No incerto ano de mil novecentos e setenta e cinco, o primeiro ano do colegial, a turma “A” da manhã do Otoniel Mota, era frequentado pelo crème de la crème da cidade. Alcides Benevides se classificou em vigésimo quinto lugar no concurso “vestibulinho”, alem disso era socioeconomicamente o ponto fora desta reta de 35 alunos. Além do primeiro “A” havia o “B”, “C” e talvez “D”, Alcides não se recorda. Pobre, que era, ganhava uma subvenção da APM em fichas para a merenda da hora do recreio, um salgadinho e um refrigerante na cantina. Uma ficha para o sólido e outra para o líquido para cada dia letivo, recebidas ao primeiro dia de aula de cada mês.
Todos seus colegas eram sócios da Recra, e o boa praça que era se fez frequentar o clube de quando em quando, sempre convidado por um colega diferente. O Professor de educação física ainda lhe fez livre o acesso para os treinos de cem metros rasos, pois no classificatório fizera a marca de treze segundos. Cria com isso, que chegaria aos onze, mas professor Sareta o desiludiu, e por si concluiu o mesmo, depois de um semestre treinando vistas postas nos jogos colegiais, e só baixara décimos, 12,60s.
Dentre todos os colegas um se tornou mais próximo, o filho de um 'dono de gráfica'. ( estranho que não exista um substantivo simples para tanto dono de gráfica, há o gráfico, mas se refere ao técnico que trabalha em).
Incerta também a feita, o filho do dono da gráfica foi sem dinheiro à escola. Desapercebido. Alcides lhe emprestou um par de fichas para a hora do recreio, depois noutro dia e mais um. No quinto dia, alem daquelas que o filho do dono da gráfica usou para comer uma coxinha e um guaraná antártica, levou ainda para casa outro par, "na segunda trago, e em dinheiro!".
Conforme o prometido, na segunda-feira o filho do dono da gráfica lhe devolveu em dinheiro o dinheiro referente a todas as fichas, perfez. Sempre houve fila para comprar fichas, qual Alcides não usava, porque suas fichas as recebia na secretaria. Suas fichas eram iguais às compradas. Ocorre que naquele dia não havia fila para comprar, só a fila para retirar os quitutes no balcão. A cantineira parecia enlouquecida e junto com seu marido passaram a desconfiar de algo. Tanta gente a comer e poucos a comprar. E caminhavam junto à fila. Desconfiavam. Conheciam a todos e a seus pais. Famigerados. No entanto lhes faltava caráter, se todos ali tinham sobrenomes, que ainda ressoam pela cidade, nomes de ruas, de universidades, enfim, medraram, mas de repente se depararam com Alcides, Benevides, nem parentes importantes tinha. Só um tio-avô na capital, casado com uma Ucraniana, mujique fugida dos bolcheviques. A Alcides, desditoso, correram-no pelo braço e sem esforço o botaram à frente do diretor. O professor Décio Setti antes, no corredor, os interpelara, “mas o que fez este Alcides, Senhora Cantineira?” “Professor Décio, ele está com fichas falsas!”. Hipermetrope arregalava seus imensos olhos por detrás das grossas lentes. De nada adiantara ótimas notas em Física. Ali diante do diretor que não sabia de sua bolsa de recreio oferecida pela APM, não teve tempo para raciocinar, explicar-se, e ao esvaziarem lhe o bolso, um par de fichas e um bolinho de dinheiro foi posto sobre a mesa, “tá vendo!” “dinheiro!” gritava a senhora Cantineira, “dinheiro!”. Expulso. Sim expulso. Já havia batido o sinal, recebeu ordem para retirar seu material na sala de aula e ir para casa, e só voltar no dia seguinte com os pais. Os olhos de Roseli eram duas gotas brilhantes. Mel. Sendo no pátio vazio, desembestou para o banheiro e desaguou em prantos. Por ouvir seus soluços, o servente, seu S, ouviu também sua história.
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