Era inofensivo.
Era parte da paisagem da nossa infância feliz. Não nos ocorria
sequer de nos perguntarmos, por que ficava ali plantado, naquele
cruzamento, que jamais cruzara. Talvez, por evidente, saudava os
caminhões que ali passavam, na vinda e ida para Araraquara. Nos o
olhávamos de soslaio, ríamos, era isso: ele se alegrava quando
algum motorista tocava a buzina ao passar. Mas nunca lhe dissemos
nada, não tivemos coragem. Centenas e centenas de crianças cruzavam
aquele lugar a cada dia. Éramos descerebrados barulhentos e
impertinentes, mas havia uma fronteira invisível que nenhum de nós
ousou atravessar. Claro que nossa educação era justa, quase
apertada. E ainda que em nossas casas não tivéssemos biblioteca,
nem nunca tivéssemos ido ao teatro, sabíamos que aquele homem era
'café com leite'. Esta expressão adoçava a crueldade do mundo
desde a nossa tenra infância. No futebol alguém do adversário
gritava: ' Mas vocês estão em doze', logo alguém de nós gritava
'Ele é 'café com leite'', é evidente que 'Ele' se sentia aquele
homem no cruzamento dando adeus a desconhecidos caminhoneiros. Era
cruel... e melhoramos?
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