18 de jun. de 2016

Xico ãÃo, os gatos veem fantasmas.



Primeiro pensei outro nome, Jabberwocky, em homenagem a um poema surreal de Lewis Carroll, que não entendo, mas desisti porque ninguém ia entender o nome, e muito menos a explicação, e tampouco Jaguadarte não teria o mesmo efeito, a menos que empostasse a voz como Augusto de Campos e recitasse:

Era briluz.
As lesmolisas touvas roldavam e reviam nos gramilvos.
Estavam mimsicais as pintalouvas,
E os momirratos davam grilvos.”
A solução saiu do Tamanduá Tão, tampouco fácil, e o gato se chamou então Xico ãÃo. Xico ãÃo, as vezes, me olha fixamente, como se mirasse para o nada. Imóvel. Outras vezes para um ponto escuro no corredor, aonde não há nada e ninguém. Dizem que os gatos podem ver fantasma... Toc, Toc, Toc. Alguém bate com os nós dos dedos à porta. Não tenho campainha. Há muitos moleques fazendo molecagem ao sair da escola aqui perto. Mas tenho olho mágico, e se trata de um casal jovem com uns óculos ridículos, uma pasta cada, e umas roupas, deixa pra lá. São de um tipo de IBGE, dizem e vão direto ao assunto: “ Viemos aqui porque o senhor é um fantasma” e continuam “ dos de verdade”, engulo seco e eles detonam “ vaporoso e que transpassa paredes”. Arregalo os olhos. E voltam à carga “Não sabia?”. Balancei a cabeçorra, “Não”. E eles “Fique sossegado, que o senhor não é o único”. “ Dê graças a deus por não ser um vampiro” disse a moça. “ Seria péssimo para o senhor e os vizinhos, já vimos cada caso... fazem cruz com os dedos sobre os lábios” disse ela e deixou escapar um risinho. Ri ri ri ri!! Volto a ficar nervoso e tentar engolir saliva, que não há. O rapaz me pergunta se tenho notado coisas diferentes ultimamente, coisas estranhas, fenômenos elétricos. Bem, eu disse, quando apago as luzes para dormir vejo umas luzinhas verdes, como se fossem caga-cebos. “Tá vendo!” exclama o jovem e logo apontando com uma caneta no formulário sobre a prancheta. “Resplendor residual de fótons” e explica “ Parte de seu ectoplasma fica preso à lampada e se libera ao apagá-la”. “Miau” intervem Xico ãÃo. É sua hora de comer. Mas se meu gato me vê! Não vêem que ele me vê e pede comida? “Os gatos podem ver e perceber entidades fantasmais” disse a mocinha empurrando os óculos com os nós dos dedos. “Nós o vemos devido às lentes especiais de nossos óculos, que captam a aura electromagnética.”

Pediram meus documentos, anotaram os números e pediram que assinasse no x. Assino e pergunto: Como devo me comportar daqui pra frente?. “Com naturalidade, seja, seja etéreo, passe pelas paredes e coisas assim, divirta-se.” Me deram a mão, e ela disse “ Ui, é como tocar uma nuvem!” e novamente escapou escapou o risinho. Ri ri ri!. Fecho a porta. “Miauuuu” reclama Xico ãÃo, sempre sendo exigente e pontual. Vou para a cozinha varando paredes. Sinto algum gosto de cimento e areia. Tinta látex. Dou comida ao gato. Passo pelo muro, entro pela cozinha do vizinho, que come arroz com salsicha e coentro. Ainda não tenho prática, claro que agora me sobrará de muito tempo.  

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