30 de jun. de 2016

Colchões sob Medida. Conto.

Colchões sob medida.
Enquanto matava o tempo até chegar a hora da consulta na dermatologista, que de quando em quando visitava, duas a três vez ao ano, por vezes lhe fazia um peeling e tirava pequenas marcas do rosto, passeava pelo calçadão. Se sentia bem não fazendo nada, observar pessoas, ser observada, com reserva se dizia, ela própria naquele vai-e-vem de gentes, seus rostos, todos carregamos nossos fardos, pensava. Os mirava relaxadamente, agora era tudo o que tinha por fazer, à tarde tudo exigira mais pressa, mais seriedade, beleza sobretudo. Na empresa haverá a apresentação de um novo produto. Por isso aproveitou para cuidar da aparência. Entre um pensamento e outro, se fixou na grande vitrine de uma loja de colchões, que tem à sua frente. “Colchões sob medida”, pronto, acabou o sossego. O colchão do Guilherme está pequeno para ele, talvez fosse hora de um novo. Ela entra decidida na loja, da qual só sabe o nome, “Colchões sob Medida” e ela precisa de um. Um jovem lhe pergunta que medida gostaria; ela diz que um de um metro e noventa.
A loja está em reforma, tudo bastante desordenado, por culpa da reforma, parece. O atendente pede que ela espere uns minutinhos, antes de conduzi-la a um grande escritório, sem rastro de colchões. “O gerente lhe atenderá, em seguida”.
Ela acha estranho, e quer esclarecer, só precisa de um colchão, não se trata de compra no atacado, só um colchão de solteiro, para uso particular. O atendente lhe deixa um sorriso de cumplicidade, como quem diz: estou a par.
Os minutos passam e a situação lhe parece mais surreal, decide ir embora. Vai em direção à porta, e justo agora entra um jovem, sorridente, atrativo, bem vestido, e se apresenta como Carlos. Muito mais alto que ela, e porque não dizer, ela o olhou fixamente, olho no olho. Com um gesto elegante, a pegou pelo antebraço e a conduziu a uma sala contigua; ela acreditava ser o depósito, o armazém. A sala, muito bem decorada, ali sim, havia um grande colchão de casal, coberto com uma colcha de Ibitinga, bem bordada, tudo para os clientes terem uma noção concreta de como ficaria em sua casa, se diz. Em todo lugar é a mesma coisa, mas ali não, têm muito bom gosto; meia-luz, livros espalhados; todos sabem ninguém lê, mas gostam de ver livros espalhados, um senão, talvez, um excesso de cenografia. Enquanto ela dava conta de tudo, o jovem trancava a porta atrás deles; tirou o paletó, tem aquecedor, disse, enquanto a ajudava a tirar o casaco que levava sobre o vestido, sempre que a temperatura baixe de vinte graus, que dizem, lhe caia bem.
Fique à vontade, ele disse, num tom nada comercial. Ela não entende a mudança de atitude dele, lhe parece tomar umas liberdades não cabidas a um vendedor de colchão, de solteiro, creio que ficou claro, um colchão de solteiro para meu filho Guilherme, lhe repete enquanto ele estende uma taça de champanhe e a leva para sentar na cama. Ela dá-lhe um chega para lá, isso já é demais, a coisa toda é muito ridícula. Ele, supostamente, está acostumado à situações como esta, e não se imuta e sugere, amavelmente, insinua, sutilmente, que talvez, ela prefira ir a um outro lugar, um motel, discreto, é isso?
Sua cabeça gira no meio de um grande caos. Estava cega? Que merdas fiz para estar no meio desse redemoinho? Me deixei seduzir? Ofendida e cheia de raiva deu-lhe um empurrão e o atira de costas sobre a cama, freia os primeiros impulso, porque de subto teve medo. A situação é tão absurda que se vê encurralada; é conveniente quebrar os cercos o mais rápido possível. Com a serenidade ausente, recupera a calma e o casaco. Ele a olha sarcasticamente. Ela não quer fingir, e com sensibilidade, quase cordial, confessa que não quer parecer boba, tenho a certeza que se equivocou, um mal-entendido, apesar do bom começo, ratifica, que não é o que ele pensa, talvez se havia precipitado. Realmente, entrei aqui para comprar um colchão de solteiro para meu Guilherme, que nos últimos meses deu uma espichada considerável e os seus pés ficam fora da cama. Entrei atraída pelo nome, sobretudo, porque me chamou a atenção, sem malícia, sem ver nele um duplo sentido, havia? Desculpe o transtorno. Ela fugiu sem esperar resposta. Aturdida e atabalhoadamente, ainda foi à consulta, na sala de espera tomou água a goles pequenos, saboreando como se fosse um elixir, tombada sobre a maca do consultório, adormeceu, agora respira ofegante como se estivesse numa relação sexual. E se não tivesse fugido? A dermatologista a desperta com gritos e pequenos beliscões.


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