26 de mai. de 2011

Rios sem Discurso. João Cabral de Melo Neto.


Rios sem Discurso pertence à coletânea Educação pela Pedra, publicada por João Cabral de Melo Neto no ano de 1966, pela Editora do Autor. Rio de Janeiro.

Começo pelo fim: “em que se tem voz a se ele combate” . Um rio combate a seca, a voz se opõe ao silêncio. seca|mudez rio|voz assim rio|seca mudez|voz. Não é de qualquer rio ou qualquer voz imperativo combater, sim um discurso único. Mas este rio-único-discurso sempre é enfrasado a partir de palavras que se comunicam em frases menores formando sentença-rio.

Mas há o isolamento da água em poças, das palavras em situação dicionário. As poças não se comunicam com outras e definham, evaporam e são tragadas pela seca terra. As palavras em dicionarizadas catacumbas estão mortas, mudas; são todas mas nada podem dizer neste isolamento.



                  Rios sem Discurso.

A Gabino Alejandro Carriedo.

Quando um rio corta, corta-se de vez
o discurso-rio de água que ele fazia;
cortado, a água se quebra em pedaços,
em poços de água, em água paralítica.
Em situação de poço, a água equivale
a uma palavra em situação dicionária:
isolada, estanque no poço dela mesma,
e porque assim estanque, estancada:
e mais: porque assim estancada, muda,
e muda porque com nenhuma comunica,
porque cortou-se a sintaxe desse rio,
o fio de água por que ele discorria.

*

O curso de um rio, seu discurso-rio,
chega raramente a se reatar de vez:
um rio precisa de muito fio de água
para refazer o fio antigo que o fez.
Salvo a grandiloquência de uma cheia
lhe impondo interina outra linguagem,
um rio precisa de muita água em fios
para que todos os poços se enfrasem:
se reatando, de um para outro poço,
em frases curtas, então frase e frase,
até a sentença-rio do discurso único
em que se tem voz a seca ele combate.



O manipulador diz ao leitor que as palavras sem contexto não têm valor. E que um texto ainda que falto de uma palavra, é sempre texto. E nesse caso cabe ao manipulado leitor ir ao cemitério de palavras e buscar-lhe a palavra certa para atingir o texto pleno, posto que sem isso será sempre o texto um aleijão. João Cabral não lhe gostam as metáforas, prefere a simetria, o espelho é o maior criador de simetrias, por isso João Cabral insiste no poema objeto não metafórico que através do espelho|leitor se remonte pleno como um rio que se faz discurso partindo das poças interligadas em fios e esses fios como outros fios d´água e a tantos outros muitos, até o rio-sentença.

Acontece porém que há um impedimento heraclitiano aonde o rio cortado não volta a ser o mesmo, cortado, o discurso não se remonta simetricamente, assim esse rio é um discurso vazio. Resta-me enquanto manipulado leitor a metáfora, da união dos esforços, da comunhão possível já que nos falta a palavra ou nos sobra grandiloquências. Como dizia Karl Marx em algum lugar de A Ideologia Alemã: l´impuissance mise in action. O poema é a própria impotência posta em ação. Uma vez que para Jean Duboi discurso é “linguagem posta em ação, a língua assumida pelo falante”, para Massaud Moisés: o vocábulo “discurso” ostenta polivalência de sentido segundo o contexto.
Assim os rios sem discursos são poemas metafóricos, é recife, que sempre é: acumulo de corais que se depositam, mas sempre quer ensinar, comover e entreter.





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