No palco, Camila
Dunlop andava de um lado para o outro, soltando fogos pelas ventas, há nada mais que uma tarde e um princípio de noite da estreia, e para ela, a
personagem desnecessária do policial não estava de todo no seu agrado, sempre que
olhava para o fundo do cenário, lá estava ele a incomodá-la,
quando deveria ser um vaso sobre uma mesa, era um barômetro sobre um
piano. Perguntava de si para si, qual seria a loucura do diretor em
exigir o policial, lhe era inacessível o entendimento e o melhor a
fazer era relaxar, tentando passar-se incognitamente, na cidade que nascera disfarçada embaixo de um lenço escuro e cabisbaixa, saiu rumo a praça Sete, que há tempos fora o
coração pulsante da noite ribeirão pretana. Antônio Niterói
ocupava a mesa do Dr. Sócrates, quando Sócrates bebia, e bebia no
Empório Brasília. Antônio Niterói e Camila Dunlop, um dia fizeram
amor, loucamente, há anos que não se viam. Cada um para um lado.
Antônio Niterói, com seu lado apagado, em exposição, era o
próprio disco de Odin em comparação a Camila Dunlop, um ser para
ser todo visível e de todos os lados iluminada. Meu deus! quanto
tempo! Pois é! quanto tempo! Ah Nit estou um trapo, eu sou um, você
está bem, e você mais moça, desde aquele ob ridículo, nem
lembrava, muita coisa passou e passei, casou?
Casei! Descasou ?
Descasei! Me diga uma coisa Nit, tá com pressa, tô, toma
umazinha, não tenho tempo tenho que ir, ainda procuro um policial,
policial policial? Sim policial,
policial ator? só policial, tipo boa praça, não precisa ser
boa pinta, conheço uns camaradas no corpo, para que quer
?
É para fazer o papel de policial, daqueles hollywoodianos, sim,
aqueles que giram o cassetete?
sim e caminham para um lado e outro, sim isso, isso mesmo, pode ser
gordinho ? Pode! Pode!
Você continua gracioso! Para quando? Hoje à noite. Hoje? Hoje!
Antônio Niterói, nem me lembrava mais do ob e ligou imediatamente.
E ai Clemente? Que manda Niterror? Quer fazer uma ponta numa peça de
teatro? Quê que eu levo? Trabalhar com a Camila! Pitanga? Não!
Dunlop! É boa? Pneu, cê quer ou não quer? Quê que eu levo? Porra
Clemente! Só pensa em dinheiro! Deixa de ser leviano Niterror, cê
também é assim, não é! E ai Camila! sai algum para o policial?
Poxa Nit, e o amor a arte, aparecer no Teatro Pedro II, dou uns
ingressos para a família dele, tá bem? Cê ouviu Clemente?
Reconheci a voz, é ela mesmo? Claro! Eu vou de graça! Manda um
ingresso pra dona da pensão e tá certo! E o ensaio? E ai Camila,
ensaio! Não tem ensaio, vai direto, ele nem precisa abrir a boca.
Certo? Certo! Certo ouvi tudo pensa que sou burro, porra! Né isso
não Clemente! Eu sei o que é! Tudo combinado e Camila Dunlop não
quis ficar para uma cerveja. A Antônio Niterói restou-lhe um par de
ingressos, e passar mão pelo rosto, que não tinha mais aquela pele
triunfante de quando conhecera a estudante de artes cênicas, mas que
tinha ao menos uma vantagem que era a de barbear-se sem o cuidado
de olhar-se no espelho, uma vez ainda lisa, mas já calejada, pelos
incontáveis se afeitar, nunca mais se cortou. Sorriu; sorria sempre
para uma câmera imaginável, na vigília ou no bar, donde fosse,
fazendo uma tomada bem fechada no ancacondo sorriso; por ainda não
haver passado pelo que costumava dizer ser a eclusa dos sessenta,
onde só cabe os que seguirão a envelhecer. Ficou mais a olhar para
a cerveja que a bebê-la, e quando Naiara chegou, chegou também a
desculpa para não seguir com ela toda aquela noite, o Teatro, que
Naiara, pensava ele, recusaria. Não recusou.
Continua...
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