou curioso, mas
não pude ser intrometido, por muito muito que quisesse saber o
que vinha depois. Desse modo, antigamente pode ser ontem. No entanto,
antigamente, para mim, é quando não havia nem eu, nem
rádio, nem tv, nem gramofone... se lia partituras, se contavam
contos, a volta do parafuso começa assim. Frankstein de
Shelley nasceu assim. Dizem que num verão suíço,
na Vila Diodati, havia muito talento debaixo do mesmo teto, Lord
Byron, seu médico John Polidori, John Shelley e Mary Shelley,
chovia há dias, o tédio andava rondado a casa, então,
Byron sugeriu que escrevessem cada um um conto de medo. Dizem que
John preferiu continuar matando o tédio com absinto. Byron
deixou o conto no meio do caminho, sobre mulheres vampiros da Grécia.
Polidori sem mais escreveu O Vampiro, não perdeu tempo para um
título, história do dandy irresistivelmente atrativo e
perverso manipulador, deixando claro que refletia sua relação
de amor e ódio com Byron. Mary Shelley escreveu O Moderno
Prometeu, o famoso Frankenstein.
Zequinha de Abreu
vendia partituras de Tico-Tico no Fubá, fazendo quem quisesse
ouvi-la, ler partitura, tocar algum instrumento. Disse Zequinha, mas
havia muitos compositores, como Chiquinha Gonzaga, para ficar nos
mais populares. A relação com a arte, em particular com
a música era corpóreo-espiritual, exigia todo o corpo e
a alma. Essa relação mudou drasticamente, fazendo do
ouvinte uma mera orelha manipulável. O tema é imenso,
mas fico nisso, que não estou preparado para um ensaio, fico
nessa crônica. Mas a coisa se deu da mesma forma que na relação
homem-natureza. Há pessoas tão jovens que não
têm antigamente, que não sabem de onde vem o bife, tanto
menos o Baião. Os livros se transformaram em imagens, filmes.
A música vem da saveiro que passa toda noite pelo bairro a
despertar galinhas, assustar gatos. Suponho que uma família
rica de antigamente tivesse umas 100 partituras e um piano. Hoje, no
pen drive do meu fusca tem todas as músicas que ouvi e
gostaria de ouvir nos próximos dois mil anos.
É neste ponto,
quando se disse que tudo quanto fosse sólido se desfaria no
ar, que chegamos. Qualquer relação entre nós e a
arte, ou qualquer outra atividade, nada nos esclarece sobre nós,
senão que nos obscurece, posto que todos os complexos sentidos
que tivemos para apreciar qualquer coisa se reduziu ao gosto
preguiçoso e irremediavelmente ignorante. Eu não gosto
de cebola....sendo que talvez a cebola é quem pudesse dizer que
não gosta de mim.
receita.
Cebola empanada.
Dissolva fermento
biológico em sal, acrescente água gelada, pode até
botar umas pedras de gelo, acrescente farinha de trigo, faça
uma massa espessa. Passe por ela as rodelas de cebola. Não
deve escorrer facilmente. Leve a uma frigideira com abundante azeite.
Frite. Coloque para escorrer excessos num papel absorvente.