Uma adaptação
livre de Oscar Wilde “ A Importância de se chamar Ernesto”.
Teatro.
Vou direto à
parte em que
Dona Iria Alves. - O
que é Você politicamente?
Cravinhos – Esquerda
Progressista.
Dona Iria Alves –
Está bem, digamos comunista. No fim dá na mesma.
Passemos a detalhes menos importantes. Seus pais, vivem?
Cravinhos – Perdi os
dois, Dona.
Dona Iria Alves. -
perder um, senhor, pode ser uma desgraça, mas os dois, me
parece falta de carinho. Quem era seu pai? Certamente, um homem bem
posicionado. Mas, nasceu na, como dizem os jornais radicais, em
berços de homens de sindicatos ou da companheirada?
Cravinhos. - A verdade
é que não sei. Perdi a meus pais, realmente, mas exato
seria dizer que meus pais me perderam... Até agora, não
sei quem sou... numa palavra: fui... sim, fui encontrado...
Dona Iria Alves. -
Encontrado?
Cravinhos. - O falecido
senhor Humberto Humbert, que era muito caridoso e de coração
bondoso, me encontrou e me deu o nome de Cravinhos, porque naquele
momento tinha no bolso uma passagem da Mogiana para Cravinhos.
Dona Iria Alves. - E
aonde esse senhor tão caridoso, que tinha uma passagem da
Mogiana para Cravinhos, te encontrou?
Cravinhos. - (sem se
livrar da pigarra) Numa mala!
Dona Iria Alves.- Numa
mala?
Cravinhos. - (ainda
grave) Sim, Dona Iria Alves. Numa mala de couro preta, bem grande,
com alça... enfim, uma mala normal e corrente.
Dona Iria Alves. - Em
que lugar encontrou ele essa mala normal e corrente?
Cravinhos. - Num guarda
volumes da estação Gironda. A deram equivocadamente
pela sua.
Dona Iria Alves. - Num
guarda volumes da estação Gironda?
Cravinhos. - Sim, na
linha de São Simão.
Dona Iria Alves. - A
linha é de menos, senhor Cravinhos. Te confesso que isso que
me diz, me desconcerta bastante. Nascer ou pelo menos, ser criado
numa mala com ou sem alças, demonstra um tal desprezo pelas
convenções da vida em família, que me faz pensar
nos piores excessos da Revolução francesa. Quanto ao
lugar em que foi encontrada a mala, é possível que o
guarda volumes de uma estação ferroviária sirva
para ocultar uma indiscrição social, e provavelmente,
não te serviu até agora, e de modo algum servirá
como base estável para viver na boa sociedade...
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