1 de dez. de 2015

Ão e sua Arcana Sabedoria..

Se minha geração foi um animal, foi o burro, e fui um burro empacador, assim que soube o que é apanhar como burro empacador, apanhei mais que um burro empacador. Recordo muito bem uma bordoada que levei no lombo do Humberto T., que quase me deixou socrático como uma vaca, Humberto, em si um sujeito asnal, tinha o sobrenome de ilustre radialista ribeirão-pretano chamado Wilson, que passou a vida, a zurrar, a dar porretada a torto e a direito, nos políticos da cidade, sendo um deles, não me lembro que tenha se auto-flagelado. Sendo isso uma outra história, digo que todos sabem que tenho um gato, se não sabem, que saibam agora, e se chama Ão. Que domina imperativamente em minha afetividade felina. Custaria muito viver com dois. Uma olhada gatuna carrega suficiente enigma para mim. Com frequência Ão vem se sentar a meu lado, sobre esta secretária, donde escrevo. As vezes, decide se tombar diretamente sobre o teclado do computador e se irrita de verdade se o aparto, com o quê, se o que tenho a dizer é urgente, como tudo que que tenho a dizer é urgente, fico invocado, como diziam os bonfinenses que foram burros de carga como eu, dou uma bronca, da qual não saio sempre ileso. Mais de uma vez, me perco em seus olhos, com a suspeita de que insinuam alguma sabedoria arcana, que me é completamente indecifrável, mas creio que tem a ver com o passar do tempo.
Suspeito que quem escreveu o prólogo de um Sêneca, que suspeito não ter lido, senão que houvesse ao menos uma vez decifrado a mirada de Ão, mas vejam o que escreve quem escreve: “Indubitavelmente, o descobrimento do tempo não pode ser verificado mais que em um momento negativo dentro da própria vida, no qual estávamos enchendo alguma coisa e a perdemos: o tempo é a substância da nossa vida e por isso está a ela subjugado, como fundo permanente de tudo o que vivemos; descobrir esse fundo tem algo de queda, que só acontece em estado de angustia, desengano e vazio. Descobrir o tempo é descobrir o engano da vida “ .

Leio o texto em voz alta para Ão, que se lambe parcimoniosamente, e deixando de vez em quando que me atinja um olhar sesgo.  

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