22 de dez. de 2014

Teatro Comunal.

O teatro comunal.
Os papéis já distribuídos. Não existia sequer a moda essa da reinvenção de si. Repaginar-se, não havia. Todos assumiam seu personagem com a profissionalidade apaixonada do circense. Paulin, lhe chamaremos, Paulin ainda que o diminutivo fosse outro, havia sorteado o bêbado. Era muito esforçado. Andava sempre a beber, e então bêbado. Secundário, com poucos diálogos, e alguma cena memorável: “Você não viu o sinal de pare? “ E lá estava o par de policiais da baratinha afiando sua caneta para lhe tascar uma multa, e ele não se deixava impressionar. De fato, Paulin sempre se deparava com essa gente, eram velhos conhecidos. Assim que foi sincero: “ O Pare! Putz! Como não o vi... Porra! Amigos! Se nem vocês os vi! As noites de festa, os “home” não se afastavam da motoca barulhenta de poucas cilindradas do Paulin, sempre estrategicamente estacionada. Ele botava a cabeça para fora do bar, os via, e saia andando para outra direção, já se cansarão. Gostava de inventar ditos populares, se bem que alguns tinham a autoria muito disputada, como esse: se dá pra três, em dois comemos como reis. Não importa quem morreu, eu quero é chorar! E pedia um fernet. Era de uma vila duma época, onde se forjavam personalidades feitas da mistura de barro do realismo mágico e sopro dos sonsos Trapalhões. “Não fui batizado, cai no ribeirão”. Uma benzedeira calada, discreta, fazia o sinal da cruz. Sempre pareceu velha, porque lhe mataram o homem na revolução, o Galego anarquista, dizia, e enlutara desde então. Da fazenda Pau d'Alho ela vinha sempre àquela vila. Andava uns quilômetros a pé, para levar uns trocados para casa, tinha um filho pequeno. “Sim, sei que logo ganhei má fama, mas vou ali benzer e...” Iludida. Alguém se apiedou de sua ignorância. Faz tempo que é a pomba gira. Pomba gira? Não entendia. Trocava os sapatos para chegar em casa, e esconder o da estrada. Isso pensava. A intimidade é muito relativa, quando se vive numa vila. Mas muito. As pessoas sabem coisas de você que nem você sabe. 

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