27 de dez. de 2011

Antônio Niterói retorna ao começo da História.



Maiara sugeriu que Antônio Niterói subisse para o cafofo. Mas sua embriaguez e o Senhor e o Escravo o impediam de mover-se, pediu mais uma garrafa de Sidra, a chacoalhou e com a cabeça do mata-piolho em alavanca, ajudou que a rolha de plástico voasse como uma nave espacial. Estava lá , em nenhuma geografia, por isso, algures não serve, invisível ou transparente, a ver que uma das consciências desejantes se subordinasse ao outro desejo. Entenda, deixou anotado Antônio Niterói, ainda não há história, nada aconteceu, só a submissão. Mas tempo veio, que o desejo reconhecido como superior, impõe ao desejante de desejo medrado pela morte trabalhe para ele. O desejo subordinado, trabalha, produz e leva perante ao outro o produto que tanto necessita o desejo que o submete. A este Antônio Niterói chamou-lhe: Senhor, àquele Escravo. O Escravo seguiu fazendo o que mandava o Senhor. O Senhor queria maçã, o Escravo trazia maçã. Esta cena fez com que Antônio Niterói recordasse o filme A Comilança, aonde Ferrer (o diretor) claramente tenta passar essa ideia, tipica dos anos sessenta, aonde a burguesia comeria até morrer, e os proletários a trazerem-lhe a comida. Ferrer se enganou, a burguesia não morreu e continua comendo, ao passo que o proletariado ainda morre de fome. Voltemos ao princípio. Antônio Niterói com sua argúcia de detetive da escola Materialista-dialética-histórica, percebe que o Escravo ao trabalhar a matéria, só por este motivo, Antônio Niterói explica o materialismo, não quer dizer apego aos bens materiais, sim, trabalhar com a matéria, pois o Escravo seguiu trabalhando com a Matéria, transformando-a, estetizando-a, fazendo por fim cultura, e com a cultura criando liberdade, é louco, anotou, isso pode explicar o surgimento de muitos pratos típicos, darem-se justamente aonde a escassez abunda, a arte, note que a arte grega clássica é superior ao modo de vida grego da época da arte grega clássica, por isso Machado de Assis é superior a João Ubaldo Ribeiro, já estou viajando, vou aproveitar e deixar anotado uma reflexão livre sobre o amor sob o prisma dessa dialética do Senhor e do Escravo, percebam o quanto é comum que quem mais ama mais se subordina, e que aquele que menos ama: submete, eu vou mais longe que Sartre em o Ser e o Nada, digo que aquele que mais ama, na verdade sente mais o medo da morte, e se transforma num escravo do outro, e como tal trabalha a matéria do amor, que é o medo da morte, não sendo incomum, amor e morte andarem tão próximos. Antônio Niterói vê, o criador da cultura, criá-la alisando as arestas das pedras, e a rolha de plástico que havia batido nos dois lados do canto da parede acaba por retornar na sua testa e ele desperta. O bar está fechado, e Antônio Niterói sabe que Maiara o espera com suas formas redondas apontadas para ele, quentes e úmidas. Ele sobe as escadas rangentes, as formas redondas se mexem e a cama também range.

2 comentários:

Nazaré disse...

Um gnocchi foi quem primeiro me trouxe pra cá. Mas a vida tem coisas estranhas, Cidão... Pois, então, veja com o que eu tenho andado às voltas nesses últimos três ou quatro dias:

"A expropriação da fantasia no âmbito da experiência lança, porém, uma sombra sobre essa última. Esta sombra é o desejo, ou seja, a idéia de uma inapropriabilidade e inexauribilidade da experiência. Pois, segundo uma intuição já operante na psicologia clássica, e que será completamente desenvolvida pela cultura medieval, fantasia e desejo são estreitamente conexos [...]
De fato, a ablação da fantasia da esfera da experiência cinde aquilo que Eros (como filho de Poros e de Penia) reunia em si, em desejo (ligado á fantasia, insaciável, incomensurável) e necessidade (ligado à realidade corpórea, mensurável e teoricamente satisfazível), de modo que estes não podem jamais coincidir no mesmo objeto [...]
Que a cisão entre desejo e necessidade, sobre a qual tanto se discute hoje, não seja algo que possa ser reconciliado com boa vontade, e tanto menos um nó que uma práxis política cada vez mais cega possa acreditar cortar com um gesto, a situação do desejo na Fenomenologia do Espírito (e o que Lacan, com a habitual agudeza, soube extrair como objet a e como désir de l'Autre) deveria mostrar com clareza. Posto que, em Hegel, o desejo (que surge, significativamente, como o primeiro momento da autoconsciência) pode somente procurar negar o próprio objeto, mas jamais se satisfazer com ele [...]'. Para que a supressão exista, também o outro deve existir. A consciência de si não pode, portanto, suprimir o objeto através de sua relação negativa com este; deste modo, antes o reproduz, assim como reproduz o desejo'.
Este gozo que, em Sade, tornou-se possível com a perversão, em Hegel é operado pelo servo, que medeia o gozo do patrão. 'O patrão refere-se à coisa através da mediação do escravo; o escravo, como consciência de si em geral, comporta-se negativamente em relação à coisa e a suprime; mas esta, ao mesmo tempo, permanece para ele independente e ele não pode resolvê-la e aniquilá-la com seu ato de negação: o escravo a transforma, portanto, somente com o seu trabalho. Inversamente, graças a esta mediação, a relação imediata torna-se, para o patrão, a pura negação desta mesma coisa, ou seja o gozo; o que não foi realizado pelo desejo, agora é realizado pelo gozo do patrão: dar fim à coisa: a satisfação no gozo. [...]'
A pergunta que o homem de Sade continua a fazer, através do fragor de uma máquina dialética que remete a resposta indefinidamente ao processo global, é, então, precisamente: 'Onde está o gozo do escravo? E como é possível fazer novamente coincidir as duas metades cindidas de Eros?'" (GIORGIO AGAMBEN, "INFÂNCIA E HISTÓRIA: DESTRUIÇÃO DA EXPERIÊNCIA E ORIGEM DA HISTÓRIA", Editora UFMG)

[Vale lembrar que Eros é filho de Poros - deus da abundância - e de Penia - deusa da pobreza]

Antônio Niterói é um cara interessante...

cidoGalvao disse...

Nazaré, Antônio Niterói, deve pensar que o homem cindido, carrega a cisão e o gozo. Dai que as cisões só podem coincidir com novas cisões e assim sucessivamente enquanto houver homem, que é razão, história|homem História|realidade e homem|história|realidade|razão cada qual sendo e se fazendo, como um seixo no fundo do rio.