É mais fácil gramar uma enxada que escrever. Da enxada que bem conheço obtive seus calos. Resigno. Necessidade. Do mal o menos. Meses a fio sob sol escaldante. Por vezes no fim da enfiada de cafeeiros surgia um pau-d'alho. À sua sombra usava do cabo da enxada liso e brilhante, que minha mão lustrara, para ancorar o corpo. A ponta do cabo encaixava abaixo do mamilo, vindo pelo sovaco. Dizia-se dar de mamar ao ganha pão. Enrolava um cigarro de palha, dava umas baforadas, enquanto se mantivesse aceso, soia apagar-se. Fumo úmido, mal dichavado, muito apertado na palha. Depois era um dobrar-se e seguir dando às daninhas, extenuando-se. Mas bastava com olhar para o já feito e concluir: é de fato, é real e bem feito, duzentos e cinquenta cafeeiros livres do joio.
Aqui não faço por resignação ou necessidade. É um ato de vontade. Uma vontade que é falta. Anda às voltas. Gostaria que fosse vício. Mas quase sempre faço a mal. Por que o faço? Há um gozo na luta com as palavras, com a norma, com o cânon. Grau de iberdade. As palavras não aceitam qualquer ajuntamento. As palavras são como guerreiros, e como tal devem atacar de forma organizada. Isso é sintagma. Se elas me levam, seus prazeres de juntarem-se a iluminar um caminho não debuxado no meu mapa, são inadiáveis. É irremediável perder-se, porém não é inútil. Ao mesmo tempo se convertem em burro, a trazer-me de volta. Ou me abandonam a contorcer-me em dialéticas e sofismas para retornar por caminhos irreais.
Ambas são atividades solitárias, estranhamente povoadas. Lá a mente voava, talvez pela pouca irrigação, pois o sangue devia banhar cada rincão, cada músculo, assim sobrava pouco para o cérebro, e pensar era sonhar ou viver devaneios com Telma, Cristina, Regina, Sônia, o drible do Pelé em Mazurkiewicz, eu era Pelé e eu fiz chorar as milhares de pessoas que lotavam o Jalisco. Aqui trata-se de povoar-se de personagens, deixá-las pela ai a penar. Precisam ganhar corpo e substanciarem-se e que se possa discriminá-las. Todas as personagens têm sido uma e eu mesmo. O que é uma tremenda burrice. O chato é que o cigarro não apaga, o café não esfria e a mão não caleja.
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