20 de out. de 2011

Tengo Miedo não sabe em qual ardiloso Ulisses se espelhará!




O astuto e ardiloso Ulisses flagrado, em sua excitação, por Nausicaa e suas secretárias, a lavar roupa à beira do riacho, foi levado à cidade, onde, se tornou narrador, da história que narrava Homero.
Voltar para casa, queria, não sem antes, complicar-se em no negro mar, e descomplicar com um truque, um lampejo de sabedoria e contingência. Sua astúcia e seus ardis foram reverenciados.
Dante não via a coisa da mesma maneira que Homero. Ou melhor, os mil-e-trezentos “Trecento” florentino não o viram como em tempos de civilização grega. Dante era católico. Foi ordenado por Santo Tomás de Aquino, estudando Aristóteles que era a maior senão única referência com sua Ética. Isso dito, para me situar, prossigo, a dizer que o inferno de Dante não deve ser visto tão somente como uma doutrinação, antes uma visão, uma figura poética. Ulisses também visitara o Hades, na Odisseia.
Agora Dante o coloca no inferno. Certo é que não se trata do inferno dos traidores, que é a profundeza da coisa e por sinal gelada. Ulisses está no Malebolge, que é o oitavo círculo, onde se encontram os que abusaram da capacidade intelectual, e ai vivem em chama errante. Ulisses é o titã do saber, sempre a estimular, o desejo de sempre, novas aventuras, nos companheiros, já velhos, tardios, tão só com vontade de voltarem para Ítaca, mas veja como Ulisses é um vira-latas:

Ó frati – disse – che per cento milia
perigli siete giunti a occidente,
a questa tanto piccola vigilia.

Dei nostri sensi ch´è del rimanente,
non vogliate negar l´esperienza
diretro al sol, del mondo senza gente,

considerate la vostra semenza:
fatti non foste a viver come bruti,
ma per seguir virtute e conoscenza. (XXVI, 112-120)

( ó irmãos – disse – que por cem mil\ perigos estão juntos nesse ocidente\, nessa rápida vigília\\ dos sentidos que nos sobra\ vocês não vão impedir outra experiência\ no caminho do sol, mundo de ninguém\\ considerem que semente sois,\ não foram feitos para viver como brutos,\ mas para perseguir a virtude e o conhecimento. )

Ulisses precisa de companheiros, e com essa astúcia os consegue inflamar. E saem a cantar:

volta nostra poppa nel mattino
dei remi facemmo ala al folle volo.

(voltaram a popa para o oriente, e os remos foram asas do louco voo.)

O que vem a seguir no poema é maravilhoso, mas o terror é também magnificado assim:

che de la nova terra un turbo nacque
e percosse del legno il primo canto.
Tre volte il fe´girar com tutte l´acque,

a la quarta levar la poppa in suso
a prora irre in giù come altrui piacque,
in fin ch´il mar fu sopra noi rinchiuso

( O turbilhão nasceu na terra nova\ o barco(o lenho) soou o primeiro canto a quina\ e a água toda o fez girar três vezes\\ na quarta a popa levantou\ e a proa mergulhou com outro, outrem, alguém quis,\ e o mar fechou-se sobre nós)

Dante também dá a palavra a Ulisses, aliás a última palavra, a palavra que põe fim às fraudes e astúcias do grego. É assim que Dante, na sombra das doutrinas medievais, faz sumir do mapa os tais ardis, são as duras penas. Mas a culpa é do grego, que prestes a descansar nos braços de Penélope, se deixa enredar pelo risco de conhecer o escuro das profundezas do oceano.

Já em Joyce, Ulisses é um despistado judeu, um saco de enganos, talvez um chifrudo, talvez pois a única certeza que teve, foi de sentir algo como restos de sêmen entre as nádegas de sua Molly, que em vez dos braços de Afrodite, tem por alcova um prostíbulo fedorento de Dublin, onde toda a astucia e ardis são empregados para vender um retângulo publicitário de um canto de jornal para um chaveiro. E pela manhã ler um jornal antigo enquanto defeca, rapidamente, para não ter hemorroidas, esta é uma de suas sabedorias.

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