Sigo fuçando nas
entranhas cibernéticas de Tengo Miedo. É uma autopsia para lá de
pós-moderna, é virtual. Os crimes antigos, crimes literários, quer
dizer, crimes de literatura o morto sempre estava de bruços sobre
uma poça de sangue, ou segurando um copo de veneno, ou ainda
tentando desenhar no próprio sangue derramado o nome do criminoso.
Encontrei Tengo Miedo, morto, com a cabeça sobre o teclado e com
as meninas dos olhos na direção da tela. Se havia algo estampado
nela, no momento de sua morte, desapareceu. Tentei recuperar essa
coisa possível, pelos métodos que conheço, clicando estes pequenos
botões de recuperação etc. Não deu em nada. Levei o PC ao Joe
hacker, nosso colaborador, que me mostrou os caminhos de arquivos
secretos que Tengo Miedo mantinha. Joe no entanto não conseguiu
rastrear a última tela. Assim que persigo com perplexidade algo que
pode me dizer da labuta de Tengo Miedo. Vou dar-lhes um exemplo, no
Arquivo Anotaçoes\isomorfismo encontrei isso: Trubetzkoy, com sua
lógica imaculada, argumenta: Se alguém conta uma caçada e para
avivar a narração imita um grito de animal ou qualquer outro ruído
da natureza, deverá, nessa altura, interromper a narração, pois o
som natural imitado é um corpo estranho que se acha fora do discurso
representativo normal” Alfreto Bosi.
Depois logo abaixo:
Matéria para reflexão.
O simbolismo orgânico
acredita que os signos\palavras escritas que evoquem objetos
igualmente fechados e escuros, e por analogia, sentimentos de
angústia e experiências negativas tais como doenças, sujidade,
tristeza e a morte devem conter uma vogal grave, fechada, velar e
posterior, como é o caso do \u\ :Então segue-se uma série de palavras que contêm a vogal \u\ na silaba principal, tônica.
Campo semântico da
obscuridade material e ou espiritual: bruma, bruno, gruta, lúrido,
cafuzo, crepúsculo, dilúculo, dúbio, escuro, escuso, fundo,
fundura, furna, fusco, negrume, negrura, noturno, núbilo, penumbra,
profundo, túnel, túrbido, turvo.
Campo semântico do
fechamento: anteriores (furna, gruta, túnel) mais: aljube, apertura,
baiúca, brusco, enfarruscado, buque, cafua, cafurna, canelura,
canudo, caramujo, casulo, cissura, conduto, cuba (Bras Cubas: cubas
de bosta) cumbuca, curro, espelunca, furda, juntura, lura, obtuso,
ocluso, oculto, recluso, sulco, sutura, tubo, tugúrio, urna, útero,
úvula, vulva.
Campo simbólico do
triste, do aborrecido e do mal-aventurado: agrura, amargura, amuo,
angústia, azedume, calundu, caramunha, carrancudo, casmurro,
cenhudo, infortúnio, jururu, lamúria, macambúzio, pesadume,
queixume, resmungo, rabugem, soluço, soturno, taciturno, tristura,
urubu tanto que (um urubu pousou na minha sorte) e uruca ou
urucubaca.
Campo do sujo,
putrescente e o mórbido: caruncho, carusma, chafurda, chulo,
corrupto, culpa, cúpido, cuspo, dissoluto, estupro, fartum,
ferrugem, furúnculo, impuro, imundo, lúbrico, lúrido, monturo,
muco, nauseabundo, paul, poluto, pústula, pútrido, suburra, sujo e
úlcera.
O diabo é Belzebu,
Cafuçu, Cujo, Sujo, Súcubo e Exu.
E por fim Morte:
ataúde, catacumba, defunto, fúnebre, lúgubre, luto, moribundo,
múmia, sepulcro, tumba, urna e viúva.
Em todas verifica-se a
constância da vogal fechada \u\ em posição tônica, em palavras
diretamente relacionadas com escuridão, fechamento, angústia,
doença e morte.
Obs. (estas serão
palavras de Tengo Miedo, uma espécie de abstract, palpite, resumo)
Para sentir melhor o poder dessas palavras não esquecer de
pronunciá-las se quiser obter a sensação de harmonia do acorde
fundido entre o som do signo e a impressão do objeto. Parece-me,
razoável, mesmo, bom poder lidar com os fenômenos imitativos da
linguagem. Mas se o homem tivesse ficado jungido à onomatopeia, não
creio que teria houvesse chegado ao discurso, já que o signo é
criação social e histórica, não existindo assim isomorfismo
absoluto. O discurso exige mais que gritos, uivos e outros gestos
vocais isolados. Mas poderei usá-los dentro do seu alcance onde o
som é um mediador entre a vontade de significar e o significado do
mundo.
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