21 de jun. de 2011

República. Episódio I. Direito de Ir.

              Suponho que é possível abstrair todo o demais e deixar o indivíduo que caminha numa calçada apenas com a sina: caminhar pela calçada. Então faço o mesmo com outros indivíduos. Todos à calçada.           Outorgo a constituição que diz: É de todos o direito de ir pela calçada na velocidade de seus padrões de caminhar.  Ponho-os todos na mesma calçada e na mesma direção. A lei diz que cada um tem a liberdade de ir pela calçada na velocidade ou morosidade segundo à natureza fisiológica própria. 
              Descubro, antes cedo que tarde, que pela calçada podem caminhar ao mesmo tempo, um número finito desses indivíduos, quando um ao lado do outro. As diferentes velocidades com que fazem o percurso, provoca em determinados momentos, segundo uma demografia, alguns problemas de impedimento. Sendo as velocidades diferentes e involuntárias, como hei de resolver o problema dos choques? Antes; dou relevo ao fato de não haver prioridades, mesmo valores, nem valorização do ato de andar lenta ou velozmente, que agasalhe uns e descubra outros. 
              Há a hiperocupação. Há o esbarrão. Há o impedimento. Esbarrões e impedimentos são problemas. Para resolvê-los haverei de fundar uma ordem. Para instituí-la, por criterioso, busco um conserto conveniente.
             Ora vamos, estou a brincar, com regras de menino, ilusão, sonho, fantasia e mesmo os bonequinhos de chumbo, acatam, em absoluto, ordem-unida descabida. Noto e faço notar que existe tão-somente diferenças de velocidades, entre meus seres-brinquedos manietados. Saliento não existirem, ainda, valores subjetivos; somente o valor objetivo da capacidade que um tem de imprimir mais passos à calçada que outro.
              O interesse não é criar um problema, sim espiar a realidade, por ele, nele, uma vez que o problema proposto sempre será menos real e menor. Assim não pespegarei rendinhas da realidade neste tecido, ainda bruto, de tal sorte que posso dar como resolvido, o problema anterior, com o arranjo da minha boa administração. Acordado com a conveniência do proceder, e sem esquecer que é de crianças o maquinar, e dessarte troco o certo pelo incerto, em por a passear, na mesma calçada, outra categoria de gentes; com os mesmos problemas daqueles transeuntes lá antes instalados, esses serão senhores da mesma constituição e dotados da mesma regulação daquele organismo; porém se deslocarão no sentido contrário daqueles. Deixo claro, o fato de estes haverem sido postos posteriormente não implicará amiudar prerrogativas. São a mesmas. Direito de ir.
              Imediatamente, produz-se uma profusão de encontrões, assentado e por escrito já disse que as populações, e supondo poder diferenciá-las, têm autonomia, e se queres, soberania, de ir dentro dos parâmetros estabelecidos, livremente, conquanto todos vão.
             Ocorre que segundo o prisma dos que vão, outros vêm, e vice-versa, mas isso ainda não está previsto, seja, neste tempo não posso lhes permitir este segundo ponto de vista. Devo consciencizar as diferentes populações, que os outros também vão. E, inda que indo em sentido oposto, trata-se de ir. Dirimo a impressão que o outro vem, pois o outro também está e faz seu movimento de ir. Assim não é necessário emendar a constituição. Basta com estabelecer outra ordem, diferente da ordem anterior, uma ordem que preveja a melhor maneira de ir. Por exemplo: uns vão por um lado e os outros que vão em sentido oposto, o façam pelo outro. Resolvido.
               É proveitoso salientar que os dois lados dessa calçada ainda não têm as peculiaridades próprias das calçadas da vida real. Dá que, em determinado momento, aquele que tanto foi naquele sentido, preme-lhe a necessidade de ir opostamente. Cria-se o voltar. Inclusivamente o dar a volta, o circular. Não aceite, todavia, a ótica do outro; coisa implicante na ideia do vir. Não mudo a constituição. Não permito, alfim e ao cabo, a subjetividade. Mas ela não tarda, e enquanto estas superficialidades não aparecem vou tratando de resolver os problemas dessa calçada. Que sequer tem um lado diferente do outro. E cada indivíduo, lento ou rápido, num sentido e noutro aceitam bem as regulamentações que venturosamente vêm lhes amenizando a árdua tarefa de ir.
              Mas como dizia, não tardará, a subjetividade, como criança me tomo a coisa a sério, e cada peça a ganhará ou disporá em vida, e se não tolhida, e em plenitude, que é o único adjetivo que a acompanha bem e gera este substantivo tão distinto e elegante. Vida plena.

República de Cidão, Episódio I.

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