2 de nov. de 2014

Tumba esperando seu morto.

Túmulo vazio.


Chuviscava, mas é difícil resistir ao cemitério. Histórias esquecidas entre nomes repetidos, datas remotas e flores tristes de plástico. O horizonte delimitado por condomínios, estes dos vivos, vistos dali, não diminuem nossa insignificância, ou a claustrofobia. Um túmulo com anjos sinistros e mármores decorativos, e tijolos que foram se desgastando ao longo do tempo, e minha velha conhecida, a inscrição que diz:''Aqui jaz José de Sá Rocha __ de __ 19__”. Sim, lá estão os espaços em branco para serem ainda preenchidos, como a própria cova. A primeira reação foi infantil: 'ainda vive'. Mas logo me vem um detalhe moribundo, este homem não previa chegar ao séc XXI. Vila Bonfim, é assim que os antigos moradores a chamam, sabe o paradeiro de todos os seus filhos, mas não tem a menor informação sobre José de Sá Rocha. Fiquei a pensar, no velhinho, se o fosse, a desfrutar de sua futura residência definitiva, como se fosse uma casa de campo, ou na segurança condominial. No entanto, para aquele que constrói a própria tumba, muito antes da morte, esta está abandonada. Pelas informações recebidas junto a administração do cemitério, o túmulo ,não habitado pelo não vivente, fora construído por um jovem no final dos anos 50, mais precisamente em 1958. Foi no Google que resolvi a charada, uma única entrada. Uma reportagem do Jornal A Cidade publicada em 1968 que me fez descobrir que José de Sá Rocha, nascera na noite de natal do ano de 1940, e então com 38 anos o comunista Zé de Sá, e toda sua família desapareceu misteriosamente por mãos desconhecidas perto da Gironda, acerca de Luiz Antônio, então estação de trens da Alta Mogiana. José de Sá Rocha construiu com as próprias mãos sua residência definitiva, mas para habitá-la não basta a vontade de um morto, pois necessita da cumplicidade de um vivo. E ele não a teve. Descanse em paz. Onde quer que esteja.   

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