22 de jun. de 2011

República. Episódio II. Direito de Ir e Vir.

 Acordei com tanto desejo de contar, mais, do teatro dos seres-brinquedos na calçada do ir, quanto o rei Xariar tinha de ouvir Sherazade. Aqueles marionetes estavam tão cansados de irem-se quanto eu entediado de vê-los ociosos de interesses. Bastaria com afixar cartazes rente um dos lados da calçada por que desarrumasse aquela monotonia. Não o fiz. Há temas mais urgentes, como o sagrado vir.
Praticante do ir, ir e não voltar, sempre ir, sem saber onde, pois o onde está além dele mesmo, e onde, por longínquo, não retornável, como aquele rio, ou qualquer rio, como essa calçada, ou qualquer calçada. Mas ir-se, largar-se, é também coisa que acaba por ser tão inútil ou ociosa quanto não ir, ou se preferirdes, ir e vir. Assim que sem monumentos ideológicos e sem base no real que impeçam o vir e como quem não quer a coisa:
Emendo a constituição. Aonde havia direito de ir, leia-se ir e vir.
Se pudesse defenderia o ir, por mero depositário do positivo, perante aparente negação da ação vir, como quem na fábula ficava grãos a fazer caminho para então voltar, para ir não é necessário saber caminho ou para onde ou aonde anda o onde, essa coisa é ir, ato solitário, estar-se a ir. Mas basta reconhecer o outro, e esse outro ser levado em conta, que o ato banal, vir, ganha outra dimensão. De todas, uma: eu digo: aquele vai à casa do outro e da casa do outro vai à própria casa. Mas ele, e se ele disser, ele dirá: venho da casa do outro.
Há significados profundos no sempre ir. Uma ideia de movimento largo, demorado, a percorrer certa dimensão. Enquanto ir e vir, apesar do aparente frenesi, revela-se algo estático, que não é o repouso, mas a anulação de deslocamentos iguais com sentidos opostos, por certo é muito triste, ir de casa e voltar a ela, e nisso só haver o registro da nulidade e a contabilidade do dia consumido. Mas não povoarei de bandeirolas essa ópera.
Os seres-brinquedos fruem do ir e vir. Vão e voltam. Repetem-se, multiplicam-se pela calçada, de tal maneira que não se pode discriminá-los. Zanzam e flanam, desviam-se e seguem, e nenhum destaque há, senão de um que outro aparentarem certa loucura, num ir i vir; que não cessa , cansativo e aborrecido feito robozinhos em parafuso, a girar, sem objetivo, sem estancação. E girar é, não poder distinguir do início o fim, é perder-se, sem encontrar saída, inda que tangencial.  

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