Faz muito tempo,
na encruzilhada de um verde vale, ao sopé de uma montanha, havia uma
vila feliz. Todas as pessoas eram felizes. As crianças e os jovens
nas escolas. Os adultos no trabalho. Os idosos com seus entes
queridos. Os animais de estimação eram estimados. Entretanto, não sabiam que
eram vigiados, desde o cimo da montanha, por uma megera. Uma bruxa
má. Ela descia à vila disfarçada. Queria saber o porquê de
tanta felicidade. Se esgueirava pelos quintais. Ia se perguntando:
Por quê?
Foi então que viu, todos se faziam carinho. Astuta, percebeu que
havia inclusive um modo de fazer carinho. A avó com sua mão quente massageava
os ombros de seu neto, percorrendo lentamente de omoplata a omoplata,
escorregava um tiquinho abaixo pela coluna, subia até a
nuca. Se esgueirava e via no banco da praça as pessoas se
acariciando. Ela queria
dominar a vila, mas não via possibilidade para suas maldades,
porque ali não havia pessoas carentes. Um estranho procurava outro
estranho e se acarinhavam. Desabotoavam a camisa, e deixavam os
ombros nus. O outro com a mão quente, começava a massagear. Logo um
jovem, que passava, oferecia carícias a uma jovem, a mulher dizia ao
marido, da sua labuta, e ele dizia da sua labuta e se acariciavam com
suas mãos quentes, e assim iam vivendo, felizes.
A
bruxa voltou ao topo do monte, e pôs-se a traçar um plano para
acabar com aquela felicidade. No outro dia voltou à vila e fez
correr a notícia de que as carícias poderiam acabar, se eles
continuassem a fazê-la com as mãos. Ela dizia que gastava e com o
tempo já não funcionaria. Todos ficaram com medo. Muitos exitavam
em acariciar. E começaram a poupar carícias. Guardavam para algum
momento especial. Para pessoas especiais. E a vila foi entristecendo.
Eles queriam se acariciar uns aos outros, mas tinham medo que
acabasse. Houve, no entanto, os que perderam o medo e pouco a pouco
voltavam aos carinhos. Quando a bruxa voltou, viu que já não eram
tão felizes, mas viu também que a tristeza ainda não era
suficiente. Conversou com as pessoas, e ouviu deles que sentiam
falta de acariciar. Subiu a montanha ruminando planos. No dia
seguinte desceu à vila e foi ao mercado expor a solução para
aquele problema, era um carinho de silicone, muito parecido com a
palma da mão, e que se as pessoas se acariciassem com aquele carinho
de silicone, não haveria problema de o carinho acabar, todos
correram as suas casas e voltaram com o dinheiro para comprar o
carinho de silicone, e felizes se puseram a acariciar com ele. Logo
eles perceberam que o carinho de silicone não funcionava como antes,
com o carinho feito com as mãos. Mas não poderiam fazer carinho com
as mãos porque acabaria. Sempre atenta, um dia, a bruxa desceu a
montanha com uma solução ao carinho de silicone, era o carinho de
plástico. Era mais frio que o carinho de silicone, mas era mais
liso, dizia ela, escorregava mais, e não precisava lavar tantas
vezes, para retirar óleos... todos compraram o carinho de plástico,
e cada dia mais se acariciavam, lavavam-no e guardavam sobre alguma
estante. Cada dia estavam mais tristes. Então logo aparecia carinhos
de plástico de variadas formas e cores. Se animavam bastante e
voltavam a comprar carinhos, andavam pelas ruas e exibir seus
carinhos de plástico multiformes e multicoloridos. Davam nome aos
carinhos e iam se entristecendo. Logo se cansavam das cores e das
formas dos carinhos de plástico... atenta desde seu posto elevado da
montanha, a bruxa via seu intento funcionando bem, astuta se dava
conta da necessidade de inovação do seu produto, misturava suas
mandingas, desenhava sobre cinza seus projetos, e com duas palavras
mágicas tinha um novo carinho para o mercado, o carinho de inox.
Brilhante. Sem um risco miúdo que fosse. Era tanto polido que se
podia nele se mirar. O mercado entrou em alvoroço. Nem com todo seu
poder de produção dava conta á demanda. Houve quem furtasse o
carinho de inox a outro. Os carinhos de plástico e de silicone
emporcalhavam as ruas e as praças. Quando todos haviam adquirido o
carinho de inox, ela descansou. Todos se olhavam no carinho de inox,
se acariciavam, levavam um trapo para poli-lo, e o dependuravam no
pescoço. As pequenas indústria da vila, inventavam capinhas para o
carinho de inox, polidores. As pessoas seguiam o manual de uso, e
cada vez menos, passavam o carinho de inox nos ombros uma das outras,
para não gastar, porque custava muito dinheiro ter um carinho de
inox. Era frio. Mas quase já não se lembravam da mão acariciadora.
E as relações cada vez mais perturbadas. A tristeza logo se
instalava. As crianças choravam. Os idosos abandonados. Os namorados
ensimesmados. A tristeza, o desamor, o ódio, tomavam conta da vila.
A bruxa desde o cimo da montanha, ria em derrisão. No outro dia
quando a viram descer a montanha com muitas caixas sobre o ombro,
todos a foram esperar no mercado, faziam fila. Muitos reclamavam do
carinho de inox. Eu tenho a solução disse ela. E todos aguardavam
com ansiedade, ela falou que já não funcionava mais o carinho que
passa pelos ombros, agora os apresento um carinho definitivo que
todos vão amar... e então diante dos olhos arregalados de toda a
gente da vila ela exibiu um prego cintilante, com a ponta mais aguda
que uma agulha, e disse espetem nas costas uns dos outros e todos
avançaram sobre o novo carinho, o carinho prego.
Não me lembro quem
me contou esse conto, nem era assim, era parecido com isso. Foi na
época da Filô. Década de 80.
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