A tudo dizem, cultura. E já se esquece o que realmente é, e já ninguém fala,
ainda que todos nela se socorram para tudo. Tudo é cultura,
alimentação, saúde, esporte, TV e pobre de quem rumine fora do cocho, porque as
bocas se encheram até cuspirem espuma com expressões que comecem
com cultura de... e que não queira saber como acabam, porque a
variedade é ilimitada como a diversidade de gostos que são
obrigadas a ter as linguiças, que as fazem com rúcula, provolone,
muçarela, tomate seco, tanta variedade que me obrigam a pedir
linguiça de linguiça. Com a cultura se dá o mesmo, e ao final
nomearemos cultura cultura. Porque não quero conselhos para correr
melhor, receitas de linhaça, nem análise profunda do último BBB,
nem a lista dos bares da cidade com as melhores comidas de boteco.
A cultura fazia
perguntas, fazia pensar, a praga hermenêutica não havia tomado
conta de tudo, agora parece que querem nos dissuadir, os degustadores
culturais, que enquanto como batata frita com creme de alhos, ele
mastiga para mim a última novidade editorial, que leu em duas noites
ou uma e enche uma long neck de adjetivos, para que eu possa falar
algo, quando me perguntarem, você já leu?
Sempre chegarei tarde, eles vão às pré-estreias, eu corro e como
linhaça, saio com sacolas do Shopping, bebo cervejas artesanais,
sempre tarde, porque a cultura se consome de pressa ou já vencida.
Temos que viver de
alguma coisa e que se o ranking dos melhores coloridos ovos cozidos
da capital... então percorremos a cidade apressados a ingerir ovos.
Afinal devo estar em dia com o que interessa a todos e interessa a
todos o que se faz agora não o que foi feito a dez anos, cem anos...
e estão ai as listas de locais e as coleções de os dez melhores
disso e daquilo, de conselhos dietéticos e estéticos, e
polifacéticos, que fazem em conjunto uma bufa tribal.
A cultura pode ser
estática, lenta, e atemporal, ou ainda, devia ser, não sei bem, mas
aposto por isso. Assim pode-se ver um filme dos anos 80, ler um
livro escrito em 1909,de um século, e não é um exagero meu, estou
sendo muito preciso com o tempo, claro, se foram feitos com algo mais
que a pressa, ou com o afã de estar no decálogo do momento. No
entanto, nos confundimos, e tudo confusamente é cultura e é
essencialmente consumo e preferentemente imediato.
Pode parecer que
exagero, ou que estas linhas são brotos de sofisticação, mas não,
é só abrir a TV, o jornal, os olhos e ver a encheção de linguiça.
O que quero dizer, e
ainda que não pareça, que falamos de TV, de correr, andar de bici,
ou de dietas milagrosas em meio a críticas de livros que não lemos,
e ao lado da entrevista do escritor a lista dos melhores quitutes de
boteco, afinal não sou obrigado a ler nada. Quero dizer que cada vez
custa mais encontrar coisas legíveis, e as cervejas de mil gostos
farão com que um dia esqueçamos que a base de uma boa cerveja é
cevada e lúpulo, e que uma boa linguiça se faz com carne de porco.
Se me queixo que os escritos são encheção de linguiça é porque tampouco a linguiça é feita como linguiça, resta saber do que
são feitos os porcos.
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