No cafofo, a cama
rangeu, o silêncio desmaiado substituiu de golpe o abalo, e ainda
não aconteceu nada, somente consciências enfrentadas, começando, a
História e o materialismo. Maiara pousa sua cabeça sobre o peito de
Antônio Niterói, e apesar do calor canicular, assim fica ela
encavalada sobre a coxa esquerda dele, babando sobre a casa do
coração. A consciência negada, submetida à outra. Dormem. A
História nina. Porem, a consciência negada, agora recolhe todas
suas armas, as guariba e volta ao ataque e nega a outra. O Escravo
nega ao Senhor, quando trabalha a matéria, criando a cultura. A
cultura dá razão ao Escravo e este passa a se sentir produtor de
razão e de história, sendo mesmo ela, ela sendo ele, se misturam a
ponto de serem o mesmo, estão dentro um do outro, ao mesmo tempo que
são dois em um transformados. O Senhor fica ocioso, se coisifica,
desejoso de matéria e de natureza, se transforma em coisa, natural,
naturalmente animal, a desejar como animal. Coisas.. Antônio Niterói
esboça sonâmbulo sorriso, que logo substitui por um suspiro. Maiara
limpa com as costas das mãos a baba que depositava na caixa torácica
do nosso herói. Uma consciência nega a outra e se torna Senhor. O
outro, Escravo constrói, na manipulação da pedra, a Cultura.
Parece que a paz reina e reinará como algo, absoluto, inescapável,
o triunfo do espirito absoluto. E Napoleão passeia a cavalo. Mas
Antônio Niterói agora sonha com um filme, The Servant ( O Monge e o
Executivo- O Criado) de Joseph Losey, acha que é Dirk Bogarde que
está rondando sua Maiara que é a cara de Sarah Miles, o criado vai
entrando em seu corpo e acaba por desocupá-lo de si, e nem ele
dorme, e tampouco Sarah Miles ou Maiara babam no seu mamilo esquerdo
e toda umidade que lhe queimava a coxa esquerda desaparece. Antônio
Niterói fica confusamente sonhando, não há linearidade, em
balbucios, o espirito absoluto a cavalo, pisoteia, esmaga sob suas
ferraduras, a timidez do cogito, que se envergonha diante da coisa em
si, dando coices no obscurantismo da coisa por si mesma, galopam
aferrados um ao outro até a cisão que os aparta e os faz carregarem
das partes de que são o fundamento, para se juntarem na calma de uma
cama que range, um lençol que não os alcança e uma mosca que por
isso, abusa.
28 de dez. de 2011
27 de dez. de 2011
Antônio Niterói retorna ao começo da História.
Maiara sugeriu que
Antônio Niterói subisse para o cafofo. Mas sua embriaguez e o
Senhor e o Escravo o impediam de mover-se, pediu mais uma garrafa de
Sidra, a chacoalhou e com a cabeça do mata-piolho em alavanca,
ajudou que a rolha de plástico voasse como uma nave espacial. Estava
lá , em nenhuma geografia, por isso, algures não serve, invisível
ou transparente, a ver que uma das consciências desejantes se
subordinasse ao outro desejo. Entenda, deixou anotado Antônio
Niterói, ainda não há história, nada aconteceu, só a submissão.
Mas tempo veio, que o desejo reconhecido como superior, impõe ao
desejante de desejo medrado pela morte trabalhe para ele. O desejo
subordinado, trabalha, produz e leva perante ao outro o produto que
tanto necessita o desejo que o submete. A este Antônio Niterói
chamou-lhe: Senhor, àquele Escravo. O Escravo seguiu fazendo o que
mandava o Senhor. O Senhor queria maçã, o Escravo trazia maçã.
Esta cena fez com que Antônio Niterói recordasse o filme A
Comilança, aonde Ferrer (o diretor) claramente tenta passar essa
ideia, tipica dos anos sessenta, aonde a burguesia comeria até
morrer, e os proletários a trazerem-lhe a comida. Ferrer se enganou,
a burguesia não morreu e continua comendo, ao passo que o
proletariado ainda morre de fome. Voltemos ao princípio. Antônio
Niterói com sua argúcia de detetive da escola
Materialista-dialética-histórica, percebe que o Escravo ao
trabalhar a matéria, só por este motivo, Antônio Niterói explica
o materialismo, não quer dizer apego aos bens materiais, sim,
trabalhar com a matéria, pois o Escravo seguiu trabalhando com a
Matéria, transformando-a, estetizando-a, fazendo por fim cultura, e
com a cultura criando liberdade, é louco, anotou, isso pode explicar
o surgimento de muitos pratos típicos, darem-se justamente aonde a
escassez abunda, a arte, note que a arte grega clássica é superior
ao modo de vida grego da época da arte grega clássica, por isso
Machado de Assis é superior a João Ubaldo Ribeiro, já estou
viajando, vou aproveitar e deixar anotado uma reflexão livre sobre o
amor sob o prisma dessa dialética do Senhor e do Escravo, percebam o
quanto é comum que quem mais ama mais se subordina, e que aquele que
menos ama: submete, eu vou mais longe que Sartre em o Ser e o Nada,
digo que aquele que mais ama, na verdade sente mais o medo da morte,
e se transforma num escravo do outro, e como tal trabalha a matéria
do amor, que é o medo da morte, não sendo incomum, amor e morte
andarem tão próximos. Antônio Niterói vê, o criador da cultura,
criá-la alisando as arestas das pedras, e a rolha de plástico que
havia batido nos dois lados do canto da parede acaba por retornar na
sua testa e ele desperta. O bar está fechado, e Antônio Niterói
sabe que Maiara o espera com suas formas redondas apontadas para ele,
quentes e úmidas. Ele sobe as escadas rangentes, as formas redondas
se mexem e a cama também range.
26 de dez. de 2011
Antônio Niterói, que creia o incrédulo, viaja ao princípio da História.
Sem geografia, e
portanto mapas, e portanto impossível se perder, Antônio Niterói
escondido ou transparente, para não interferir, como fazem, nos
filmes, os americanos do norte quando viajam no tempo, expectava
alegremente pelo nascimento da história, como soem fazer os da
National Geography esperando o nascimento de uma ninhada de dragões
em extinção. Sem que se desse pela coisa, dois humanos que
aparentemente dialogavam, argumentavam, por fim exigiam o
submetimento do desejo do outro ao seu e vice e versa. Antônio
Niterói anotou em seus apontamentos. Desejam o desejo do outro. Ou
melhor, eram duas consciências desejantes que se enfrentavam. Em
palavras definitivas dois desejos que se desejavam, enfrentavam. E
continuou anotando, e dizemque, Jean-Paul Sartre um dia teve em mãos
esses apontamentos, que na verdade são várias as versões, outra é
que Sartre, não acudiu a um curso do russo Alexandre Kojéve ou
Koiev, onde estiveram presentes, Merleau Ponty ( que alguns petistas
confundiram com Merlot de Romanee Conti) Jaques Lacan, Raymond
Queneau e que Sartre conseguiu, sim, as anotações de António
Niterói. Enfim qual seja a versão, Antônio Niterói estava lá,
amoitado, a ver o que se passava entre os desejos. Antônio Niterói
deixou anotado: há diferenças entre o desejo humano e o desejo
animal, veja você. O desejo humano: deseja desejo, quer dizer que o
outro o reconheça. Que o reconheça como seu superior. Que se
submeta a ele. O animal deseja coisas. E as coisas que deseja,
geralmente as come. Coisas naturais. O homem não deseja coisas
naturais, esse é o achado, a consciência é desejo. Antônio
Niterói não se dispersou: e viu que ambos os desejos desejantes do
desejo do outro estavam em pé de igualdade, mas qual não foi o seu
espanto, um refluxo quase a botar tudo a perder, tapou a boca com as
costas da mão e implorou pela digestão do rabanete do dia anterior.
Meu desejo é que você me reconheça, o meu é o mesmo desejo, que
você se submeta ao meu desejo de submeter-lhe. Os dois sabem, as
duas consciências desejantes sabem, que estão diante de um duelo
mortal. Então uma das duas consciências tem medo, temor de morrer.
Pois se trata de um duelo, e um duelo leva sempre um dos
contendedores à morte. Ambos os rivais têm medo à morte. Mas em
um deles o desejo de submeter ao outro é maior que o temor à
morte, e se isso, o outro tem mais medo de morrer que desejo, por
isso se submete. O que aconteceu meu querido?
Pergunta Maiara. Começou a história diz entre dormido e acordado,
como assim? Nossa dormi nessa mesa da Cristal? Sim, e o travesseiro e
esse livro, e que tem isso? Vige, Maiara, descobri o inicio da
História, e como é isso Teroi? O homem se submete a outro homem,
gerando assim a relação de escravidão. Mas mal sabia Antônio
Niterói que voltará ao princípio da história.
Antônio Niterói, não quer saber do fim da história, quer saber como começa a história.
Antônio Niterói
entende as dificuldades sentidas por Kant ao se deparar com a coisa
em si, pois naquele momento não havia a liberdade necessária e
suficiente para enfrentar uma teleologia absoluta, assim permitiu que
permanecesse na coisa: algo de misterioso, teológico, como se a
coisa pudesse ser algum fora da relação humana homem|coisa, parou
por ai, dizendo que o homem produzia o conhecimento da coisa, mas que
havia a coisa, fora do conhecimento do homem. Então apareceu Hegel
com sua fenomenologia do espirito e acabou com essa história, de que
há vida cognoscente fora da relação histórica homem|coisa. Hegel
absolutizou a história. O homem. O homem é história e a história
é o homem. Um se fazendo no outro e se fazendo a si mesmo. A
história condicionada ao homem que se condiciona à história que a
ele se condiciona. Uma vez que Antônio Niterói aceitava isso se
perguntou a si e a História, como começa essa relação tão
duradoura?
Embora o Fukuyama quisesse acabar com ela, assim como Hegel
também o quis, proclamando do seio de sua genialidade, Hegel não
Fukuyama, que uma vez compreendida pelo homem sua razão pacificadora
de entendimento, o próprio entendimento da relação, fazia com que
uma vez entendida, a história se tornasse transparente, e
transparente ao homem, invisível deixava de existir. Tudo bem, todo
mundo está lotado de pretensões, mas a pergunta é como surgiu o
binômio homem|história?
É atrás disso que anda nosso detetive. E vejam com que espanto
Antônio Niterói se depara com a questão hegeliana do Senhor e do
Escravo. História por demais divertida que Antônio Niterói nos
desvelará a qualquer momento, é fascinante, pois desde logo se pode
adiantar que envolve Sartre, o Amor e coisas congêneres e seus
açúcares, que tanto nos fazem o gozo!
25 de dez. de 2011
O Conto de Natal. My Home is my Castle. Antônio Niterói debruça-se sobre “O caso Yorkshire”.
Leio para você o
Inciso XI do artigo Quinto da constituição, como Antônio Niterói
fez na manhã daquela véspera de Natal. O Natal é festa. Antes de
mais nada, festa que há de hoje em dia exibir consumo. Algumas
pessoas exigem que se retome o espirito de natal. Como antigamente
dizem. Sebá que lê muito, um Voltaire tupiniquim, dizia outro dia
que antigamente a coisa era o fogo, o fogo em oposição ao
solstício de inverno, antigamente, disse Sebá, nem havia a América,
a América desapareceu como cultura com o seu descobrimento pelos
europeus. E o fogo é anterior ao cristianismo, que tentou assimilar
o culto pagão do fogo, pouco conseguiu senão que esses discursos de
sensaborias, nessa planície de oradores mais falastrões, para não
dizer hipócritas, que existem. Enquanto Maiara enchia as taças da
espumante adocicada e com pressa para que as bolhas continuassem a
explodir contra a face de Naiara que sentada nos joelhos de Antônio
Niterói, exigia entendimento daquilo que se lia: A casa é asilo
inviolável, ninguém nela podendo adentrar sem o consentimento do
morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para
prestar socorro, ou durante o dia, por determinação judicial. Dizia
Antônio Niterói a uma atenta adolescente, se não fosse, a
concentração de cada um dos últimos meses de sua vida que
transformaram meses em anos e a menina naquela mulher, casa dizia
Antônio Niterói, não sem ocultar um desejo de Hubert Humberto: é
qualquer compartimento habitado, imóvel, ou móvel imobilizado, a
boleia de um caminhão, já o automóvel se sujeita a violabilidade.
Não importa os aspectos estruturais da casa, pau-a-pique, mármore
de carrara ou alvenaria, nem importa se você está em dia ou não
com o senhorio, ou a prestação, não importa, e não importa a
localização, ainda que sob um viaduto, é inviolável. 'Nossa tudo
é casa' exclamava a Lolita, mas aonde você quer chegar Terói?
Já estou e estou, no que diz, em algum lugar, a constituição:
provas obtidas de maneira ilegal, não tem valor. Depois a
imagem de qualquer réu, tampouco pode ser exibida, antes de um
julgamento e no juridiquês com sentença transitada em julgada, seja
caso concluído. 'Num entendo', é simples meu amor, lembra da
princesa Diana, esse bisbilhotamento da vida alheia a levou a uma
fuga que por desgraça acabou em morte, que poderia não sei se foi,
jogada nas costas dos bisbilhoteiros, num entendo Terói, Naiara, se
permitirmos isso, estaremos permitindo que de algum lugar do espaço
sideral uma câmara vasculhe, bisbilhote o nosso quintal, eu sei, eu
sei que você sabe, mas eu sei e você sabe, onde você bota o ouro
do nariz.
19 de dez. de 2011
Antônio Niterói, faz retiro espiritual, extraordinário, por um Yorkshire.
Antônio
Niterói, Sebá, Naiara, Maiara e todas as outras meninas depois de
beberem as
espumantes
em clara homenagem ao Corinthians, se sentiam mais senhores e
senhoras do
contentamento.
Arrastavam sem esforço a alegria de chumbo e a tristeza oceânica
azul
perturbadora
e grená da derrota santista. Antônio Niterói gosta de conversar
com Maiara,
com
os cotovelos cravados no balcão de tijolinho à vista, coberto por
um granito escuro e
seboso,
mas a música ocupa todos os caminhos de propagação do som. Porra
Maiara, gritou
Antônio
Niterói, estou me sentindo um cachorro. Prum! Foi como se houvesse
caído um
raio
e Maiara havia enrolado a língua de susto. Cachorro! Fez ela,
coitadinho, como pode
aquela
cadela matar o cachorrinho indefeso. Sebá que calado estava,
permaneceu na mesma,
depois
de uma interjeição de omoplatas. Naiara se aproximando, livre do
pretendente, sabe
quanto
custa um yorkshire? Mais muito mais de vinte subidas, sim vinte, se
tiver pedigree
registrado,
minha vizinha cabeleireira tem um caramelo, mas gente! Mas gente o
quê?
Terror!
Vai falar que você defende aquela umazinha? Não é isso! É o quê?
Terror! Quem
nunca
pecou, atire... Antônio Niterói fez uma pausa e olhando bem nos
olhos de Maiara,
não
disse nada, pois não pode dizer nada, mas ia enfileirando
pensamentos, e os deixava,
sem
querer, transparecer nos vincos da fronte calva, essazinha mete fogo
no barraco,
aproveitando
do marido bêbado, mata junto com ele o filho deficiente, o fogo se
alastra para
os
barracos vizinhos e todo mundo perde tudo, é diferente, é muito
diferente, Terror, o que
ela
fez não tem perdão! Mas... Mas o que? Terror, o bichinho não tinha
como se defender,
não
podia ir embora, não escolheu aquela casa, aquela dona! Terror você
me entende né?
Não
eu não entendo. Como assim? Eu não entendo tanto ódio, tanta
repulsa, por essa pobre
enfermeira,
vocês não percebem a contradição, xi, vai vendo, lá vem ele
querendo falar
difícil,
terror não leva a sério não, esquece, meu amor, amanhã nós
vamos para o Pantanal,
precisamos
do motorista e guarda costas bem animadinho.
Dois
dias depois estavam, todos, numa pousada, umas cinco horas de barco
para lá de
Coxim.
Um mundo de homens pescadores. E fisgavam os tucunarés, deixavam os
bichos
fora
da água para as devidas fotografias e depois soltavam. Na hora do
rancho, cada
pescador
tinha sua moça sentada na perna. Antônio Niterói pensou em fazer
uma fotografia,
não
deu tempo nem de armar a máquina. Esse trem tá proibido aqui no
rancho disse Maiara.
Antônio
Niterói borcou uma de uma só golada, pegou de uma carretilha e foi
pescar.
18 de dez. de 2011
Antônio Niterói, vê o jogo Santos e Barcelona no Bar Verde da Maiara.
Depois de
um demorado café da manhã em companhia de Sebá; café que
consistiu em café e cigarros e a manchete do Jornal A Cidade, sobre
o pacote eleitoreiro da Prefeita, ao final concordavam que
brasileiro não acredita mais em pacotes, o pacote é sempre bonito,
mas o que tem dentro, absolutamente, nunca se sabe, inda mais se tratando de transporte urbano, que devia se chamar secretaria de
Mobilidade Pública, Urbana, pensada para humanos, também concordou
Sebá, se sequer temos Paradas de Ônibus minimamente ergonômicas, e
foi explicado: isso quer dizer: funcionar para o que dizem;
Antônio Niterói convenceu Sebá a fechar a Pensão e juntos virem o jogo Santos e Barcelona, no Bar Verde da Maiara. Há um
quarteirão já ouviam: Ai Ai\ se eu te pego \ Ai Ai\ se eu te
pego...
Sebá olhava para os
fios fazendo notar a quantidade de postes que há nas calçadas, é
uma cidade pensada para cachorros, disse Antonio Niterói.
- Meninas
cheguei. Berrou Antônio Niterói. Nem vem, responderam elas. Ao
final concordaram em ver o jogo e ouvir música. Quando os dois times
entravam em campo, Antônio Niterói e Sebá e as meninas se
decantarem por Piquet, com louváveis desavenças favoráveis a
Neymar e concordarem que Messi é fuinha. Mas joga bola disse Sebá.
Assim continuaram até o final da partida, que pareceu gastar mais
tempo que o do cronometro. Todos foram se aborrecendo, e nem a favor
ou contra, só uma coisa podia devolver-lhes a atenção: um 9 a um,
para que esse um, ah unzinho do Neymar, pedia Naiara, levanta um
pouco que minha perna dormiu, e ela sentou-se na perna de
Antônio Niterói, não na minha não! você é de menor, quer ver
a identidade, dessa ai eu faço uma com a cara do Brad, você Brad?
Você dezoito? mas foi bonito,
foi uma pelada Sebá, e nós já fomos mestres em peladas, pois é meu
camarada, Nélson Rodrigues volta a ter razão, trememos diante dos
Holandeses, e agora diante dos espanhóis, temos que acabar com essa
figura do salvador do time, temos de inventar o time que salve a
estrela, sem o poderoso exército greco Aquiles teria caído antes,
muita coisa deve ser mudada, não aqui com tanta menina bonita, Sebá
pagou uma Peterlongo, Antônio Niterói outra e até a Maiara abriu
seu decote e pagou a terceira espumante e todos abraçados gritavam,
bota pra fude!!
13 de dez. de 2011
Antônio Niterói, numa aventura eletrizante, encontra provas cruciais que despenaliza o pastel.
Antônio
Niterói sempre dormia tarde. Ia de bar em bar, perseguia-lhe a
insonia, ou o medo de que, em algum bar acontecia alguma coisa que lhe escapava, tinha a
síndrome da onipresença frustrada, esgueirava-se pelos balcões
dos bares, quando os bares também demoravam a dormir. Aos domingos
amanhecia junto com os feirantes, na Avenida Portugal, para um
pastel, dois ou três e não poucas vezes, quatro, o último sempre
era de palmito, com direito a repeteco, sempre que calhava, não
fugia. Havia o pastel de quinta-feira no mercadão, o pastel com café
d'A Única, um pastelzinho com azeitona d'Alzira e os mini pasteis
com Almadén das vernissages do Mauri Lima ou do Paulinho Camargo e a
última em que marcou presença foi a de Cleido Vasconcelos. Já não
havia mini salgados, pois foi uma vernissage Brunch.
Pare com tudo.
Disse o doutor. Parou. Mas já estava colesterizado. Acontece que um
dia estava com o Lemão, lá na pastelaria do Mané, e falavam sobre
veia entupida. O salgadeiro da casa, o peruano Carlos Lopez, havia
ensinado o Lemão a comer tomate sem sementes por culpa do cálculo
renal. Toda a cultura Inca, relembrada. Lemão chamou Carlos, e
Carlos explica a Antônio Niterói que na massa de pastel se coloca
pouquíssimo óleo e Carlos explicava que o importante no caso era a
manipulação o amassa a massa, sem parar, cilindrar, para gerar mais
força na massa, e que no momento da fritura acontecia o seguinte: o
óleo quente esquenta a água interior da massa e a água vira vapor
e este escapa fazendo aquelas bolhinhas no óleo quente, e que as
bolhinhas de ar que não conseguem escapar se a massa é forte, ficam presas nela, por isso a massa do pastel tem essas
bolhinhas, claro, por isso é forte, sim, é imperioso que haja força na
massa e para o ar ficar preso, e para ser forte não pode haver óleo, o
óleo a torna quebradiça, que é o polo oposto, a massa podre, então
a massa de pastel deve ser bem sovada, cilindrada, quer dizer que não
há nada de óleo dentro da massa do pastel, claro, algo sempre há,
mas há menos que em um sorvete, por exemplo, não acredito, sim
acredite, assim que, assim que o pastel tem a massa feita de farinha
de trigo, como o pão e se for bem feitinho, o pastel, ele tem
pouquíssimo óleo. Foi então que Antônio Niterói naquele mesmo domingo, acordou cedo e foi da José Bonifácio até a Av. Portugal
comer seus vários pastéis, sem culpa.
8 de dez. de 2011
Doze homens sem sentença, julgam. Enquanto Antônio Niterói bebia com Maiara e Naiara no bar Verde.
Todos
eles, sim eles, são frequentes nesse ambiente, nessa função,
entediados, menos um que entra cheio de frescor e romantismo. Seu
filme predileto é justamente, Doze Homens e Uma Sentença. Pergunta
aos outros se já viram o filme. Um pigarreia. Olha para a janela
fechada e desenlaça a gravata, retira o paletó, arregaça as mangas
e dá por terminado o trabalho. Culpado. Outro diz, até agora não
entendi o tal do barômetro, é um treco de medir pressão, sim, mas
por que sobre um piano, do mesmo modo que um Cabo no palco, a gente
podia estar no Pinguim, a seis reais o chopp! Não dou conta, e você
novato? Eu! Para o
Pinguim? Não o homicídio!
O teatro está na praça, a praça na cidade, a cidade no país, o
país no mundo e o mundo é o mundo mundial e o teatro está no
mundo, e o mundo é um teatro; aquele imita este?
É, este mundo com aquele dentro; e se se mata, se mata neste mundo,
que é este, esse teatro no mundo é aquele num mundo teatral.
Contudo penso que deveria ser julgado no teatro, nesse que imita o
mundo real que também é um teatro, você quer dizer, numa peça de
teatro, não numa, mas na mesma peça de teatro, foi nela que se
cometeu o crime. Como assim?
Igual no futebol. Certo, o futebol tem a sua corte. É isso! O que
você quer dizer com isso ?
Culpado! Culpado? É! Pensava
que ia querer reverter o onze a um. Não, nunca, se não entendo,
sequer, por que não pintaram o guarda no cenário, porque iam
economizar cachê. Você leu a manchete do A Cidade? Policial
figurante de policial, mata dono da casa que pulava o portão da
própria casa, no teatro Pedro II. Vamos acabar com isso! Que a
realidade só estraga a ilusão! Bem dito! To contigo! Só se for
para já! Culpado.
Enquanto
isso no bar Verde da José Bonifácio, Antônio Niterói se aborrece
com a pouca idade de Naiara e acaba fazendo um poema como se já
fosse velho.
lâmina antes, lisa
fria, já não desliza,
tensa pela pele gruda
esqui na grama, como
esticar a bochecha, flácida.
Com
os dedos. astucia
Não
se desespere.
Não
cabe agora um talho,
que
envergonha,
mas
o pacto com o corpo
pode
ser desfeito, esquecido
que
ele começou a des
faz
er
-se...
6 de dez. de 2011
Antônio Niterói é testemunha dos três homicídios: do Autor, do Ator e da personagem.
Em
juízo, Antônio Niterói se manteve abstraído na fase protocolar,
agora se ajeita na cadeira para ouvir o promotor, sabemos que Cabo
Clemente, guarda irlandês, não estava deslocado dentro da peça,
conquanto o guarda irlandês também não o fosse, é no caso, o
guarda irlandês um elemento que traz realidade, do mundo para o
mundo da ficção, aportando realismo, disse-me o autor da peça A
Casa Caiu, fundamentado no original aonde, em todos os passos de
Leopoldo, a guarda irlandesa se fez presente, como um vaso sobre o
piano, na festa onde ninguém sabe sequer ler uma partitura. Protesto
meritíssimo, adiante, um barômetro sobre o piano! Não nobre
colega, não existe esse deslocamento, pretendido, na Dublim
ficcionada havia, protesto, adiante, não se trata da imitação da
Dublim real, mantido, não disse imitada, meritíssimo, a Dublim da
obra é ficção, não uma existência paralela, ou imitação
duplicadora, prossiga, na Dublim ficcionada havia por todas as ruas
donde passou Leopoldo a guarda irlandesa, duma Irlanda fictícia e em
toda obra a guarda irlandesa ficcionada, numa Dublim idem não comete
nem um assassinato, assim não há a menor possibilidade, que a
personagem reclame uma interpretação, a si favorável, por hora
desvirtuada, posto que a personagem, ainda, que teoricamente possa
trazer embarcada um leitor implícito, ainda que, levemos em
consideração o que determina vossa Excelência, se tratar de um
triplo homicídio, implícita a morte do autor, ainda que, uma vez
aceite, ocorre a destempo da peça, concluo pedindo aos senhores
jurados a condenação do Cabo Clemente por homicídio culposo do Sr
J. Maurício e Aníbal, conquanto o assassinato de Mr Leopoldo, que a
critica especializada e o tempo venham a julgar.
A
defesa pede que a testemunha Antônio Niterói seja ouvida novamente.
Profissão Sr Antônio Niterói?
Corretor. O Sr Antônio Niterói vive de porcentagens que cobra aos
amigos que vendem imóveis pela MRV, pelo empréstimo de sua carteira
do CRECI, protesto meritíssimo, prossiga. A defesa depois de
desqualificar a testemunha, induz sem prova a se pensar que a trupe
nada mais era que uma banda organizada de traficantes da famosa DMSO
– dimetilsulfóxido – que atua como um marcador e borrador de
sinapses, que poderia como o SOMA, levar o usuário a agir como
títere. Antônio Niterói diz, conheço Camila Dunlop desde os anos
setenta, não posso negar que fumamos uns baseados na praça Redonda,
olhando o por do Sol, sobre a Vila Virgínia, mas na tarde do crime,
ela nada mais fazia que caminhar para espairecer, e me alegava na
oportunidade não compreender de modo algum a pertinácia do guarda
irlandês, mas cria que não passava de uma alegoria do adaptador do
livro para o teatro, uma mimese da galinha imobilizada pela risca de
giz em Kasper Hauser, sem sentido e desproporcional, o que é um
desproposito?
Toda e qualquer ação do Cabo Clemente, não vem ao caso, que um
Sr que aluga a identidade profissional, diga que toda a ação
policial é um desproposito. Mais alguma pergunta ?
Dispensado. O nobre colega quer negar inclusive a existência do
mundo real, discutindo literatura, alegando que o crime tenha
ocorrido dentro de uma obra de ficção, como se se tratasse de uma
embaixada da arte na mundanidade, pois bem,
e alegando que a mente do Cabo Clemente, como de toda corporação,
desvia de sua função preventiva, agindo como se de fato fosse juiz.
Vangloriando a guarda irlandesa. Esse homem agiu seguindo como
qualquer leitor atento, seu faro de caçador, sua intuição em nome
da sociedade. Peço sua absolvição em nome do dever de personagem
realista, imitar o real, e de interprete de uma única moral. Os jurados se recluem.
5 de dez. de 2011
Antônio Niterói, nesta segunda parte, tentará desvendar o estranho duplo assassinato de único morto, durante a intrigante: A Casa Caiu, estrelada por Camila Dunlop e o duplamente morto J.Maurício Aníbal.
Cabo
Clemente, sim o soldado era Cabo, ligou para os seus superiores
diretos, não convidou os subalternos, mas sim, alguns amigos da
corporação, ligou ao Capitão da reserva, presidente da Aspomil; e
aquilo que as vendas antecipadas anunciavam – fracasso -
fracassou, o teatro lotou. Nunca se viu gala tão espartana no teatro
D. Pedro II desde a plateia, balcões, galerias e frisas tudo cheio.
Camila na solidão do
camarim, branqueava sua pela já clara, será uma buliçosa cantora
de ópera. Clemente pronto para brilhar, diante dos seus, na coxia
andava muito falador, o contra regra, menos Sr. Clemente, abrindo-lhe
uma fenda nas cortinas para lhe mostrar novamente o cenário e o lugar
dele nele. Ali Sr. Clemente, onde parece uma rua, com uns postes pintados
com lâmpadas amarelas, como se postes de iluminação fossem, ali
naquela risca, como se sarjeta fosse, de um lado para outro, sim?.
Sim, compreendo. Porque ainda não vestiu seu figurino, Sr. Clemente?
Como assim, estou vestido! Não, não é esse o seu! Como não?
Sr. Clemente, seu figurino é de um policial irlandês, todo em preto e botões prateados e um cassetete, não usamos mais cassetetes, mas não estamos no
mundo real. Por fim, não houve quem fizesse o Cabo Clemente
vestir-se de guarda irlandês, mas concordou em usar o cassetete, que
ainda na coxia fez estalar na palma da mão. Não Sr. Clemente, não
faça esse barulho todo, bata com suavidade. Quando Antônio Niterói
foi finalmente localizado, para que interviesse junto ao Cabo
Clemente, já soava o terceiro sinal. Seja pardelhas e merda! Disse
Camila. Merda! Ressoou. Antônio Niterói zelava por um sujeito
impaciente logo após a frisa direita. O pano se abriu.
No primeiro e segundo
atos, pouco aconteceu, senão que a ovação recebida por Cabo
Clemente de todo a corporação presente, logo que apareceu em cena.
Antônio Niterói escorregou na poltrona, escondendo-se atrás do
balcão, vergonha pelos outros, Naiara quase a chorar, é tanta
emoção! O terceiro ato começa com Leopoldo e Stephen bêbados
numa mesa de bar, rodeados de moças alegres, que eles tateiam. Numa
cama barulhenta, Camila Dunlop em exígua roupa de dormir, era Moly
sonolenta e ciosa do relógio, sem problemas em sentir o calor de
Gibraltar, como se esperasse alguém, que não seu marido, sob o
rochedo. Leopoldo e Stephen saem do prostíbulo cambaleantes, Mr.
Boylan entrava na casa e subia as escadas e fazia sexo anal com ela,
numa cama barulhenta. Leopoldo procurava a chave do portão de casa,
encontrava tudo, até mesmo um sabonete embrulhado numa folha de
jornal, menos a chave em qualquer dos bolsos, resolveu saltar o
portão, como outras vezes fizera quando trocara de calças e esquecera a
chave, Stephen se equilibrava melhor com uma bengala. Leopoldo subiu
no portão. Cabo Clemente empunhou a arma e fez posição de tiro. A
corporação que andava atenta aos movimentos de seu pupilo, deixou
vazar junto com o sorriso um rumor de: esse é nosso menino! Cabo
Clemente sentiu a energia vinda da plateia, das galerias, mãos na
cabeça seu meliante! Leopoldo saltava o portão quando foi atingido
por uma bala certeira. Cabo Clemente olhou para o Comandante no
balcão nobre, que tudo aprovava com um gesto romano. O amante, a
amada, o bêbado Stephen, o contra regras, os maquinistas, a copeira
acudiram ao morto, que Stephen havia anunciado: J. Maurício Anibal está morto de
verdade! A plateia não entendia, era impossível saber quando findou a ficção que fez-se real. Cabo Clemente era o assassino. Duplo assassinato: J.
Maurício Aníbal e Leopoldo estavam mortos.
Continuará... com o
julgamento.
3 de dez. de 2011
Antônio Niterói tentará desvendar o estranho assassinato no Teatro D. Pedro II durante a peça com intrigante nome de A Casa Caiu, estrelada por Camila Dunlop.
No palco, Camila
Dunlop andava de um lado para o outro, soltando fogos pelas ventas, há nada mais que uma tarde e um princípio de noite da estreia, e para ela, a
personagem desnecessária do policial não estava de todo no seu agrado, sempre que
olhava para o fundo do cenário, lá estava ele a incomodá-la,
quando deveria ser um vaso sobre uma mesa, era um barômetro sobre um
piano. Perguntava de si para si, qual seria a loucura do diretor em
exigir o policial, lhe era inacessível o entendimento e o melhor a
fazer era relaxar, tentando passar-se incognitamente, na cidade que nascera disfarçada embaixo de um lenço escuro e cabisbaixa, saiu rumo a praça Sete, que há tempos fora o
coração pulsante da noite ribeirão pretana. Antônio Niterói
ocupava a mesa do Dr. Sócrates, quando Sócrates bebia, e bebia no
Empório Brasília. Antônio Niterói e Camila Dunlop, um dia fizeram
amor, loucamente, há anos que não se viam. Cada um para um lado.
Antônio Niterói, com seu lado apagado, em exposição, era o
próprio disco de Odin em comparação a Camila Dunlop, um ser para
ser todo visível e de todos os lados iluminada. Meu deus! quanto
tempo! Pois é! quanto tempo! Ah Nit estou um trapo, eu sou um, você
está bem, e você mais moça, desde aquele ob ridículo, nem
lembrava, muita coisa passou e passei, casou?
Casei! Descasou ?
Descasei! Me diga uma coisa Nit, tá com pressa, tô, toma
umazinha, não tenho tempo tenho que ir, ainda procuro um policial,
policial policial? Sim policial,
policial ator? só policial, tipo boa praça, não precisa ser
boa pinta, conheço uns camaradas no corpo, para que quer
?
É para fazer o papel de policial, daqueles hollywoodianos, sim,
aqueles que giram o cassetete?
sim e caminham para um lado e outro, sim isso, isso mesmo, pode ser
gordinho ? Pode! Pode!
Você continua gracioso! Para quando? Hoje à noite. Hoje? Hoje!
Antônio Niterói, nem me lembrava mais do ob e ligou imediatamente.
E ai Clemente? Que manda Niterror? Quer fazer uma ponta numa peça de
teatro? Quê que eu levo? Trabalhar com a Camila! Pitanga? Não!
Dunlop! É boa? Pneu, cê quer ou não quer? Quê que eu levo? Porra
Clemente! Só pensa em dinheiro! Deixa de ser leviano Niterror, cê
também é assim, não é! E ai Camila! sai algum para o policial?
Poxa Nit, e o amor a arte, aparecer no Teatro Pedro II, dou uns
ingressos para a família dele, tá bem? Cê ouviu Clemente?
Reconheci a voz, é ela mesmo? Claro! Eu vou de graça! Manda um
ingresso pra dona da pensão e tá certo! E o ensaio? E ai Camila,
ensaio! Não tem ensaio, vai direto, ele nem precisa abrir a boca.
Certo? Certo! Certo ouvi tudo pensa que sou burro, porra! Né isso
não Clemente! Eu sei o que é! Tudo combinado e Camila Dunlop não
quis ficar para uma cerveja. A Antônio Niterói restou-lhe um par de
ingressos, e passar mão pelo rosto, que não tinha mais aquela pele
triunfante de quando conhecera a estudante de artes cênicas, mas que
tinha ao menos uma vantagem que era a de barbear-se sem o cuidado
de olhar-se no espelho, uma vez ainda lisa, mas já calejada, pelos
incontáveis se afeitar, nunca mais se cortou. Sorriu; sorria sempre
para uma câmera imaginável, na vigília ou no bar, donde fosse,
fazendo uma tomada bem fechada no ancacondo sorriso; por ainda não
haver passado pelo que costumava dizer ser a eclusa dos sessenta,
onde só cabe os que seguirão a envelhecer. Ficou mais a olhar para
a cerveja que a bebê-la, e quando Naiara chegou, chegou também a
desculpa para não seguir com ela toda aquela noite, o Teatro, que
Naiara, pensava ele, recusaria. Não recusou.
Continua...
1 de dez. de 2011
Antônio Niterói depois de revisitar Aristóteles e os sofistas, descobre o porquê de Oração ao Tempo está na boca das Maiaras e de quebra reafirma Borges e Marx, quando dizem que o espelho também reproduz e a história se repete. Primeiro aquele depois este.
Antônio Niterói se
desperta no grande quarto de pensão ouvindo uma voz feminina,
cantarolando uma canção linda e assustadora, ..
tempo\tempo\tempo..., que se confunde com o chuá continuo de seu
Lorenzeti. Faz um exercício, físico mesmo, com a cabeça,
dobrando-a para trás do travesseiro fixado na nuca, com olhos
fechados, quer saber quem é, mas não se lembra, uma estranha que
canta Caetano Veloso. Interessante! Muito interessante! Sim mas se
fosse tão interessante, não a esqueceria! Ruminava. Subitamente o
canto parou e ele ouviu: Porra Niterror, você não tem nem uma merda
de um xampu!? Puts grila! Dormi
outra vez com a Maiara! Mas de chofre, já não pensava em Maiara,
pois ela tem semancol e não ficara para o café da manhã, tendo
que abrir o bar Verde, agora pensava mesmo como é que a Maiara lhe
ocorrera cantarolar Caetano, e não aquele Caetano, que queria saber
se seus fiéis o aguentariam a cantar Peninha, uma vez que seus
fiéis, não ouviam Peninha. E foi então que Caetano pode saber que
seus fiéis eram fiéis a ele, não à sua música. Maiara é, até
onde sei, ouvinte de músicas sertanejas, onde entra, Oração ao
Tempo é que não sei! Ouço na novela das oito. Disse Maiara, você
gosta? Completa. Gosto mas me perturba. Disse Antônio Niterói. Você
e suas encanações, vou indo, foi bom hein! Vai lá depois! Fazendo
um olhar de sedutora, com uma plasticidade duvidosa, emprestada de
algumas caras e bocas da mesma novela.
Quando
Antônio Niterói escanhoado, desceu para tomar café, Sebá, já
havia se aboletado no Facebook.
-muitos
amigos Sebá?
-
tenho 900 amigos. Disse Sebá, acrescentando que haviam postado um
vídeo pornô invisível no seu perfil.
-Como é um vídeo
invisível? Sebá? Perguntou
Antônio Niterói, pois é, se eu tivesse visto não seria invisível,
como não o vi é invisível, claro, mas também como se pode saber
que postaram se é invisível, se postaram e não o vemos é
invisível, e é invisível porque é pornográfico, já que na rede
não permite vídeos pornográficos, e se não fosse pornográfico
poderia ser visível, nossa sorte Sebá é que Aristóteles dialogou
com os Sofistas, assim os digeriu e você sabe como funciona o
metabolismo, do quê você tá falando Niterrror? Tô falando que se
você parte da conclusão, gerando um argumento, sem ser tautológico,
podendo ser verdadeiro, ainda que absurdo, como um vídeo invisível,
esse verdadeiro pode muito bem ser irreal. Sebá havia abandonado
momentaneamente o notebook e mostrava bem de perto seu
descontentamento e desentendimento. Niterror! Cê não tá querendo
dizer que não acredita em mim? Tá? Tô! E mais, muito me espanta e
também não entendo, como é que consegue acreditar na postagem de
um vídeo invisível e não crer no que os olhos que tem na cara
estão a te mostrar! E Antônio Niterói seguia ruminando enquanto
soltava argolinhas de fumaça, que tardavam a atingir o alto forro da
cozinha, onde provavelmente formavam uma nuvem de nicotina, a vida se
repete, como a história se repete, em qualquer âmbito, micro ou
cósmico, os seres reproduzem e se reproduzem, sendo o que quer que
eles sejam, e o quê que venha a ser o real. Não só isso, é
claro, mas também, muito, ou nem tanto, mas sim, algo sim.
29 de nov. de 2011
O traumático caso do porquinho da Índia, donde Antônio Niterói, se descobriu um detetive com a morte de um poeta que começava o desabrocho..
De tudo o que sabia
Antônio Niterói em seus onze anos de idade, era que se dependesse
de algum acontecimento, que por sua vez não dependesse de sua ação,
ele não aconteceria, por lhe ser alheio. Dito de outra maneira para
Antônio Niterói a sorte não existia, mas muito corriqueiramente o
azar não faltava. Como acontece no caso do porquinho da Índia que
havia ganhado do tio Farias. Como havia ficado combinado iria com sua
irmã buscar o casal de porquinhos naquele sábado pela manhã.
Escolhera o caminho que passava diante da casa de Neide. Antônio
Niterói previa que justamente quando passasse diante da casa, Neide
estaria dentro da casa, e não o veria, nem ele a ela que era o que a
ele mais importava, vê-la, pois o outro dependia muito de Neide.
Neide não estava dentro da casa como previra Antônio Niterói, mas
estava agachada de costas para a rua. E nem o fato de estar
assoviando a canção O Bom Rapaz de Wanderlei Cardoso, adiantou.
Ela continuou agachada de costas para rua.
Na casa de tio Farias,
chuparam jabuticabas e manga espada, e ficaram com os dentes cheios
de cabelos de manga, e Antônio Niterói limpou o sobre lábio na
manga da camisa, deixando-a amarela, coisa que lhe renderia um belo
puxão de orelha mal chegar em casa, de resto tudo correu bem, os
porquinhos guinchavam, mas logo se acalmaram com uma folhinha
comprida de capim-gordura. Já a meio caminho de volta, sua irmã que
o acompanhava, notou seu entristecer, e quando ela quis saber o
motivo, já que ele queria tanto os porquinhos da Índia, por haver
lido um poema, que eles eram tímidos, e que não sabia o que era ser
tímido, mas logo a professora explicou e ele havia entendido que os
porquinhos eram absolutamente iguais a ele, ele se escondia debaixo
da cama. Quando a irmã insistiu, Antônio Niterói chorou. Presumia
que quando passasse diante da casa de Neide ela estaria no portão e
iria lhe pedir um dos porquinhos e ele iria acabar dando um deles e
foi o que ela fez e ele timidamente lhe estendeu um que era pedrês.
Modorrentos uni-vos.
A letargia é um sono
anormal, profundo, contínuo; onde a respiração e a circulação
parecem suspensas. Quando perguntamos ao ser e por ele; acometido de letargia,
suas respostas são vagas, e este não se desperta para as responder, nem
guarda recordação, alguma, se despertado. Isso é definição que
se encontra em dicionários, e para arrematar, buscando pela
sinonímia, a coisa aponta para a ideia de inanição, indiferença,
modorra, indolência extrema e apatia.
A modorra é coisa parecida à hibernação,
quando as condições climáticas são extremas, os ursos hibernam.
Há um particípio, muito bonito, que é aletargado, do verbo
aletargar e há ainda: amodorrar, que está entre os paralelismos e simetrias acima, e ainda, e também há, o, aferrar-se ao ... letargo. Em qualquer caso, temos
aqui um belo embornal cheio de conceitos, como queria o Arcebispo Tilotson, com os quais as vezes penso
em descrever o estado de choque em que se encontra, parte da, nossa sociedade
civil.
Muitos de nós há alguns anos, dez, vinte, trinta anos, estávamos bastante despertos,
coisa oposta a esse letargo, éramos esquerdistas alegres, festivos e orgulhosos
em ostentar tal esquerdismo, ainda que verossímil e literário, cresciam pelos cafonas no sovaco das meninas,
meio maoistas, meio marvada carne cheguevarista: hay que
endurecerse pero perderse la ternura jamas, paredón y besos, stalinistas disfarçados em batas indianas, e tiracolos em couro cru trançadas em ombros trotskystas interessados em Andrè Breton, o futurismo de chinelinhas de couro em Mayakovystas de folhinhas linhas zibelinhas libelinhas sozinhas, Wilhelm Reich no
escuro para comer a Aninha, o formalismo de Jakobson, bebo coca cola, babo coca cola, a poética Brechtiana und so weiter,
inocentes e culpados, lírios pirados, irresponsáveis, ignorantes em Das Kapital, Ideologia Alemã, do Anti-Durhing, Heiliege Familie, a os fatos se repetem, hizuzufingen, tragédia e comédia e pornochanchada e Was tun? Quehacer ? Quefazer ?
" Faça Tudo, tudo mesmo, menos permanecer aletargado".
Em dias de hoje a mídia, a grande e a
infinitesimal, dia sim outro também, nos agouram. Os meios, ditos: médias,
são verdadeiras encruzilhadas, com suas marafas, galinhas mortas,
velas vermelhas e pretas.
Custo a crer no que vejo, se não fosse pelo abatimento dos valores acima assinalado, nós que sempre
propusemos a cabeça erguida, contra o: " come ananás e mastigas perdizes" dos neófitos, não temos coragem de alçar a nossa "acima da manada".
Não podemos deixar na mão de um “fascismo” incipiente ou encanecido (sim, com certeza, o
exagero é meu, meu caldo é exagerado e transborda), por uma burra direita, claro que pode
haver dela e nela coisas lindas e melhores ideias das que temos visto, mas não
podemos estar amortecidos e torporizados. Somos nós que
devemos dar o passo adiante. Posto que, nas mãos deles, volta-se
sempre a uma doença cronica, o golpe.
A decadência da
economia familiar, se alastra pelo mundo, e paradoxalmente, isto é, assemelha aos incautos que o seguinte faz oposição, mas é coisa que encerra o seguinte: o fulgurante progresso de
certas economias privadas, e a corrupção. Tudo fazendo supor os primeiros
degraus rumo à decadência moral e por conseguinte a um meio hostil, que tão só
alimenta o exercício da individualidade, que sempre nos chega como: fazer sacrifícios. É esta prática, cínica,
sabemos por experiência, e sempre desemboca, tão somente, em
sociedades caducas e condenadas ao fracasso, e a extinção de direitos, por extrapolação, que
é de onde viemos e partimos e não queremos retornar. Chuta que é
macumba! E um passo adiante, no processo de libertação...
24 de nov. de 2011
O espantoso caso de sumiço de um rapaz, resolvido com a portentosa intervenção de Antônio Niterói..
Uma janela imensa, o
bochorno, a toalha úmida descartada, por seca, o ventilador em seu
pendular movimento que Antônio Niterói decifrou pelas oladas de ar
quente, de uma longínqua combustão. Dormiu, sonhou e despertou,
espetado nos olhos por um raio avermelhado de sol que cruzou a
colcha, que interpretava a cortina, numa grande janela de uma
hospedaria que dá para a José Bonifácio. Com um salto se pôs sob
a ducha, onde lavou sua regata amarelada. Fez gestos espaçosos, não
alcançava nem o chuveiro, por sua mediana estatura, como os
acidentes que vira e mexe lhe ocorriam no apartamento anterior.
Passou pela cozinha, onde Sebá tinha um belo café da manhã, sem se
interessar. Caiu na rua e esquecido do sonho, que poderia lhe
orientar na solução de um caso, advindo em um sonho anterior.
Esquecido, sonâmbulo, parado na calçada em meio o vai e vem de
funcionários retirando motos das lojas, para estacioná-las junto ao
meio fio. Voltou para a cozinha, onde encontrou Sebá a ler o jornal
A Cidade, que trazia a história de um jovem desaparecido.
A claridade do dia
apenas se anunciava através da colcha vermelha que ocupava o lugar
da cortina, na grande janela da hospedaria do Sebá, na esquina da
José Bonifácio com Mariana Junqueira, onde a princípios do seculo
XX fora um pastifício de fama regional, e o alarme do celular de
Antônio Niterói disparou. Envolto em uma toalha úmida e vestindo
uma camiseta regata branca, surrada e encardida, pois junto com as
cuecas era lavada sob a ducha, Antônio Niterói, tropeçou no
ventilador. Depois da ducha reconfortante, no espaçoso banheiro,
calmamente desceu as escadas que davam à cozinha, onde Sebá já
havia disposto as delicias de um café da manhã, sobre a mesa, uma
frugalidade comparável a do Grand Hotel.
- Novidades! Disse
Antônio Niterói interpelando Sebá, que calmamente lia o jornal A
Cidade.
- De sempre, estão
acusando o Palácio Rio Branco de vender sorteios da COHAB, e o
garoto?
- Ah! Por falar nisso,
onde anda aquele seu celular não identificável ?
-
Está aqui! E para variar tem pouco crédito, você vai falar muito?
-
É rapidinho, vou resolver essa história.
-
Não sei qual o seu interesse, você nem foi contratado para isso! Disse Sebá. Era só para se manter em exercício, que Antônio Niterói se
envolveu na busca de Cezinha. Cezinha estava desaparecido a dois
dias ou três dias. A família sem noticias do rapaz. Os amigos fazendo correntes
pelas redes sociais. A policia procurando e Antônio Niterói
investigava.
Antônio
Niterói ligou para Salmora, um Civil, amigo dos tempos de
corretagem.
-
Então Salmora, descola o número de telefone da família do sumido.
-
Sem palhaçadas hein! Niterror! Veja lá o que vai fazer!
-
Chi! Sal! Quando foi que... bom, esquece, pode confiar! Eu sei que
você confia. E preste atenção, em vinte minutos te ligo! Não
foge não, você vai gostar!
Sebá
se comia de curiosidade e Antônio Niterói não lhe adiantou nada,
tão só lhe disse que ficasse atento àquela façanha.
-98801815. tu!tu!.. O telefone chamou por quatro vezes antes de ser atendido, por uma voz
de mulher. Uma voz de rouquidão suave e matinal. Era sim a mãe do
rapaz sumido.
-
Então madame quero que a senhora preste bem atenção. Tamo aqui
com seu filho. Somo uns cinco, sabe é um sequestro, tamo querendo
deiz mil cada um, pra devolve o garotão.
Eva
a mãe de Cezinha, começou a rir um pouco nervosa, havia recebido
vários telefonemas, inclusive de gente que o havia visto em
Blumenau ou Fortaleza, mas nenhum nem suposto sequestrador.
-
Num ri não madame! Se a senhora quiser eu mando a ponta da orelha
dele, com essa argola de txucarramãe que ele tem na orelha. Eva
exalando espirituosidade lhe disse, que os txucarramães usam argola
no lábio e não na orelha.
-
Do jeito que senhora quiser, então a gente mandamos os dois, o lábio
e a orelha, e se as coisa sair errado, num for como nós combinar,
nós picamos ele tudo. Escuta direito. Tá escutando né! Então leva
o dinheiro no bar verde da Zé Bonifácio. Deixa tudo lá com a
Maiara, não fala o que é não! Aquilo é mais bandida que nóis! Tá
me entendendo? Até meio-dia! Tá combinado? Eva ficou temeu, nunca
se sabe, e esse bandido sabe o telefone de minha casa...
-
Ô mano! Que combinado que nada! Pensa que sou boba é! Meu filho tá
em Buriti...
-
Tá em Buritizal, Sebá, tomando banho de cachoeira nas furnas!
22 de nov. de 2011
Antônio Niterói. Calor. I.
Metido
dentro de uma camiseta regata que há tempos deixou de ser branca,
encharcada de suor, e mais nada, Antônio Niterói, tenta diminuir o
calor que sente, voltando a dormir com os pés para os pés da cama,
afasta as pernas, abre os braços, que a barba cerrada, por fazer,
magoava. Decifra o vai e vem do ventilador pelas ondas de ar quente
que espalha, vindo de alguma combustão; lhe vem em meio aquele
torpor a publicidade logo à entrada da pensão familiar, que Sebá
mandou fazer: “bota ai moço, no cartaz” - ar climatizado - e
Antônio Niterói, sem mais poder, sorriu para a câmara imaginária
que se fechava em seus lábios, não farei desse pinico o meu elmo,
se desfez da toalha molhada que antes lhe cobria o tronco para se
refrescar, já quase seca, ainda pego um resfriado e como sou
azarado ela logo vira pneumonia. Espera que o cansaço ou o torpor
ou ambos o façam adormecer para que lhe ocorra em sonhos uma
saída.
De
tanto girar na cama, como um catavento, Antônio Niterói dorme
profundamente. Sonha. Gesticula mantem larga discussão, pessoas
próximas dele, pois parece haver entendimento, nos seus sinais.
Repete alguma vez a palavra sossego, guturalmente. As pupilas se
movem por debaixo das pálpebras. Por fim a calmaria. Um ronco, e
engole a última ostra, lambe-se os lábios. Sossego diz numa
ventriloquia. Assossegado, ele dorme profundamente.
Um raio
do sol nascente penetra através da colcha vermelha, que faz de
cortina da grande janela, que dá para a esquina da José Bonifácio
e Antônio Niterói desperta. De um salto vai para o banho. Pé
direito alto, janela imensa com plásticos substituindo vitrais,
dando ao pátio interno. Da ducha, faz seu o purgatório,
demora-se, amolece a barba, barbeia-se. Ainda se compraz por ter
esse quarto de banho tão amplo. Onde viveu, casado, sendo de
estatura mediana batia com as mãos no teto, no chuveiro, derrubava o
xampu da cestinha de inox instalada no canto do box, com a toalha ao
passá-la das costas para o peito. Compenetrado nessas delicias da
amplidão se vestiu e passou voando por Sebá,
- Nem café homem!
Nem café, nem papaia, cigarro. Salta degraus. Está na calçada, o
sol já sua, as motos, à venda, já invadiram o meio-fio. Antônio
Niterói está decidido, tem rumo, tem direção, mas antes de
alcançar a Saldanha Marinho, vacila, o sentido lhe escapa, para
onde? Olha para trás e
como quem procura dinheiro em bolsos vazios, vasculha a memória, vem
e não vem, então lhe ocorre, que o último sonho era a solução do
primeiro. Dobra-se e bota as mãos nos joelhos como um fundista
depois da fita.
Quando volta a
hospedaria, na cozinha à mesa com Sebá, lhe explica a anedota.
- Você virou detetive
até em sonho. Mas qual o problema do primeiro e a solução no
segundo sonho? Perguntou
Sebá. Antônio Niterói que tomava café e soltava argolinhas de
fumaça, que se confundiam com as partículas suspensas, que
refletiam os raios de sol, assim continuou, com um vago sorriso
somado, Sebá abria o A Cidade e lhe mostrava o caso do rapaz
desaparecido.
21 de nov. de 2011
Sesta.
Meu avô, imigrante
espanhol, subiu a Serra do Mar ouvindo mares de uma concha vazia,
trabalhou nos cafezais da região, fez tantos filhos quanto aguentou
dona Vicentina. As famílias eram de alguma forma, a pior, uma
empresa. Deixou a “colonia” com uma mão atrás a outra
segurando aquela, cabisbaixo virou tomateiro, e com ele, todos, nós
da família. No verão constrangidos, afogados, engasgados pela
rareza dos ventos de viração, - bochorno dizia o galego – e
alguém gritava “hora da boia” e dormíamos depois do almoço à
sombra ou nichos dela, donde fosse, esticados na sua profundeza virgem
e fresca, um tipo de morte ressuscitável.
Aqueles dias, faz mais de
trinta anos. Era menino, por tanto, fiz muita coisa secreta e
diabólica, mas como era católico, purguei tudo com avemarias e
padrenossos respectivos, sem nunca ter rezado o credo. Este deve ter
sido inventado para cristãos novos. Depois fui trabalhar em
Ribeirão, era office boy. Ia e voltava de Benelli em menos tempo que
hoje, e incrível que possa parecer, a estrada melhorou, os ônibus
melhoraram, a distância é a mesma, mas tardo mais.
A ideia de ir trabalhar
a Ribeirão não foi minha, era tempo de criança não expor ideias,
não me importando hoje de quem a teve, era para se ter uma vida
melhor, menos pó no sapato, menos sol na cabeça, mais asfalto,
datilografias em vez da enxada, dita caneta, duplicatas, ampliar
horizontes e banir as sombras e o “papo pro ar” nas horas
sagradas do descanso. Tudo quanto sacralizávamos o cigarro de palha,
o caldeirão de comida, embaixo feijão depois arroz, um ovo frito e
um naco de porco da conserva perdeu seu espaço. Andei terra, cruzei
mar e não vi e não vejo como obter melhores sonos e sonhos, que às
sombras de tamarindeiros, laranjeiras, mangueiras, ingazeiras e a
moringa de água fresca e o “ Acorda, vamos agarrar! ”
20 de nov. de 2011
O Perfume do livro.
Nada se perde, tudo se
transforma, evapora, esfarela, desmancha, perverte, menos o cheiro.
Tinha um amigo, quer dizer ele não morreu, o homem está lá. O que
cresceu e se tornou um biombo intransponível, nossas diferenças.
As diferenças sempre existiram, mas não tinham a estatura das
compatibilidades. Enfim, coisa que lembro do amigo é que
apreciava o cheiro dos livros, assim que o tinha entre mãos, o abria
e o cheirava, fosse novo ou velho, e o fazia com tamanho entusiasmo
que provocou em mim o mesmo hábito, hábito que perdura em mim como
louro de uma velha amizade, e o cheiro, sim o cheiro de um tempo, de
um rapaz abrindo um livro novo, querendo cheirar as palavras...
perguntando pela sua essência.
Quando menino ao livro
novo acabado de comprar, arrancado de entre os de sua espécie
exalando o cheiro do tempo feito de papel e tinta, acrescentava o
cheiro do plástico com o qual o forrava para que sobrevivesse até
o fim do curso. Outro cheiro do tempo é feito de pó do livro velho, que resgato do esquecimento, em um sebo, talvez resgato uma voz, que
quer dizer coisas e estava calada.
Tudo é. Aromas.
Olores. É a alma dos sólidos. Todos nos pertencem por depender de nossa memória. O perfume
do café flutuando pela cozinha, ocupando a sala, é uma conquista
pessoal, inconsciente, única e presente, mas desde já com ares de
passado...
É possível que ao
buscar pelo perfume das coisas desconhecidas, me depare com odores
insuportáveis, mas é risco que prefiro a um mundo inodoro...
continuo a cheirar os livros.
18 de nov. de 2011
Quando a música começa.
Trilha sonora de uma vida que não é a minha.
Tengo Miedo acabou
sendo poeta, mas de igual maneira poderia haver triunfado como
pianista. Desde jovem o solfejo o atraia tanto quanto as redondilhas.
Publicou no jornal A Cidade no caderno de Resenhas de Concertos com
critério e sensibilidade.
Uns quantos de seus
compositores preferidos ( Handel, Zequinha de Abreu, Couperin,
Villa-Lobos, Mozart e Pixinguinha) e instrumentos como a arpa, o
alaúde ou a requinta aparecem nos seus poemas – em títulos como
“Soireé” na Praça XV ou Serenata no Coreto - clara alusão à
praça 7 de Setembro, Serenata de Câmara - onde há uma
concentração quase barroca de metáforas musicais. Sem dúvida, a
mais inspirada, a joia, a que equipara a morte ao silêncio : “
quando a música começa”.
Me despedi de seu
irmão mais moço, Deoclécio, com o silêncio de chumbo que se
seguiu ao Tico Tico no Fubá. Teria também me agradado se tocassem
Trenzinho Caipira durante o funeral ou alguma balada de Edith Piaff
ou Ray Charles ainda Trio los Panchos, que foram as vozes entre
tantas de alguns dos chansonniers que amenizaram os anos centrais de
sua vida no exílio, primeiro em Santa Cruz de la Sierra depois La
Paz, por fim Barrinha mas antes Jardinópolis. Podia ser alguma
melodia, alguma zabumba e um sininho que o fizeram alguma vez dançar
com Raimunda, que já o espera a tempos.
Faz uma semana ou
menos, recebi um telefonema de Deoclécio. Ele me dizia que lendo as
minhas postagens na rede, deduziu que a música não era minha
paixão, tara, e que havia uma lacuna no meu passado musical,
justamente, por não haver sido dono de uma qualquer discoteca.
Consenti. Então me ofereceu a coleção de discos, que Tengo Miedo
foi acumulando ao longo dos anos e que não poderia levá-la para
seu apartamento, onde sua mulher disse que não cabia, pois a
decoração era prenhe de um outro conceito, mais moderno. Novo
conceito. Pardelhas! Disse e aceitei, também pela honra de ele
haver pensado em mim – inda pareceu inadequado recusar - e
curiosidade, nem tanto para meter a agulha, de meu velho toca
disco Gradient sobre o surco espiralado do bolachão.
Ainda pensava aonde
guardar tamanho tesouro, quando ouvi que batiam palmas, era Deo com
centenas de long plays amarrados entre tiras de pano, outras
centenas na mala de couro, cheia, de não poder fechar o zíper
completamente. Pensei em passar alguns para CD, em montar o toca
discos, encher o pen drive...
Resta mesmo é a
curiosidade de descobrir que música, Tengo Miedo, ouvia para
acompanhá-lo nas horas de leitura, por exemplo; quando se trancava
no escritório a pensar em redondilhas, em Raimunda. Agora tenho em
casa a trilha sonora de uma vida, que não é a minha. Clássica,
ópera, bastante jazz, crooners como Sinatra e Nat King Cole. Ray
Charles todos. Trio Los Panchos, Índios Tabajaras coisas do exílio
paraguaio. A “chanson” francesa representada por Edith Piaf e
uma pequena joia, um álbum duplo de Rina Ketty, J´attendrai que
por certo Tengo Miedo ouvia enquanto lia pela milionésima vez os
versos de Fernando Pessoa: A Tabacaria.
17 de nov. de 2011
A árvore da vida. The Tree of Life.
Sabemos de Gênesis:
...Eis
que o homem é como um de nós, sabendo o bem e o mal; ora, para que
não estenda a sua mão, e tome também da árvore da vida, e coma e
viva eternamente...
Sabemos que no judaísmo
a “árvore da vida” é um dos mais importantes símbolos
cabalísticos.
Sabemos que houve um filme com os jovens Montgomery Cliff e Liz Taylor com o mesmo nome em português, mas Raintree County, originalmente. Por hora.
No filme The Tree of
Life de Terence Mallick , a cinética do claro escuro, remonta
Glauber Rocha, a câmara intrometida buscando a "ânima" das "personas",
mas um Glauber palatável. A interpretação tem muito de José Celso
Martinez, seu teatro degustador de pequenos prazeres cotidianos ao
alcance dos cinco sentidos, com uma vontade louca que transcenda,
isto é, exceder em importância: deixar-se molhar pelo chuveirinho
de regar grama. As mãos que se palmeiam tendo por superfície de
contato o cristal da guilhotina de uma janela. Mas o final é puro
José Celso Martinez. De alguma maneira, maneirismo, ou afetação,
mas isso é muito forte e não vem ao caso.
Há instantes de MMV
movie maker video, e talvez por isso suportei tais trechos, afinal
todos fizemos algo no mmv, com imagens grandiloquentes com óperas,
músicas clássicas como trilha sonora. Havendo um senão, que é uma
escolha intensamente sacra, religiosa. Levo em conta que a maioria
das músicas o são, religiosas, mas o paganismo é também uma
religião, no filme sua música referencial está esclusa. Resta o
ruido, um ruido que também é auto referencia cinematográfica,
posto que jamais ouvimos o ruido do cosmo, o ruido (trilha sonora em
Arvore da vida) quer nos dizer que é um pulsar cósmico e
assustador.
Do país da Auto Ajuda,
é natural que estejam presentes essas técnicas e inoculadas na família retratada, sem exageros.
Assim podemos ver o pai levar serenamente seu filho “bem pegado
pelo braço, sente-se a pressão da mão de O´Brien (Brad Pitt) no
braço do filho – como dizemos: (Hunter McCracken) o Jack garoto
trabalha para caráleo - “ a questão aqui não é apertar o braço
do filho, pois a serenidade é que é eloquente, ainda que bruta, mas
serena, e esta só é alcançada com a posse da certeza, não uma
certeza qualquer, mas a certeza absoluta de que a razão está com
ele, certeza que por sinal soe ruir, quase que sem exceção, na vida
real.
O núcleo familiar é
tão real que incomoda, espelha, emociona até o oitavo círculo dos
infernos familiares. Mallick não comete nem um pecado. já que tão
religioso, poderia. Não há defeitos em mostrar, encenar uma
“realidade” de maneira tão real e apavorante, mas faz promessas,
missionariamente, se intencional ou fruto do inconsciente, não
importa: Terence Mallick não informa dela, mas como toda apologia,
ou toda indicação de melhor caminho, beira o charlatanismo. Mas
pela ingenuidade das soluções, tomo-as como referências de uma
obra fechada dentro dela mesma, que se auto remete, ainda que em
possíveis e determinados círculos possa ser tomada como apodítica.
Em determinado instante a câmara
abandona o celeste, e se mundaniza, para dar uma visão de mundo do
autor “Weltanschauung”, então ela sai\vai em\de cima, de dentro da (Jessica
Chastain) Senhora O´Brien a tomada oprime, a música sacraliza a
opressão divina, em troca de algo, que não sabemos pois é só o começo e vamos até
o fim, ainda que seja para "tomar pé" (raso) do filme, que é auto referente, se
diz de si, é mais uma gota nesse oceano de misticismos e obscurantismos de nossos dias.
E Brad Pitt diz ao
filho em instantes de autoajuda.
- Controle teu próprio
destino e acrescenta:
- Não podes dizer: Não
posso, e prossegue: Me está custando, mas ainda não acabei, e
soma: Não diga não posso.
Sean Penn é Jack
adulto arquiteto, recorda de Jack (menino) com raiva de deus, do
próprio pai, diz: Porque nosso pai nos faz mal.
Terence chega a
descobrir da irracionalidade da vida, sem tangenciar sequer a
natureza humana. Talvez queira nos dizer, via problemas de
O´Brien, mais que amemo-nos como vos amei, e insinuar o “fim”do
capitalismo?
Talvez nos diga que o abandonemos, mas não creio nessa
superficialidade com cara de lobo ingenuo que de seguida deposita
nas mãos da esperança a própria esperança. Deus. O retorno a
teologia do medievo, como esperança.
Superficialmente em linguajar esquerda leninista: um
filme ideologizante e feito sob encomenda, por quem não sei, ou uma bula autoajudista, para a tomada de
consciência da catástrofe que se avizinha, e nada melhor que
amemo-nos uns aos outros, mas não tão irracionalmente como
naturalmente nos temos amado, ou seja extirpando o ódio, a competição, o amor (propriedade, posse) não tem nada a ver com os problemas de desamor do homem!
Um grande filme,
oferece resistência e tem a matéria plástica da arte que é a
intuitividade do artista.
Muita coisa não se
explica no filme, porque nem em tomos e tomos de pensadores e
defensores reais de tal pensamento ou ideologia, ao longo de séculos, tampouco conseguiram se
sustentar, mas enfim, dado que o materialismo-histórico-dialéctico
parece banido do planeta, é o que se tem.
15 de nov. de 2011
Rio, Rocinha é mistura azeotrópica.
Um dia de Bar Bye
conheci uma garota carioca. Na época vivia a famosa, “hoje”,
politica do “possível”. Explico. Eram duas garotas. Uma ruiva,
ribeirão pretana e sua amiga carioca. A carioca era visita, ulula.
A ribeirão pretana era o must. A carioca era gordinha. Ninguém era
feio, éramos jovens, para que ninguém se ofenda. Mas havia os
bonitos. Me candidatei à ruiva, encantei a carioca, com quem fui ao
Rio pela primeira vez. Havia um problema qualquer na família dela
que não vem ao caso, mas, ela, muito jovem tinha, só para ela, um
Apê na Visconde de Pirajá, duas quadras do Posto 9. Ela tinha
com a mãe lojas num Shopping, que não me dei à faina de ir
conhecer, pois ela me disse que era chato, o local, e que tinha
coisas para resolver, e que eu me “virasse” até nove da noite,
quando então chegaria. Era semana anterior ao carnaval de 1982.
Semana que saem os blocos: Simpatia quase amor, Banda de Ipanema,
Suvaco do Cristo etc. De manhã, sem ser madrugada dava praia, meio
da tarde e tarde: blocos, bar Bofetada ( antes que toda a Farme de
Amoedo, e particularmente o Bofetada, fosse invadido pelo “mundo
sarado mundial”). Posto o clima, o tempo histórico a geografia,
conto que:
Num dia vadio, qual
havia saído do Apto depois de voierizar pela janela do apartamento
do edifício ao lado uma “transa sexual”, fui ao Posto Nove dar
um mergulho, com minhas pernas brancas, meus braços e pescoço
negros do sol da então capital do café, um calção preto, justo,
como os dos jogadores da Seleção de Tele Santana, lembram como eram
“curtinhos” os shorts, fiz amizade: primeiro com um cara que
vendia camarãozinho no espeto e gritava: é da maínha! ( em 2005
soube de sua morte), depois fiz amizade com três “coroas” eu
tinha 23 Elza 30, Ana 35 e Adalgisa 45 tudo mais ou menos, mulher só
com C 14, eram funcionárias públicas em Brasília, usufruindo do
recesso parlamentar e cariocas da gema. Saímos do posto Nove para o
Bofetada.
- Oh paulista!
Temos que ir antes que o Bofetada não tenha mais lugar. Diziam. No
bofetada ocupamos uma mesa de calçada. A calçada ali na Farme é
larga, a mesa se estendeu, na maioria novos conhecidos, até a
sarjeta, e cantávamos...
“ Bum Bum Paticumbum prugurundum....”
Quando a Cris chegou,
primeiro sentou na minha perna, mas logo encontrou-se uma cadeira e a
festa continuava, eu adiei alguma conquista, pode ser, um utensilio
qualquer, mas a praia era toda minha, pensava.
Um garoto. Filho de
Bidin. Filho do Bidin. Du Bidin. Dez anos! Pode ser! Se aconchegou à
Cris. Ela o acarinhou. Deu inclusive ordens e me apresentou. Ele
definitivamente não gostou de mim. Depois veio seu pai e outros
habitantes de algum morro que não me recorda. Tudo foi tratado,
algo me inteirei, não por inteiro, por suposto, fomos quase toda a
mesa para o apartamento da Cris. Eu queria voltar para o Bofetada,
pois já não era centro de nada, e via minha praia, gordinha, a dar
narizadas. Era muito neura, e o mais importante era a racionalidade,
ainda que neurótica, e com o pó perdia esses pressupostos, ou
melhor dito, todos os pressupostos que eram: Cris, o posto Nove de
manhã, o Bofetada a tarde e o carnaval. Mas descobri que era bacana
também quando esnifava, tinha conteúdo e um humor cítrico. Passado
o medo de perder minha praia e descemos novamente ao Bofetada, Du
Bidin me recebeu com pedras na mão. Pagou-se chopes ao povo do pó e
mais alguma coisa devida... No dia seguinte no posto Nove, nos
pusemos todos ao lado de onde havia hasteada uma bandeira do PT,
comprei uma estrelinha para o meu calção curto, bebemos e tomamos
sol, minhas pernas estavam vermelhas e conheci Bidin o pai. Du Bidin
e eu construímos um castelo de areia, que ele chutou para acompanhar
seu pai que ia de mãos dadas com Cris. Mais tarde aceitei o convite
de Elza de me mudar até quarta-feira de cinzas para Copacabana. Elza
e eu compramos na manhã seguinte, no mesmo Posto 9 uma fantasia,
amarelo canário, da São Clemente, então escola da segunda divisão,
que usei na madrugada na Marquês de Sapucaí e Bidin apareceu para
municiar o pessoal e a Cris me perguntou para que eu havia deixado
Ipanema. É o Rio onde o bem e o mal se resolvem e se complicam nas
areias da zona Sul, no mesmo ponto de ebulição.
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