Apolo XI.
Fui criado na rua
larga, onde as guias eram as traves para jogar bola. Na rua
passávamos a noite tomando a fresca, os adultos bem sentados
em cadeiras, bancos e a molecada correndo para cima e para baixo, a
estrada e a velha estação da Mogiana, lá no fim
da descida da rua da Igreja eram os nossos limites. A luz mortiça
dos postes nos propiciavam conversas a voz baixa, novidades, piadas,
desgraças se compartiam, enquanto pelas janelas e varandas
fugia o calor acumulado nas casas durante o dia.
- Vaga-lume tem tem,
seu pai tá aqui, tua mãe também e corríamos
com um tição em brasa na ponta, rodopiando no ar,
traçando círculos que sumiam na noite, só
voltariam a aparecer quando fechasse os olhos para dormir.
- Um dois três...
Migrilo, Tigriça, Toin podem voltar, eu vi quando se
mexeram.... Protestos, discussões... a brincadeira voltava a
começar, e quando alguém se metia na rua, a mãe da rua
o tocava... tocou, não tocou... Se nos cansávamos,
íamos para as escadarias da igreja a contar histórias,
mula-sem-cabeça, mãe-d'água, mãe-da~lua,
o Pe Canuto; o medo invadia pouco a pouco e cruzávamos as
árvores do pequeno bosque, pisando leve, mas se alguém
pisasse num graveto, e ele quebrasse, o barulho nos fazia correr, de
por o coração pela boca.
- O pai do Zé
Luiz comprou uma televisão! Sim, compraram uma igual ao do seu
Humberto Toni. Na hora do recreio a noticia se espalhou pelo bairro,
e logo depois da janta, veio gente até do morro do Canequinha,
o Barbuzano. Cada um trouxe sua cadeira, o pai do Zé Luís
botou a TV na varanda. Aquela noite soube do calor que fazia no Rio
de Janeiro, suas praias, vimos Bonanza...
O pai do Zé
explicou que comprará a prestação, no carnet. Em
poucos meses quase todos tínhamos nosso próprio
aparelho, fomos substituindo as cadeiras, os banquinhos na calçada
pelo sofá, a mesa do jantar, pelo sofá, e as conversas
sussurradas pelo psiu, ” Assim não posso ouvir o que dizem”.
Enquanto víamos
ao vivo, cada uma na sua casa, a chegada da Apolo XI à lua,
morria a dona Isildinha. Ninguém sentiu sua falta antes da
manhã do dia seguinte, quando ela não saiu para varrer
a frente de sua casa.Apolo XI.