A Igreja.
Um incerto sábado,
José Brancaleone, um mecânico bonfinense, decifrou uma
imagem de Jesus Cristo numa fatia de berinjela. A imagem apareceu
enquanto ele fatiava berinjelas para fazer à siciliana, que
cada fim de semana preparava para a família e para homenagear
seus antepassados sicilianos. A imagem lhe mudou o almoço e a
vida.
“É o messias,
sem dúvida” decretou sua mulher. Sobre a poupa branca, que
já começava a se oxidar, se distingua a silhueta escura
de um homem barbudo com os cabelos compridos. A sogra se benzeu três
vezes. “Pode ser um cantor do tempo dos hippies, papai” disse um
dos filhos. “ Ou um metaleiro” disse o outro. Mas a senhora
Brancaleone tinha certeza, era um milagre, mas haviam de continuar
com o preparo do almoço, a berinjela siciliana. “ O molho
de tomate apagará a imagem” disse ela, “e o forno quente
fará o resto”. Somou.
Durante o almoço,
José estava incomodado, havia feito o mais correto? A família
se divertia: “ Papai, hoje a berinjela siciliana está
divina!”, A sogra vestiu seu véu, e comia como se estivesse
comungado: “É pecado, mastigar” dizia. “A senhora não
se confessou, Nona!” disse um dos filhos.
Tudo acabou em piada,
mas alguém da família havia filmado a imagem na
berinjela, e a postou no Facebook ou no Whatsapp e o vídeo
bombou. No sábado seguinte uma dezena de pessoas, maior parte
eram vizinhos, se concentraram à porta dos Brancaleones. “
Queremos ver Sr Brancaleone fatiar berinjelas sagradas” diziam.
José se negou e expulsou aquela gentarada, “ Jesus expulsou
os mercadores do templo” citou o evangelho a devota sogra. No
sábado seguinte ajuntou mais gente, já eram fiéis,
inclusive um jornalista do A Cidade com um fotógrafo. Queriam
ver a aparição. José não deixou ninguém
entrar, e os ameaçou a chamar-lhes a polícia.
Uma incerta manhã,
apareceram à porta velas e oferendas de buquês de
flores. E quando José ia para a oficina, foi se acostumando a
tropeçar naquela gente ajoelhada. O dia todo se ouvia cânticos
e o recitar dos salmos, e orações. Um pastor passou a
orar uma vez por dia, e a miúde, um culto completo na semana.
O mesmo pastor, quando os Brancaleone se mudaram dali, fundou a
Igreja de José, vulgarmente chamada de Templo da Berinjela
Siciliana.