Colchões sob
medida.
Enquanto matava o
tempo até chegar a hora da consulta na dermatologista, que de
quando em quando visitava, duas a três vez ao ano, por vezes
lhe fazia um peeling e tirava pequenas marcas do rosto, passeava pelo
calçadão. Se sentia bem não fazendo nada,
observar pessoas, ser observada, com reserva se dizia, ela própria
naquele vai-e-vem de gentes, seus rostos, todos carregamos nossos
fardos, pensava. Os mirava relaxadamente, agora era tudo o que tinha
por fazer, à tarde tudo exigira mais pressa, mais seriedade,
beleza sobretudo. Na empresa haverá a apresentação
de um novo produto. Por isso aproveitou para cuidar da aparência.
Entre um pensamento e outro, se fixou na grande vitrine de uma loja
de colchões, que tem à sua frente. “Colchões
sob medida”, pronto, acabou o sossego. O colchão do
Guilherme está pequeno para ele, talvez fosse hora de um novo.
Ela entra decidida na loja, da qual só sabe o nome, “Colchões
sob Medida” e ela precisa de um. Um jovem lhe pergunta que medida
gostaria; ela diz que um de um metro e noventa.
A loja está em
reforma, tudo bastante desordenado, por culpa da reforma, parece. O
atendente pede que ela espere uns minutinhos, antes de conduzi-la a
um grande escritório, sem rastro de colchões. “O
gerente lhe atenderá, em seguida”.
Ela acha estranho, e
quer esclarecer, só precisa de um colchão, não
se trata de compra no atacado, só um colchão de
solteiro, para uso particular. O atendente lhe deixa um sorriso de
cumplicidade, como quem diz: estou a par.
Os minutos passam e a
situação lhe parece mais surreal, decide ir embora.
Vai em direção à porta, e justo agora entra um
jovem, sorridente, atrativo, bem vestido, e se apresenta como Carlos.
Muito mais alto que ela, e porque não dizer, ela o olhou
fixamente, olho no olho. Com um gesto elegante, a pegou pelo
antebraço e a conduziu a uma sala contigua; ela acreditava ser
o depósito, o armazém. A sala, muito bem decorada, ali
sim, havia um grande colchão de casal, coberto com uma colcha
de Ibitinga, bem bordada, tudo para os clientes terem uma noção
concreta de como ficaria em sua casa, se diz. Em todo lugar é
a mesma coisa, mas ali não, têm muito bom gosto;
meia-luz, livros espalhados; todos sabem ninguém lê,
mas gostam de ver livros espalhados, um senão, talvez, um
excesso de cenografia. Enquanto ela dava conta de tudo, o jovem
trancava a porta atrás deles; tirou o paletó, tem
aquecedor, disse, enquanto a ajudava a tirar o casaco que levava
sobre o vestido, sempre que a temperatura baixe de vinte graus, que
dizem, lhe caia bem.
Fique à
vontade, ele disse, num tom nada comercial. Ela não entende a
mudança de atitude dele, lhe parece tomar umas liberdades não
cabidas a um vendedor de colchão, de solteiro, creio que
ficou claro, um colchão de solteiro para meu filho Guilherme,
lhe repete enquanto ele estende uma taça de champanhe e a leva
para sentar na cama. Ela dá-lhe um chega para lá,
isso já é demais, a coisa toda é muito ridícula.
Ele, supostamente, está acostumado à situações
como esta, e não se imuta e sugere, amavelmente, insinua,
sutilmente, que talvez, ela prefira ir a um outro lugar, um motel,
discreto, é isso?
Sua cabeça gira
no meio de um grande caos. Estava cega? Que merdas fiz para estar no
meio desse redemoinho? Me deixei seduzir? Ofendida e cheia de raiva
deu-lhe um empurrão e o atira de costas sobre a cama, freia
os primeiros impulso, porque de subto teve medo. A situação
é tão absurda que se vê encurralada; é
conveniente quebrar os cercos o mais rápido possível.
Com a serenidade ausente, recupera a calma e o casaco. Ele a olha
sarcasticamente. Ela não quer fingir, e com sensibilidade,
quase cordial, confessa que não quer parecer boba, tenho a
certeza que se equivocou, um mal-entendido, apesar do bom começo,
ratifica, que não é o que ele pensa, talvez se havia
precipitado. Realmente, entrei aqui para comprar um colchão de
solteiro para meu Guilherme, que nos últimos meses deu uma
espichada considerável e os seus pés ficam fora da
cama. Entrei atraída pelo nome, sobretudo, porque me chamou a
atenção, sem malícia, sem ver nele um duplo
sentido, havia? Desculpe o transtorno. Ela fugiu sem esperar
resposta. Aturdida e atabalhoadamente, ainda foi à consulta,
na sala de espera tomou água a goles pequenos, saboreando como
se fosse um elixir, tombada sobre a maca do consultório,
adormeceu, agora respira ofegante como se estivesse numa relação
sexual. E se não tivesse fugido? A dermatologista a desperta
com gritos e pequenos beliscões.
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