ODE AO FUMO.
Oh, Fumo redentor, que alegrais os meus pecados.
Fumo do meu passado.
Fumo da primeira luz, filho de toda a honra e glória, aquele Fumo que do pé de um havano e lentamente alastrastes os seus fios dançantes de Fumo interminável, subistes ao céu da câmara que eu habitava, habitação, quarto amigo, restaurante, bar ou onde outras almas perdidas repousavam nas altas horas, nos baixos círculos.
Oh, Fumo de claridade, Fumo de tempo elementar, quando entre os meus dedos consumíeis e queimáveis os minutos que faltavam para acender a fogueira eterna, onde crepita o canto dos deuses inalcançados, que se escondem para não me perdoar.
Fumo do meu passado. Fumo do meu primeiro sopro cinzento e espesso. Fumo que me deu sentido e gosto ao sabor de todas as coisas. Fumo que me livrastes do mal, do bem e da insípida alface.
Oh Fumo do meu presente, que é o Fumo do Fumo dos meus passados e dos passados de todos aqueles Fumos que me acompanharam na glória de todas as solidões de fumantes que se buscam e se encontram e se dissipam pela leveza da essência.
Oh, Fumo de hoje que velais por mim, que chegais lá onde minha profunda ignorância, não chega. Vades e percorrais os caminhos, os abismos por mim. Oh, Fumo do instante que carregais o pecado do mundo, sinuoso e quente, na boca aberta dos homens boquiabertos.
Fumo fugaz e eterno Fumo.
Fumo sincero.
Fumo que na tua morte e ressurreição vivestes e morrestes para me salvar. Fumo meu de cada dia, te confesso, oh Fumo todo-poderoso, que pequei por minha culpa: eu traguei.
Tenhais piedade. Fumo que ascendeis ao além de todos os olhos, nos altares das coberturas conjugadas, do milagre dos anéis de depois de amanhã, que escondeis entre os dedos que apontam o caminho, que asfalteis os caminhos entre palavras pronunciadas.
Fumo, Verbo que em ti cada manhã fostes e sois o primeiro, pura revelação, mistério e santidade.
Oh Fumo do meu futuro, te exilaram, estais proscrito, te abjuraram, e agora clamais no deserto, Vós, Fumo do amanhã e de toda esperança e fé. Fumo que subis o Calvário, crucificado pelos pregos dos ignorantes, tenhais piedade.
Agora que és fumaça, recordação longínqua, sacrifício meu, apiedai-vos de mim. Oh Fumo onipresente, guardai a tua ira, o gosto da minha alma pecadora, e esperai-me no teu paraíso infernal; enquanto espreito com minha língua, isenta de sua impureza, a triste paisagem granjeira; a hora de botar o ovo, de bicar a ração, de virar pasto. Eu, seu consorte e comparsa, a cometer o pecado, saneado, desnatado, esterilizado, pasteurizado, bombado e lubrificado e infalível, como se falhar não fizesse parte da própria infâmia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário