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9 de dez. de 2015

Parede Meia.

Parede Meia.

“Puta que pariu, de novo, não!” - gritou Renato Anfrade, o gourmet, enquanto se servia uma dose de Armagnac (que sua sobrinha trouxe de Paris) com a segurança de quem houvera bebido Armagnac toda a vida, ou  como dizem os franceses 'avant la lettre', quer dizer, antes mesmo de sua existência, dele Armagnac. “É o Tide  e Odila... sempre cochichando, sussurrando, gemendo... até os ouço fazendo amor apaixonadamente toda a noite, com que energia, meu deus?” Renato se serviu outra dose e murmurou?

- Por que esta parede não está entre eles?

8 de dez. de 2015

Beber o Morto.


Beber o Morto.

O atento gourmet Renato Anfrade, também sabe reconhecer uma língua estrangeira, aprendeu a imitar sueco com o cozinheiro sueco do Muppet, capta o ruído de folhas e galhos cortados, um golpe seco de picareta golpeando a terra e vozes. Renato reconhece o idioma. São caipiras, sem dúvida. Da janela vê a dois homens escavando em frente sua casa. Um é Tide, o sr. Aristide Spatafiori o outro Totonho, Antonio Menesguto. Sai ao jardim, ainda em seu roupão azul, e os saúda. “Dia!” E os homens agitam os ombros como se despertassem de um sonho, estão contentes ao ouvir o tratamento correto, mesmo de um gourmet. Renato prossegue em caipira “ Qui co cês tão cavucano? Uma piscina?”. Os cavucadores sorriem, procuram uma resposta. “Num se aperrei não, sô, é uma surpresa”, disse Tide separando com a enxada um terrão. “Ô, bitelo” e dá uma piscadela cúmplice ao gourmet Anfrade e este pensa: “São simpáticos”. Renato entra em casa. Faz um calor desgraçado, o sol inclemente. Renato se compadece, o suor e a terra se misturaram e estão enlameados. Abre a geladeira e comprova que tem umas cervejas geladas.
Uma hora mais tarde, Renato supõe que os caipiras terminaram o trabalho, já não ouve a picareta. Sai a janela e vê que a pá e a picareta estão deitadas e eles alçam os braços para trás para os desentumecer, enquanto contemplam o buraco. Renato vem até a porta e os convida a tomar umas cervejas. Aceitam encantados, quando entram o cheiro a suor e terra removida se tornam sólidos. Tide e Renato já se conhecem de outra jornada, aquele apresenta Totonho. Conversam animadamente, com as garrafas na mão, Totonho saca uma garrafinha de pinga da mochila, oferece aos parceiros, Renato declina, então Totonho a toma a moda caipira, sem botar o beiço na boca da garrafa e a passa a Tide. Agora Renato está de costas para Tide, que lhe toma a medida com uma trena. “Intão vamu gente!” disse Tide, apressando o gole de cachaça.
Saem ao jardim e se dirigem ao buraco. Totonho olha com curiosidade quase infantil para o gourmet.
“ Di verdadi que o sinhô não sabia qui tava morto?”
Renato medita um momento e sorri com suavidade. “ Na minha idade já se começa a se esquecer de algumas coisas”.... responde com um pouco de ironia, e se acomoda no buraco.
Tide enche a pá e faz um movimento pendular, um balanço, e de cima faz a terra cair: plaft! Totonho e Tide terminam de dar sepultura ao gourmet. Se despedem à moda caipira, tomam um trago de cachaça a sua saúde, e derramam um gole sobre a tumba e fazem uma breve pregaria. Foi assim e nesta ordem.