Nada se perde, tudo se
transforma, evapora, esfarela, desmancha, perverte, menos o cheiro.
Tinha um amigo, quer dizer ele não morreu, o homem está lá. O que
cresceu e se tornou um biombo intransponível, nossas diferenças.
As diferenças sempre existiram, mas não tinham a estatura das
compatibilidades. Enfim, coisa que lembro do amigo é que
apreciava o cheiro dos livros, assim que o tinha entre mãos, o abria
e o cheirava, fosse novo ou velho, e o fazia com tamanho entusiasmo
que provocou em mim o mesmo hábito, hábito que perdura em mim como
louro de uma velha amizade, e o cheiro, sim o cheiro de um tempo, de
um rapaz abrindo um livro novo, querendo cheirar as palavras...
perguntando pela sua essência.
Quando menino ao livro
novo acabado de comprar, arrancado de entre os de sua espécie
exalando o cheiro do tempo feito de papel e tinta, acrescentava o
cheiro do plástico com o qual o forrava para que sobrevivesse até
o fim do curso. Outro cheiro do tempo é feito de pó do livro velho, que resgato do esquecimento, em um sebo, talvez resgato uma voz, que
quer dizer coisas e estava calada.
Tudo é. Aromas.
Olores. É a alma dos sólidos. Todos nos pertencem por depender de nossa memória. O perfume
do café flutuando pela cozinha, ocupando a sala, é uma conquista
pessoal, inconsciente, única e presente, mas desde já com ares de
passado...
É possível que ao
buscar pelo perfume das coisas desconhecidas, me depare com odores
insuportáveis, mas é risco que prefiro a um mundo inodoro...
continuo a cheirar os livros.
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