(A importância de ser Ernesto)
Joana
estava apaixonada por um português chamado Manoel. Viviam no
primeiro andar, ao lado de um homem, ou uma mulher, cujo costume de
deixar as janelas abertas a irritava. Como todas as manhãs se
olhava no espelho, se lavava o rosto, media seu pequeno buço,
saia sempre apressada ainda bebendo seu yakult. Tomava o circular,
porque odiava conduzir. O escritório ficava a uns trinta
quarteirões, mais ou menos. Na volta, aproveitava para fazer
pequenas compras, jantava com Mané enquanto lhe contava coisas
do seu dia de trabalho.
Nos
momentos livres, reflexionava sobre a profundidade do oceano, que
nenhum ser humano jamais viu, estranhava que se tivesse ido a lua,
mas nunca ter ido ao fundo do Pacífico ou Atlântico;
imaginava o mundo visto cada vez mais de longe, até que ela e
Mané eram um ponto na cidade, a cidade um ponto na terra, a
terra um ponto no sistema solar, o sol um ponto no espaço
cheio de estrelas.
Lilian e
Mané gostavam de ouvir música suave, bossa nova, e que
fosse suave não era razão para que sua vizinha, ou
vizinho, não se queixasse de qualquer modo, e o fazia com
gosto. Outras vezes iam visitar suas irmãs em Pirassununga, ou
comiam maçãs verdes.
Quarta-feira,
recebeu um telefonema urgente no trabalho. Quem falava era uma voz
feminina ou masculina, e lhe disse que havia escutado ruídos,
e que ao que parece haviam forçado a porta e haviam entrado na
sua casa. Ela, ou ele. Já se encarregara de chamar a polícia.
Então,
Lilian correu, e nem sequer pode sentir o intenso cheiro de pão
de queijo da padaria, nem saltar lajotas ausentes na calçada,
nem sentir o calor exagerado que fazia no ponto de ônibus, que
era um pau fincado, só lhe parecia uma coisa, o caminho era
quatro vezes mais longo que sempre.
Já
perto de sua casa, uns pedreiros almoçavam sentados na
calçada, enquanto assoviavam e lhe dirigiam gracejos. Nesse
momento começou a procurar no fundo da bolsa as chaves, mas se
deu conta que a porta poderia estar arrombada, seu apartamento
estaria todo aberto; foi quando divisou um policial e o senhor, ou a
senhora, à espera na porta do edifício. Quiseram
tranqüilizá-la, ela subiu as escadas de dois em dois
degraus, e de cara o que viu foi que estava tudo remexido, a
fechadura arrombada, e que sua habitação estava
despojada de sua essência, Mané jazia no chão da
cozinha.
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