20 de ago. de 2012

A Eternidade é tempo fermentado.

Como o pão é farinha, a eternidade é tempo fermentado temperada com os desacordos humanos. Jamais li Platão, que dizia que o tempo é a imagem móvel da eternidade. Isso não quer ser, nem parecer mais que: a eternidade passou por aqui e não vimos. Passou e não a reconhecemos, porque estava em movimento, e para reconhecê-la também devemos saber do tempo, não o tempo confundido com o movimento. Mas para saber do tempo, como queria Virgílio na Eneida, que tampouco li. Dizia Virgílio, tão grande quanto Homero, que para conceituar o tempo havemos de conhecer previamente a eternidade. É fácil notar que de tanto querer fazer seu Enéas tão grande quanto Ulisses, fora Virgílio somatizando as espertezas do astuto grego.
Temos o mal gosto de achar que o tempo vem do passado e vai para o futuro. É tão verdadeiro dizer o contrário, ou uma terceira. Todas prováveis e não verificáveis. Isso é Borges puro, sem óculos escuros, por não ocultar-se à cegueira, sem bengalas, manco e tateante.
Se pensarmos em Newton: Newton não vê maçã cair, sente a maçã na cabeça. A maçã na cabeça é passado, tanto quanto maçã 'por cair' implica no futuro: cairá. A questão é que ninguém vê a maçã cair, a vê 'por cair', ou como Newton a sente maçã caída. O que se quer causar aqui é a supressão do presente. Filosofias e  filósofos de terras de Ghandi, que o consideram inapreensível, o presente. Caetano o elevou – o tempo – à categoria dos deuses, ou o reentronizou, tirando dos homens a capacidade de produzir o próprio destino, roendo o osso do presente.
Ultimamente ouço alegações, que honestamente, estas sim, fazem total sentido se usar a locução: são inapreensíveis. Tais ditos dizem respeito a relação do tempo matemático com o tempo biológico, e aqui entra o supremo desacordo humano; o somar-se o tempo sacro. Isso tudo por ocasião do horário de verão.
Uma das questões que teve cara de gente séria, por ocasião da teoria da relatividade, foi a sincronia entre o tempo individual e o tempo esse: da matemática; milésimos,centésimos, décimos de e segundos.
 A coisa se punha assim: se o tempo é um processo mental, como se pode acertar os relógios entre indivíduos?
No horário de verão a eternidade é adiantada ou diminuída em uma hora pelo Estado, e todos padecemos, porque somente os humanos seguimos as orientações do Estado, a eternidade está se lixando para o Estado. O descompasso criado pelo Estado em nome da economia, nos faz  viver fora de fase, supondo haver fases na eternidade. Já vimos ser impossível apartar o tempo da eternidade como a farinha fermentada do pão. Mas deve-se salientar que nenhum dos conceitos, vistos aqui: Platão, a anagênese de Enéias à Dido, mesmo recurso de Homero, e do cinema de Hollywood – o flashback – entre tantos não são exatamente a somatória do passado, presente e futuro. Não. A eternidade é mais singela, mágica e espetacular, por se tratar da simultaneidade do tempo, ou se queremos da simultaneidade do passado, do presente e do futuro. 
Assim a eternidade abraça todas as coisas, e todas as coisas se silenciam nessa felicidade de ser tudo ao mesmo tempo e eternamente.
Essa apoteose, essa unanimidade já foi dita fervorosamente assim: "Toda coisa no céu inteligível, também é céu, onde a terra é céu, os animais são céu, as plantas, os machos e o mar. Tudo tem por espetáculo o mundo que não foi gerado. Cada um se mede nos outros. Não havendo coisa que não seja diáfana – que sendo compacta, não deixa passar a luz – nada é impenetrável, nada é opaco e a luz encontra a luz. Tudo está em todas as partes e tudo é o todo. Cada coisa é todas as coisas. É sol é todas as estrelas, e todas as estrelas é cada estrela e o sol. Ninguém caminha ali como se fosse uma terra estrangeira".
Parece maravilhoso, entretanto é puro terror em forma de museu. Estático se é museu. Mas pode-se ir mais longe: "Homens maravilhados pelo mundo – sua capacidade, sua formosura, a ordem de seu movimento continuo, os deuses manifestos ou invisíveis a quem se recorre, os demônios, arvores e animais -  elevem o pensamento a essa realidade, de a que tudo isso é uma copia. Pois na verdadeira eternidade verão as formas inteligíveis, não com eternidade emprestada, mas eterna, verão ali também a seu capitão, a Inteligencia pura, a Sabedoria inalcançável e a idade genuína do Cronos, cujo nome é a Plenitude. Todas as coisas imortais estão nele, cada intelecto, cada deus e cada alma. Todos os lugares lhe estarão presentes. Aonde vais? Diz o dito. A que provar mudanças ou vícios desnecessárias no principio deste estado se os ganhou depois numa só eternidade, as coisas são suas, essa eternidade que o tempo remeda ao girar em torno da alma, sempre desertor de um passado, sempre cobiçando um porvir"
Isto é um museu, petrificado. Não sei se o ideou Platão, com certeza não. Mas é a eternidade povoada de ideias, imutáveis. Plotino é mais pesadelo que visão, é menor que nossa realidade, para nós a realidade, a última realidade, nos informa o Boson de Higgs, a partícula de deus, mas ontem mesmo eram os elétrons girando entorno ao núcleo, solitário até os confins do cosmo. Deborah Secco é feita de Debora Secco, não gorduras saudáveis ou princípios nitrogenados, por mais que lhe acrescentem abstrações no Projac, de outra forma, os indivíduos são da especies da qual participam e os incluem e são sua realidade permanente, as tristezas no por do sol, essa antiga conexão com o crepúsculo, a preguiça do amanhecer, as alegrias no meio da tarde, o desconhecimento da morte, as recordações etc. Tudo isso nos adverte a permitir o primado da espécie e perfeita nulidade dos indivíduos.


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