O Barça antes de ser
universal, ainda que modisticamente, em seu país – porque na
Europa em geral cada cidade é um país, por isso: paisano –
carregam o dístico: El Barça es Mès que un club.
Porque no curto verão
da Anarquia e depois por muito tempo só se falou Catalão – língua
que ademais da Catalunha é falada em Valência, nas ilhas Baleares,
na Sardenha, cidade de Alguer – dentro do Estádio do Futbol Club
Barcelona.
Durante o regime
franquista o Barça era o mais subversivo que se podia permitir o
povo da Catalunha. Seu contraponto, já, era o Reyal Madrid – por
hábito protegido pelo regime – sempre campeão e vestido de
branco, por isso merengues, por sua vez o Barça, blaugrana,
azulgrená sempre atrás do Real Madrid, por isso culé, que vem de
rabo – castelhano “cola” rabo; “culo” cua em catalçao e cu
em português de Portugal, no Brasil bunda, já que aqui cu é o
orifício, então “culero” na rabeira, “culé”.
Sem me aplicar muito
ao oficialismo, penso que as coisas começaram a mudar, quando por
ali chegou o holandês, Johann Cruijff, que em 1974 – porque o
glorioso Zagallo quando perguntado disse desconhecer a Cruyff o mesmo
tanto que desconhecia o time holandês, foi o que se viu. A
Ignorância de Zagallo levou Luiz Pereira, talvez o maior central que
o Brasil já teve, a cometer atrocidades (Fato que me faz pensar na
inteligência emocional de Pelé, que intuíra, vexatório fracasso,
anos antes – Cruijff, gastou a bola nos campos alemães. Pode
ser, que nascia ali, 1974, e elevado a paroxismo o famigerado: Nem
sempre ganha o melhor.
O quê, era a Laranja
Mecânica ? Uma pelada
com uma pitada de companheirismo, solidária, se preferirem, somada a
velocidade? Pode ser.
Cruijff foi para o
Barça, e ajudou a equilibrar a balança entre o poder financeiro do
time da capital espanhola, que por isso era pago e devia representar
Espanha, coisa feita às custas do erário espanhol, como agora,
financiado pela Banca Estatal. Os catalães já haviam se unido
entorno ao Barça, se fizeram sócios do clube, mantiveram o clube e
foram crescendo. Poderoso financeiramente, o Barça se engraçou, via
Johann que entendera o espirito do clube blaugrana, pelo futebol
brasileiro. Telê Santana levara para Sarriá – então campo do
Espanhol e bairro de Barcelona – o que se poderia sonhar de melhor
do futebol brasileiro, tanto de jogadores como estilo de jogo – o
que a mídia nacional deplorou, claro, sempre à sua maneira, e
sempre atabalhoada e desarrazoadamente. Depois aderiu. Tarde. (Cabe
aqui este parênteses: A mídia esportiva brasileira nem sequer chega
ao sofisma, por desconhecer a lógica, nem chega a ser estúpida,
pelo fato de que os estúpidos usam a lógica, à pena de se
embaralharem, mas conseguem chegar a sínteses verdadeiras, ainda que
partindo de falsas premissas. Dito isso e dessa maneira, tomemos o
corpo do texto novamente em mãos.)
O mundo se encantou com
o time de Telê. Despachado pela Itália. Inflexível Rossi. Cruijff
e seu poder crescia, na terra do único estado Anárquico que
existiu, e difundia a sua ideia de futebol arte, como se diz, futebol
vistoso, bonito e de toque de bola.
Houve momentos dignos
da eternização, alem do próprio holandês voador, com Romário,
com Ronaldo que lá virou Fenômeno e Rivaldo o incompreendido.
Com Rijkaard como
treinador, o Barça voltou a tocar a bola, e com a chegada de
Ronaldinho em momento de brilhantismo ofuscante, conseguia dissolver
o problema da conclusão, da solução suprema do futebol, que é o
gol.
O Barça de Guardiola é
uma volta a mais do parafuso Rijkaardiano, que era uma parafrase do
time de Telê Santana. Finalmente o que vemos é um Barça
brasileiro, explico: tanto o Culé como o torcedor brasileiro, somos
medrosos, sentimos medo de tomar gol. Foi esse medo que nos fez
sofrer o gol e a derrota para a Holanda na copa Africana. O gol em
contra é o mesmo que o fantasma nos representa quando crianças,
tememos, e tememos tanto que o barulho de nossos próprios passos nos
assustam, e nos faz correr para a cama da mãe. A pergunta é: como
se resolve este medo no futebol?
A resposta parece esta: Tanto para o Seleção brasileira quanto para
o Barça, se dá com a posse de bola. Não se trata de ir para cima
do adversário. Se trata de ir empurrando-o pouco a pouco, e
hipnotizando-o, sem agredi-lo definitivamente, de tal modo que este
se sinta encurralado, mas cômodo, dentro do próprio campo e sem a
bola, e quem possui a gorduchinha acaba por não finalizar, coisa que
implicaria, acertando ou errando, em ceder a posse.
Do
mesmo modo que certos conjuntos, culturalmente, temem tomar gol, o
que os debilita na defesa, outros são capazes de jogar todo a
partida dentro da própria área, a se defender.
No jogo, inflexível, o
Barça hipnotizava o Chelsea, mas não ferroava. A existência da
partida, desde o ponto de vista de uma narrativa, só existia porque
passava pelos pés dos jogadores do Barcelona. O Chelsea a admitia e
por fim se recolhia a sua insignificância, abdicando da posse de
bola. Se fez alguma coisa de transcendente terá sido os lançamentos
desde a lateral, atingindo a área barcelonina como se fossem pedras
de fogo catapultadas. A posse do esférico raiou ao escândalo, para
aquele jogo e aquela copa.
De qualquer maneira
estéril possessão, Xavi dava meia volta, e depois volta inteira
sobre si mesmo. Havendo entretanto momentos que geravam dúvidas
cruéis ao Stanford Bridge, quando o time catalão mudava a
pulsação, como quando Alexis tentou uma parábola por necessidade e
errou na inflexão, ou Iniesta enganchado ao cal da linha de fundo,
parece ter passado por dentro do incrível nigromante inglês, mas
pouco resultava. O Chelsea depois de muito tempo cruzava a linha que
divide o gramado e isso é e foi uma noticia, e por isso noticia é
nova em inglês, aos vinte e nove do primeiro tempo o Chelsea aparece
no campo adversário, antes houve outras duas oportunidades.
Se o que estava
acontecendo em Stanford Bridge se invertesse, e se, com algum time
brasileiro, eu por exemplo estaria morto, ou havia saído para
caminhar no meio do canavial. Vi o jogo do Barça contra o Santos
como brasileiro, ou santista de última hora, assim que não padeci,
a não ser nos primeiros movimentos, quais indicavam do que se
tratava, e foi, posto que o Santos não soube jogar sem a bola e
naquele dia, nem com ela.
O Chelsea seguiu a
reboque, onde o Barça ia, lá estava o Chelsea, no último terço do
seu próprio campo, dentro da área. As vezes Drogba partia com uma
bola, Puyol roubava-lhe a bola e por cima lhe embrulhava como se este
fora um rebuçado, uma bala, ou Drogba se lançava à terra como se
em uma largada olímpica de natação, e se transformava num croquete
empanado de grama, tudo para romper, quebrar o ritmo, velho truque e
válido.
O Barça refogava,
preparava um cozidão em fogo de lenha. Lento.
Acontece o seguinte.
Drogba fez tudo o que sabia, no limite do que isso significa,
impecavelmente. Beirou por vezes as raias do não futebol, mas isso
não é discutível, afinal se é permitido! É a tal da ética!
Seria um absurdo que fosse exigida, como não foi. Por vezes tenho
pensado que a maneira de vencer o Barça é, acreditem! Pelas pontas,
como gritava uma personagem, Josoareana, a Telê Santana. Neste
sentido, vi uma derrota do Barça em pleno Camp Nou, em que William
ex-Corinthians resolveu o placar da mesma forma que fez Ramires, ir
até o fundo e cruzar rasteira para trás, quando os pés dos beques
já se foram. Lá estava Drogba, como Vavá, Romário, Geraldão etc,
para fazer no limite de suas qualidades técnicas: tocar para dentro,
sem segurança, porque quem sabe chutar com segurança manda por cima
do travessão que o diga Roberto Baggio, e como fez Cesc. O futebol
exigi certa humildade, nem sei se o futebol, ou a bola, essa
humildade de Túlio, bater na bola com o que tiver de mais plano no
seu corpo, quase com a sola do pé, o que Drogba mostrou naquele
toque para gol. Entretanto continuo a gostar muito dos três dedos
de Rivelino, dos efeitos de Zico, de Messi, do insondável Neymar.
Mas a derrota se faz com um gol a menos.