12 de out. de 2011

Uma fogueira para Joana.




Esta é uma história verdadeira, que toma emprestados os nomes às personagens fictícias da vida real para as personagens verdadeiras do mundo ficcional.


Conheci Joana - ambos, sob forte influência de Cyrano de Bergerac, peça encenada no teatro Cultura Artística, eu pela atribulada vida do protagonista, ela por Antônio Fagundes – quando voltávamos da capital na calda do Cometa. Joana voltava, pois havia se deslocado a São Paulo movida por Fagundes na peça e eu por não haver sido bem recebido pelo pai de Luíza e sem dinheiro para hotel, Luíza me meteu no metropolitano com destino, primeiro rodoviária paulistana depois, Anhanguera Ribeirão. Não era a primeira peça que víamos, Luíza, tentava passar um verniz naquilo que, eu, era. Tentava dar uma melhorada, naquele poço de intuitividade bruta, mal parida. Nada que outras mulheres uma depois da outra, cada qual com os destroços da anterior, não tenha tentado, uma guaribada. A última tentativa foi de Sandra, que me deixou sublime, e daí pra diante não consegui ninguém para me retocar. Ousaria dizer que elas não sabem apreciar o sublime, por não ulular, mas choram por escatologias outras. Então quando ainda não era esse ser abestado, viajei de São Paulo a Ribeirão Preto, que se diga, rejeitado pelo possível sogro, para não dizer escorraçado, tocando coxas com Joana. Joana era feia. É feia. Feiura que havia feito se notar à luz que amarelejava o seu rosto no escuro do ônibus. Nada que não fosse contornável naquele momento. Havia toda uma sorte de táticas, uma delas era justamente ir encostando, pois o corpo não sabe mentir, ou dizer: não. “ Espera ai, meu amigo!” disse ela. E eu passei minha mão de sua coxa para a minha. Surpreendido naquela escaramuça, não soube, pois não o havia pensado, o que dizer. Dai que repeti o movimento bovino, por excerto do todo e dominar essa linguagem, que Luíza esforçava em aniquilar. Quer dizer, olhei para Joana com cara de pidão, apontando-lhe o nariz e os grossos lábios, também eles bovinos. Joana de posse da situação acrescentou “ Você acha que depois de ver aquele apolo da dramaturgia brasileira, por duas horas ininterruptas, iria deixar, vo-cê – silabando – fuçar na minha... ora, meu amigo, vê se te enxerga!”. Concordei com ela quanto a beleza de Fagundes, a estrepolia da peça, e antes de Pirassununga ela tomou minha mão, como quem pega um rato em pontas de dedos pelos pelos e a atirou para cima de mim mesmo. Pensei, caralho, em que espelho essa mulher se vê. E como era mesmo um idiota me sai com esta: “poderia me mostrar o espelhinho que leva na bolsa?”.“Idiota” disse Joana. “Sabe!” acrescentei “ Poderíamos criar uma fábrica desse espelho e ficaríamos ricos, além de aniquilarmos com a psicanalise”. Quando o Cometa encostou em Pirassununga, Joana comeu uma coxa de galinha do tamanho de uma coxa de peru, o osso que servia como pegador, era igual ao de Pedrita dos Flintstone. O outro trecho da estrada dormi como uma pedra, e acordei quando o Cometa circundava o campo do Bafo, e Joana dormia também, babando no meu peito. A partir disso, montamos nossa fábrica de espelhinhos, e nos esquecemos, como amores. Levamos uma vida quase paralela, eu fabrico ela vende espelhos embelezadores. Mas Joana não confia no espelho, e gastou a maior parte do que ganhou fazendo cirurgias plásticas, umas caríssimas, com renomados cirurgiões.

Joana está muito mais feia. Juntaram-se os erros de simetria divinos e cirúrgicos. Eu me mantive, feio, natural, como se isso fosse melhor, e creio que é, pois Joana, outro dia me disse: que haví-a-mos – daquele jeito, silabando – perdido muito tempo. Eu a queimei em minha fogueira.

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