13 de mai. de 2013

Pecados Capitais.

Filme, Feios, Porcos e Malvados  Nino Manfredi em Giacinto Mazzatella. Obra Prima de Etore  Scola.



Os vícios privados fazem a virtude pública, é a mensagem irônica do poema: A fábula das abelhas, escrito 

por Bernard de Mondeville em 1714. Bernard, um médico holandês descreve aí um paradoxo econômico, 

delicioso. A avareza, a luxuria e a gula, que são pecados capitais, resultam úteis e contribuem ao bem geral, 

da colmeia. Se não fosse pelos gulosos, como iam ganhar a vida as doceiras? Se não fosse pelos 

mulherengos, os pródigos, que gastam com flores e presentes o que não têm, como ganhariam a vida as 

floristas, os proxenetas? Se não fosse pelos avarentos que ganham dinheiro com o trabalho dos outros, 

quem daria emprego aos desempregados? O que beneficia a sociedade, então, não é outra coisa senão os 

vícios dos seus membros.

No ano de 1759, Adam Smith publicou A teoria dos sentimentos morais. Ali sustem com cândida beatitude 

que o estado não deve fazer qualquer regulação da economia, que disto se encarregaria a ''mão invisível do 

mercado”, a qual, como um anjo da guarda, organizaria a diversidade dos interesses humanos. Ainda 

segundo Smith, não faria falta leis estatais sobre as condições de trabalho, salários, preço ou qualidade dos 

produtos, porque a livre concorrência, a lei da oferta e da procura, a luta entre produtores para vender a 

melhor preço, e as disputas entre operários e empresários pelos salários acabariam em um copioso 

equilíbrio que a todos beneficiaria. Confesso, crédulo leitor, que começam a rolar as lágrimas da mais pura 

emoção, entre os vincos da minha cara de taipa, diante deste retrato tão maravilhoso da coisa.



O caso é que estas prédicas do arcanjo Adam Smith, e que se tornaram o novo testamento dos neoliberais 


dos últimos dias, levaram-nos às práticas e consequências quais todos conhecemos. Será por isso que há 

este ruído ruinoso a pedir mais selic, menos direitos aos ''domésticas” etc.


Hoje por motivo abolicionista, O Estado, oferece o resultado de fatos – relatados pela Justiça do Trabalho -  

ocorridos até ontem no Brasil, que diz respeito a trabalhadores que viviam em regime de verdadeira 

escravidão, e não se trata do Acre ou da Bolivia, mas de São Paulo no empoado quarto posto na lista que 

enumera empresas com regime escravista de trabalho.


Que lástima que os tribunais de Justiça do Trabalho não sabem da estreita relação entre os vícios privados e 

as virtudes públicas, e assim punam estes senhores, porque bem que poderiam esperar pela autorregulação, 

assim manteriam estes abusos tão delicados, tão perfeitamente injustos, tão despojadamente liberais.             
















A fábula das abelhas. Bernard de Mandeville. 1714.




Uma grande colmeia, repleta de abelhas,
Que viviam com luxo e comodidade,
Porém eram tão famosas por leis e armas
Quanto por copiosos e precoces enxames,
Era tida como o grande berço
Das ciências e da indústria.
Não havia abelhas que possuíssem governo melhor,
Maior volubilidade ou menos contentamento;
Não eram escravas da tirania,
Nem governadas pela desenfreada Democracia,
E sim por reis, que não podiam errar,
Pois seu poder era restrito por leis.
Esses insetos viviam como os homens,
E todas as nossas ações executavam em miniaturas;
Faziam tudo o que se faz na cidade,
E o que é da alçada da espada ou toga,
Embora os trabalhos engenhosos dos membros minúsculos
De tão ligeiros escapassem à vista humana.
Entretanto, não temos máquinas, trabalhadores,
Navios, Castelos, armas, artífices,
Ofício, ciência, loja ou instrumento
Para os quais não possuíssem equivalente;
Estes, sendo sua língua desconhecida,
Devem ser chamados com os nomes que damos aos nossos.
Como concessão, entre outras coisas,
Queriam dados, mas tinham reis,
E estes tinham guardas, do que se pode, acertadamente,
Concluir que algum jogo havia,
A menos que exista um regimento
De soldados que não pratique nenhum.
Grandes números abarrotavam a fértil colmeia,
Porém essa multidão fazia com que prosperassem;
Milhões empenhavam-se em satisfazer
Mutuamente sua cupidez e vaidade,
Enquanto outros milhões labutavam
Para ver destruídas suas obras.
Abasteciam metade do universo,
Porém tinham mais trabalho que trabalhadores.
Alguns, com grande capital e pouco esforço,
Lançavam-se a negócios de fabulosos lucros;
Outros estavam condenados à foice e à espada,
E a todos esses árduos e cansativos ofícios
Nos quais, voluntariamente, desgraçados suam dia após dia,
Esgotando as forças e os membros para poderem comer,
Enquanto outros se dedicavam a mistérios
Aos quais poucos encaminhavam aprendizes,
Que não requeriam outro cabedal senão o descaramento,
E podiam estabelecer-se sem um centavo sequer,
Como trapaceiros, parasitas, gigolôs, jogadores,
Punguistas, falsários, charlatães, adivinhos
E todos os que, inimigos
Do trabalho honesto, astuciosamente
Convertiam em seu próprio benefício
O trabalho do afável e incauto próximo.
A esses chamavam velhacos, mas exceto pelo nome,
Os austeros industriosos eram iguais;
Todos os negócios e cargos tinham algo de desonesto,
Nenhuma profissão era isenta de embustes.
Os advogados, cuja arte tinha por base
Suscitar contendas e dividir causas,
Opunham-se a todos os registros, pois as trapaças
Poderiam dar mais trabalho com propriedades hipotecadas,
Como se fosse ilegal que o patrimônio de alguém
Fosse conhecido sem uma ação judicial.
Postergavam deliberadamente as audiências,
Para embolsar polpudos honorários,
E, para defender uma causa iníqua,
Examinavam e observavam as leis,
Como ladrões que espreitam lojas e casas
Para descobrir qual o seu ponto fraco.
Médicos valorizavam fama e riqueza
Acima da saúde dos depauperados pacientes
Ou de sua própria habilidade; a maior parte estudava,
Em vez de as regras da arte,
Olhares graves e pensativos e atitudes apáticas,
Para ganhar a simpatia do boticário
E elogios das parteiras, sacerdotes
E todos os que lidavam com nascimentos e funerais,
Suportar a incessante tagarelice da tribo,
E ouvir a tia da dona da casa prescrever,
Com um sorriso afetado e um cortês “como vai?”
Para bajular toda a família
E, o que é o pior de todos os tormentos,
Aguentar a impertinência das enfermeiras.
Entre os muitos sacerdotes de Júpiter,
Contratados para invocar as bênçãos do céu,
Alguns havia sábios e eloquentes,
Mas milhares lascivos e ignorantes;
Contudo, todos preenchiam os requisitos que podiam ocultar
Sua preguiça, luxúria, avareza e orgulho,
Pelos quais eram tão famosos quanto alfaiates
Por sonegar retalhos e marinheiros por rum.
Alguns, magros e pobremente vestidos,
Rezavam misticamente por pão,
Com isso querendo dizer uma farta despensa,
Contudo, literalmente, não recebiam nada além.
E, enquanto esses santos labutadores passavam fome,
Alguns preguiçosos a quem serviam
Abandonavam-se ao ócio, com todas as graças
Da saúde e da fartura nas faces.
Os soldados, que eram forçados a lutar,
Se sobrevivessem, auferiam honrarias,
Embora alguns, que se esquivavam de brigas sangrentas,
Houvessem sido feridos na fuga.
Alguns generais valentes combatiam os inimigos,
Outros aceitavam suborno para deixá-los escapar;
Alguns aventuravam-se sempre onde a luta era mais renhida,
Perdiam ora uma perna, ora um braço,
Até que, totalmente inválidos, eram postos de lado,
E viviam com a metade do soldo,
Enquanto outros nunca apareciam no campo de batalha,
E ficavam em casa recebendo em dobro.
Seus reis eram servidos, porém astutamente
Logrados pelo seu próprio ministério;
Muitos, que pelo seu bem-estar arduamente trabalhavam,
Roubavam a própria coroa a quem salvavam;
As pensões eram pequenas, e eles viviam à larga,
Porém jactavam-se de sua honestidade,
Chamando, sempre que extrapolavam seus direitos,
Gratificação a seu logro matreiro;
E, quando entendiam seu jargão,
Mudavam o nome para emolumento,
Relutantes em ser concisos ou explícitos
Com tudo o que se referisse a ganhos;
Pois não havia abelha que não quisesse
Ganhar mais, não direi, do que merecia,
Porém do que ousava permitir que soubessem
Aqueles que lhes pagavam, como jogadores
Que, embora jogando limpo, nunca revelam
Aos perdedores o quanto ganharam.
Mas quem pode enumerar todas as suas fraudes?
O próprio material que na rua
Vendiam como esterco para enriquecer o solo,
Frequentemente, como descobria o comprador,
Era sofisticado com um quarto
De pedras e argamassa imprestáveis,
Embora pouca razão tivesse para queixar-se
Aquele que também vendia gato por lebre.
A própria Justiça, célebre pela equanimidade
Embora cega não perdera o tato;
Sua mão esquerda, que deveria sustentar a balança,
Deixara-a muitas vezes pender, subornada com ouro;
E, conquanto parecesse imparcial,
Quando se tratava de punição corporal,
Alardeava seguir curso regular
Em assassinatos e todos os crimes violentos,
Porém alguns, primeiro mandados ao pelourinho por desonestidade,
Eram enforcados na própria corda com que haviam sido açoitados.
Contudo, pensava-se, a espada que ela empunhava
Reprimia apenas os pobres e desesperados
Que, impelidos por mera necessidade,
Eram amarrados à árvore dos desgraçados
Por crimes que não mereciam tal destino,
Senão para proteger os ricos e poderosos.
Assim, o vício imperava em cada parte,
Embora o todo fosse um paraíso;
Incensados na paz, temidos na guerra,
Tinham o respeito dos estrangeiros,
E, na abundância de riqueza e vidas,
Eram a força preponderante entre todas as colmeias.
Tais eram as bênçãos daquele estado
Que seus crimes conspiravam para torná-lo grandioso;
E a virtude, que com a política
Aprendera milhares de artifícios sutis,
Tornara-se, pela feliz influência,
Amiga do vício, e desde então
O pior elemento em toda a multidão
Fazia algo para o bem comum.
Era essa a estatística que regia
O todo, do qual cada parte reclamava;
Isso, como na harmonia musical,
Conciliava as dissonâncias no geral.
Grupos diretamente opostos
Ajudavam-se mutuamente, como por perversidade,
E a temperança e a sobriedade
Serviam à embriaguez e à gula.
A avareza, raiz do mal,
Esse maldito, perverso, pernicioso vício,
Era escrava da prodigalidade,
O pecado nobre; enquanto o luxo
Empregava um milhão de pobres,
E o orgulho odioso, mais um milhão.
A própria inveja e a vaidade
Eram ministros da indústria;
Sua extravagância predileta, a volubilidade
No comer, vestir-se e mobiliar,
Tornara-se, vício estranho e ridículo,
A própria roda que movia os negócios.
Suas leis e seus trajes eram, igualmente,
Coisas mudáveis,
Pois, o que em certo momento era bem visto,
Meio ano depois tornava-se crime.
Entretanto, enquanto assim alteravam suas leis,
Sempre encontrando e corrigindo imperfeições,
Através da inconstância reparavam falhas
Que a prudência não poderia prever.
Assim, o vício fomentava a engenhosidade
Que, unida ao tempo e ao trabalho,
Propiciava as comodidades da vida,
Seus verdadeiros prazeres, confortos e facilidades,
A tal ponto que mesmos os pobres
Viviam melhor que os ricos de outrora,
E nada mais havia a acrescentar-se.
Como é vã a felicidade dos mortais!
Tivessem eles noção dos limites da bem-aventurança,
E de que a perfeição, cá embaixo,
Está acima do que os deuses podem conceder,
E os queixosos animais ter-se-iam contentado
Com ministros e governo.
Porém eles, a cada sobrevento,
Como criaturas irremediavelmente perdidas,
Maldiziam os políticos, o exército, as frotas,
Enquanto cada um gritava “Abaixo os desonestos!”,
Apesar de cônscio dos próprios defeitos,
Dos demais, barbaramente, não tolerava nenhum.
Um, que conseguira patrimônio principesco
Enganando o patrão, o rei e os pobres,
Atrevia-se a bradar “Que a terra pereça
Por todas as suas fraudes!”; e quem pensais”
Que o patife pregador do sermão censurava?
A um luveiro, que vendera couro grosseiro por pelica!
A menor coisa feita incorretamente,
Ou que obstasse aos negócios públicos,
E já todos os velhacos gritavam disfarçadamente:
“Oh, Deus! Se ao menos houvesse honestidade!”
Mercúrio sorria ante a imprudência,
E outros chamavam-na falta de senso,
Sempre a protestar contra o que amavam.
Porém, Júpiter, cheio de indignação,
Finalmente, irritado, jurou livrar
Da fraude a vociferante colmeia. E assim o fez.
No mesmo momento, ela se foi
E a honestidade encheu seus corações;
Revelaram-se-lhes, como na árvore do conhecimento,
Os crimes dos quais se envergonharam,
E que então, em silêncio, confessaram,
Enrubescendo ante sua torpeza,
Como crianças que, desejando esconder suas faltas,
Pela cor denunciam os pensamentos,
Imaginando, ao serem olhados,
Que os outros veem o que fizeram.
Porém, oh deuses! Que consternação!
Quão grande e súbita foi a alteração!
Em meia hora, no país inteiro,
A carne caiu um pêni por libra;
A máscara da hipocrisia despencou,
Do grande estadista ao palhaço;
E alguns, tão conhecidos pela aparência afetada,
Pareceram estranhos com a sua natural.
O tribunal ficou silencioso a partir de então,
Pois agora os devedores, voluntariamente, pagavam
Mesmo o que os credores haviam esquecido,
E estes desobrigavam os que não podiam saldar as dívidas.
Os que estavam sem razão calaram-se
E desistiram dos esfarrapados e vexatórios processos,
Com o que, já que ninguém prospera menos
Do que advogados em uma colmeia honesta,
Todos, exceto os que tinham grandes posses,
Partiram, levando consigo seus tinteiros.
A justiça enforcou alguns, outros libertou,
E, após esvaziarem-se as prisões,
Não mais sendo necessária sua presença,
Retirou-se com todo o seu cortejo e pompa.
Na vanguarda marcharam ferreiros, com cadeados e grades,
Grilhões e portas com chapas de ferro;
A seguir, carcereiros, guardas e ajudantes;
Á frente da deusa, a alguma distância,
Seu fiel ministro principal,
Dom Algoz, o grande executor da lei,
Empunhando não a espada imaginária,
Mas seus próprios instrumentos, o machado e a corda;
Então, em uma nuvem, a bela de olhos vendados:
A justiça em pessoa, impelida pelo ar;
Em volta de sua carruagem, e na retaguarda,
Seguiram sargentos, esbirros de todas a espécie,
Beleguins e todos aqueles funcionários
Que das lágrimas arrancam seu sustento.
Embora vivesse a medicina enquanto houvesse doentes,
Ninguém prescrevia senão abelhas habilitadas,
As quais dispersaram-se tanto pela colmeia
Que nenhuma precisava de condução;
Deixaram de lado controvérsias inúteis e esforçaram-se
Por livrar os pacientes do sofrimento;
Abandonaram as drogas produzidas em países desonestos
E usaram os produtos da sua própria terra,
Sabendo que os deuses não mandam doenças
A nações sem remédios.
O clero despertou da preguiça;
Não mais delegaram suas incumbências às abelhas auxiliares;
Isentos de vício, serviram pessoalmente
Aos deuses, com oração e sacrifício.
Todos os que eram inaptos, ou sabiam
Serem dispensáveis seus serviços, retiraram-se;
Nem havia trabalho para tantos
(se é que os honestos precisam de algum).
Somente uns poucos permaneceram com o sumo sacerdote,
A quem os demais juraram obediência;
Ele próprio ocupou-se de assuntos divinos,
Cedendo a outro os negócios de estado.
Não escorraçou de sua porta nenhum faminto,
Nem roubou aos pobres seu salário;
Em sua casa os esfomeados foram alimentados,
Os subordinados tiveram pão sem restrições,
E os viajantes necessitados, cama e comida.
Entre os grandes ministros do rei
E todos os administradores subalternos
A mudança foi grande pois, frugalmente,
Passaram a viver de seu salário.
Que uma abelha pobre viesse dez vezes
Pedir o que lhe era devido, uma quantia irrisória,
E por um escrivão bem pago fosse obrigada
A dar algo por fora ou nunca receber,
Seria agora considerado absoluta desonestidade,
Embora antes fosse prerrogativa.
Todos os lugares, antes administrados por três,
Que vigiavam mutuamente suas velhacarias,
E muitas vezes, por camaradagem,
Promoviam os roubos uns dos outros,
Felizmente passaram a ser geridos por um só;
Com isso, foram-se outros milhares.
Nenhuma honra agora poderia satisfazer-se
Em viver devendo pelo que gastava;
Librés ficaram expostas em lojas de penhores,
Desfizeram-se de carruagens por uma pechincha,
Venderam cavalos magníficos às parelhas,
E casas de campo para saldar dívidas.
Evitou-se o gasto inútil tanto quanto a fraude;
Não mais mantiveram exércitos no exterior;
Riram-se da estima dos estrangeiros
E das glórias vãs conseguidas com guerras;
Lutaram, mas pelo bem da pátria,
Quando o direito e a liberdade estavam em jogo.
Olhai agora a gloriosa colmeia e vede
Como se conciliam honestidade e negócios:
O espetáculo terminou; esvaiu-se rapidamente,
E apresentou-se com face bastante diversa,
Pois não só foram-se aqueles
Que somas vultosas gastavam anualmente,
Mas multidões, que neles tinham seu ganha-pão,
Foram diariamente forçadas a fazer o mesmo;
Inutilmente buscara outros ofícios,
Pois estavam todos superlotados.
Caiu o preço da terra e das casas;
Palácios maravilhosos, cujos muros,
Como os de Tebas, foram feitos para o espetáculo.
Puseram-se para alugar, enquanto os outrora garridos,
Bem estabelecidos deuses domésticos ficariam
Mais satisfeitos em morrer no fogo do que ver
A modesta inscrição na porta
Sorrir das soberbas que eles exibiam.
A construção civil foi aniquilada,
Não se empregaram mais artífices,
Nenhum pintor ganhou fama por sua arte,
Canteiros e entalhadores não se tornaram conhecidos.
Os que permaneceram tornaram-se moderados,
Esforçaram-se não para gastar, mas para viver,
E, tendo pago a conta da taverna,
Resolveram lá não mais entrar.
Nenhuma ex-noiva de taverneiro em toda a colmeia
Pôde, então, usar tecidos de ouro e prosperar,
Nem perdulários adiantar tão grandes quantias
Para borgonhas e verdascos.
Foi-se o cortesão que com sua querida,
Diariamente ali jantava um banquete de natal,
Gastando, em duas horas de estada,
O que sustentaria o dia todo uma tropa de cavalaria.
O arrogante Cloé, que para viver à grande,
Fizera seu marido roubar ao Estado,
Agora, contudo, vendeu sua mobília,
Que fora saqueada nas Índias,
Reduziu o dispendioso cardápio,
E usou um ano inteiro os mesmo trajes duráveis:
A era da futilidade e do capricho passou,
E as roupas, bem como as modas, permaneceram.
Tecelões que produziam ricos brocados
E todos os ofícios subordinados
Extinguiram-se. Ainda reinava a paz e a abundância,
E tudo era barato, porém simples.
A bondosa Natureza, livre do jugo dos jardineiros,
Concedia todos os frutos no seu próprio tempo;
Contudo, raridades não se podia mais obter
Quando os esforços para consegui-las não eram pagos.
À medida que minguaram orgulho e luxo,
Gradativamente deixaram os mares,
Agora não os mercadores, mas companhias.
Fecharam fábricas inteiras.
Todas as artes e ofícios foram abandonados.
O contentamento, ruína da indústria,
Fê-lo apreciar seu estoque caseiro
E não buscar nem cobiçar mais.
Assim, poucos permaneceram na vasta colméia;
Não puderam manter nem a centésima parte
Contra as afrontas dos numerosos inimigos,
A quem, valentemente, enfrentavam,
Até encontrar algum refúgio bastante fortificado,
Onde morriam ou defendiam seu território.
Não houve mercenários em seu exército;
Bravamente, lutaram eles próprios.
Sua coragem e integridade
Foram finalmente coroadas com a vitória.
Triunfaram, porém não sem custo,
Pois milhares de abelhas pereceram.
Calejadas dos árduos trabalhos e exercícios,
Consideraram vicio a própria comodidade,
O que aperfeiçoou de tal modo sua moderação.
Que, para evitar extravagâncias,
Voaram para uma árvore oca,
Abençoadas com satisfação e honestidade.


9 de mai. de 2013

O amor é um buraco aceso!


O amor é de longe, o exercício mais irracional e obscuro gerado pelo corpo humano. Um caminho que vai alem das fronteiras do raciocínio, e tem mais a ver com os mecanismos foscos, por ignotos, da nossa alma, que o uso de argumentos presentes da realidade! Entretanto nos desenganamos, e então tudo parece trabalhar contra o amor, desde as rotinas do trabalho, com as misérias que lhe são inerentes, até as rotinas familiares e existenciais, passando pelas impudicas exibições do individualismo, as quais assistimos, com perplexidade cada vez mais rarefeita, dia sim outro também, incorporados até a raiz na esfera pública.
Não, não é a política e as suas imoralidades e suas consequências morais, que não favorecem o primeiro impulso da solidariedade (um tipo de amor), que nos comove e nos move. Isso, talvez nos empurre para uma intimidade fosca, de equilíbrio inexpugnável atrás do parapeito de nossa fragilidade.
Pense em quem se apaixona! De partida perde as cercas da sua personalidade e se transforma, para se entregar à joia irreflexiva da alteridade, ao gozo lancinante do auto-esquecimento, numa pista que o leva a correr até o esgotamento, pelo simples fato de correr e como resposta ao tema. “Enquanto a tudo devoro, tudo se vai” ou “Pela escuridão é devorado. Tudo o que com tamanha rapidez brilha em ruína se vai." É Sheakespeare! É a celebração do instante inalcançável, um lá menor com sexta seguido de mi também menor também com sexta, o triunfo absoluto da paixão, que forja, dá formas, à natureza do amor, tão humana, tão animal, tão incompreensível, que para nos certificarmos, de tal existência e remotamente entendê-la, não podemos, senão a exercer e desenrolhar este champanhe e celebrá-lo sem pudor, quase obscenos, a demolir qualquer símbolo.
Um fanático do amor é um tolo, pode ser, um velho que se faz criança, ridículo de repente, e recomeça, e refaz-se e na sábia inocência que sai de si para se perder no ser amado, por fim, recomeçar e recomeçar no nada, do nada e no nada encontrar-se. O amor é um buraco aceso.    

6 de mai. de 2013

Fim da utopia.



Vivemos num mundo profundamente desigual, duma desigualdade flagrante e nada retórica. Se o planeta fosse uma Bonfim de 100 habitantes, haveria 47 que passariam fome ou se alimentariam de modo insuficiente, 24 que não teriam acesso a eletricidade e 13 que passariam uma vida sisificada a transportar água, (não conseguem pagar as contas de água e luz) mais que nada para os ricos que seriam os restantes 6 entre médios e ricaços, e os 10 que faltam seriam os médios baixos. Assim sendo 60 pessoas penam neste abstrato município para 'chegar' ao fim do mês.
Podemos viver seguros e moderadamente satisfeitos em tais circunstâncias? Não nos sentiremos cada vez mais em perigo, mais encurralados pela desesperação dos excluídos, tanto dos munícipes como dos desgraçados vizinhos, já que não existe fronteira ou é porosa?
Que opção temos ? De um lado o autoritarismo, que propõe trocar a liberdade e a 'justiça' pela segurança. Do outro, podemos nos resignar ao que Italo Calvino escreveu no livro As Cidades Invisíveis
( “ O inferno dos vivos não é alguma coisa que será: se não existe inferno, é que já o é aqui, inferno que vivemos cada dia, que formamos entre todos), e fazer de conta que não o vemos. Uma vez evaporada as utopias revolucionárias ( em parte porque desaguaram quase sempre no terror: a revolução francesa, a soviética, a de Mao, a dos Khmer vermelho do Camboja etc), talvez nada mais nos restará que uma terceira opção, também descrita por Calvino ''procurar e saber reconhecer quais pessoas e quais coisas, no meio do inferno, não são infernais, e fazer com que durem e dar-lhes espaço'''. 


2 de mai. de 2013

E o buraco da bala? Fede pólvora!



Dois homens numa encruzilhada olhavam o mesmo escudo, para um, sua face era de prata, o outro a via dourada. Um daroês lhes mostra que ambos estão certos e errados. Concomitantemente. Essas duas caras, quando poucas, de uma verdade é o que fascina e aniquila. Fascina sempre que o dervis não tem exército, pois em tê-lo este acaba por obrigar-nos a uma delas.
Existem alguns métodos de interpretação da narrativa humana, qual seja, a vida. O que mais me encanta é materialismo histórico e dialético, onde a dialética pressupõe, na verdade, confronta contradições materiais. Evolui pelo atrito. O homem coisa, a coisa e a coisa feita|transformada pelo homem no tempo e o homem que se transforma ao transformar a coisa; isso é história. Não há quem narre a história senão o homem (e há  bastantes dúvidas da existência do objeto, quando ao objeto não cabe papel de sujeito da ação – a pedra rolou ou a gravidade rolou a pedra!), foi necessário que a pedra e o caminho fossem anunciados pelo poeta: tinha! Pois bem esta hermenêutica, este instrumento interpretador anuncia que este homem se faz no contato com a coisa e sua natureza, se faz ao transformar a coisa. Se transforma dependente que é do modo de produzir a mudança na coisa, esta opera nele alterações que a ele se incorpora. Que seja: o modo de produzir e o ato produzem o homem, a coisa e a história. A história se dá quando da inclusão da variante tempo na produção e reprodução do homem, a natureza – geografia, clima, fauna e flora etc - a coisa e a natureza da coisa – objeto não sensível, produto da atividade e sensibilidade humana - e do homem, objeto, sujeito e predicado.
É muito simples, se não existe propriedade não existe ladrão. Assim só a propriedade é capaz de justificar o roubo e o assassinato, posto que as armas foram inventadas para proteger a propriedade. Imagino a dificuldade que seria matar – desarmado - a um semelhante, se facilmente se exaurem nossas forças, já que roubar a vida de outrem é impossível, podemos matar o outro, mas de sua vida nada podemos reter. Assim mata-se por não haver recebido o equivalente a uma pedra de crack. É certo que dir-se-ia: se não houvesse a arma o homicídio seria dificultado, posto que implicaria num encontro corporal, numa briga onde se medem as forças até a morte de um dos oponentes. Não vi nenhum filme que tenha conseguido mostrar o horror, a tragédia que isso encerra. Digo das pelejas de minha adolescência, que não traziam implícitas o fim último. Com a arma de fogo se facilitou, por higiênica, o homicídio. Não há esse contato violento de pele, de suor, de cheiro e de pavor que se estampa no gesto do outro. Poder-se-ia dizer: banalizou-se o homicídio. É notório que não. Banalizou-se a produção e o comércio de armas, sim, ao mesmo tempo que o homem é banalizado. Não é a vida que está banal. Pois a vida é o homem, vivo ou morto. Banal o homem, banal a vida, banal a morte.
A minha pergunta é: onde começa a vulgarização do homem. A minha resposta é: no modo de produção. Não deve-se esquecer que o modo de produção acarreta em produzir|consumir onde há um consumo de produção que é anterior ao produto, o consumo do produto que implica em nova produção, que remete ao consumo das forças vitais do homem e de sua natureza e da relação do homem com a natureza. Deve-se dizer que o homem já foi natureza. Foi natureza quando estendia a mão e colhia o fruto, neste momento a natureza – flora (planta) e fauna (homem) – não terminava na banana, continuava através do homem. Não há como separar da natureza, como ato da natureza, uma traíra comendo um bagre. O rio, o bagre e a traíra “é” natureza independente do que façam. Mas um homem comendo uma banana, nada tem a ver de natural. É uma relação estética, no seu lado mais pedante que é parecer natural. Uma banana é no mínimo o envelhecimento precoce de um homem outro que a produz dentro duma relação de apropriação das forças vitais da bananeira e do homem. A banana vulgarizada faz o homem vulgar, esse homem vulgarizado não adquire nem o valor daquilo que produz. Citado por Marx, Ricardo diz: reduzi o valor da cesta básica e assim se reduzirá o valor do homem. Marx acrescenta que o cinismo não está em Ricardo, mas na "coisa" em si, no modo de produção.
A terra gira e até as utopias, inclusive, pia fraude. Mas a utopia é a geografia prometida, que foge de nós os mesmos passos que damos na sua direção. 
O retorno a natureza é a utopia. Poder-se-ia dizer: é um modismo. Não é. É uma súplica desesperada. Começar de novo, de uma maneira diferente. Coisa que o capitalismo, que é o modo de produção, o sistema engendrador de tudo que é bom e ruim, bem e mal, parece não oferecer saída. É a busca máxima de Charles Bukowiski poeta imprestável, proletário e bêbado: o útero.  

A Morte é a morte do desejo?




Dizem que formar-se é questão de desejo. Sendo isso, tudo aquilo que aprendemos, sobretudo nos primeiros anos da vida, a infância e na primeira adolescência, penetra e forja-se no nosso interior através dos impulsos, da curiosidade para nos expandirmos os sonhos de possuir os objetos do nosso anseio. Um espirito passivo se coloca justo do lado contrário da aprendizagem pessoal, o intimo, porque alguém que se abandona à quietude quer tornar-se impermeável e deixar de crescer e evoluir: frequentemente é gente com medo às mudanças, estas sempre comportam instabilidade. Mas o desejo, o desejo no estado puro, é, e há de ser, inconsciente, uma fagulha em constante brilho em busca de uma atmosfera por explodir.
Vejam se não, numa criança ao se despertar depois de belo sono; o universo já está lá, nele, com tão somente a chegada da consciência, um terreno para explorar, os objetos dançam em torno dele, como se existissem tão somente para ele, as caras, as vozes que o rodeiam tudo surge um dia para ali estar, aqui e agora, ao seu serviço, e da sua felicidade.
Como perdemos o desejo? Porque, pouco a pouco perdemos o desejo que alimenta nossa aprendizagem, a primeira comida, a bebida, o primeiro livro, o primeiro sexo, a beleza, o primeiro amor... e passamos a nos ocupar com a perseverança da passagem do tempo e a experiência desse passar do tempo.
Com a literatura transformamos a fascinação, a curiosidade em formas de indagar do pensamento, mas tudo desemboca em quietude outra vez.
Desaparecido o desejo, o mundo se apequena, e as coisas não são outras que perfis clonados que se encadeiam com previsão matemática. Ser adulto é isso! Quem sabe?
Os jovens se deixam seduzir por personagens inverossímeis, por uma simples rima, por uma melodia, por um ritmo, pela simplicidade de um argumento, mas o adulto se sente cansado tanto pelos desejos falhados, como pelos conseguidos e pelos que acabamos de conseguir. É um estágio mais próximo da morte! Porque o desejo, sai de nós e projeta-se fora! Ao mesmo tempo e por outro lado o tempo se encurta e o desejo do mundo nos toma e nos conduz! Pode ser, que recuperemos um pouco da criança que aprende e desaprende, afim de voltar a se maravilhar com um mundo rejuvenescido!
É certo, assim, que o desejo nos forma, por bem ou por mal! E se somos levados pela sua mão, acabamos sendo o que somos, sabendo o que sabemos. Sem ele, não somos nada, ou espectros acinzentados, pasteurizados das todas outras cores.   

Lobão (racista) que extraio da entrevista à Ilustrada.



Na entrevista, Lobão disse que "Emicida, Criolo, todos têm essa postura, neguinho não olha, não te cumprimenta. Vai criar uma cizânia que nunca teve, ódios [raciais] estão sendo recrudescidos de razões históricas que nunca aconteceram aqui. Estão importando Black Panthers, Ku Klux Klan. Tem essa coisa de "branquinho, perdeu, vamos tomar seu lugar". Como permitem esse discurso?".









“Cizânia que nunca teve”.

Pode ser que tenha a ver com o caráter de uma gente acostumada a calar e abaixar a cabeça, a não subir o tom de voz, a conseguir ínfimas margens de liberdade, esperando, obviando, sibilando orações, para não molestar ninguém. Também pode ser por entremear frases com suavizadores, sinhô, sim sinhô, dotô, diminutivos a mancheia dando uma patina de discrição ao conteúdo, uma humildade discreta e proletária às orações simples de sujeito, verbo e predicado em diminutivo; incapazes de uma subordinação, a tal hipotaxe preterida à paratática, talvez por sentimento atávico de reticência à submissão, e por isso talvez, tenham sempre se dedicado às insignificâncias, quando minguavam de sentido aos demais, umas acabariam por tornarem-se alvo do alto interesse de outros, como o samba, o ritmo em si, a bola, o jogo da bola em si, mudado, mas para os então humilhados não era mais que um calor cotidiano de familiaridade advinda da comodidade dessa gente assim recolhida e ensimesmada.  Sendo gente que tinha mais siso que oclusão,  não quer dizer, entretanto, que a ''coisa'' assim devesse permanecer, ou que fosse natural.
O grande espanto de Lobão, neste sentido não é nada diferente do pensamento – cultura – conservador – diga-se de passagem que isto não é inerente tão somente às classes sociais – e tanto desse espanto e é assim, porque descobre que a ex “gente humilde” tem sua própria cultura, ou leitura, consumo e da posterior ruminação tem industriado sua, por exemplo, música cheia de arestas e areias e ruídos, que geram mesmo, isso sim, muito atrito; talvez porque vivamos numa sociedade toda ela atrito. Talvez Ipanema e Leblon pensavam que os habitantes do morro existiam para engraxar seus sapatos e para alegrar o 'dotô' tiravam um samba com a flanela.

19 de abr. de 2013

Oliver Twist. A menoridade. Um suave paralelo.


Oliver Twist.
Charles Dickens,
Ruppert von Wyk

Século 19, Inglaterra, um órfão do interior que sofre nas garras das instituições do governo para órfãos. Por querer mais comer é entregue ao coveiro, como aprendiz. Foge para Londres e se junta a um bando de trombadinhas, comandados pelo judeu Fagin, a ideia do judeu avaro é velha, talvez tenha sido tão bem aceita na Alemanha do séc 20, Fagin vive da exploração destes meninos que, a miúde, vivem a roubar, furtar pelas ruas de Londres. Oliver não quer se corromper, tampouco consegue fugir deste círculo de pobreza e criminalidade. Com o correr da história é ajudado por uma família, qual afinal pertence.
Trata-se da Inglaterra injusta, sem estado social, do século 19, com um direito liberal, feito para as classes dominantes, é deste substrato que parte Dickens, para retratar as mazelas da justiça no estado inglês.
O estado liberal transitava ao estado social, e portanto temos ainda um estado com imensa desigualdade social, fins do séc 18 para o 19.
Há dois pontos chaves do livro que se pode discutir, não é necessário traçar paralelismos óbvios com a realidade nacional.
O primeiro é a desigualdade social.
Outro é a exploração do trabalhador, no livro o trabalho infantil.
Naquele momento havia na Inglaterra, naquele momento, um aumento substancial da população urbana, os livros, em particular Oliver Twist fora publicado em capítulos, e Dickens tecnicamente utilizava o recurso de em cada final de capítulo, que à Sherazade deixa a obra suspendida, é o suspense, o que literariamente é o que nos prende ao final de cada capítulo e é talento de Dickens. Charles Dickens deixa plasmada na obra a sua crença moral entre o bom e o mau, o certo e o errado.
A vida boa, welfare state, vem como necessidade do fracasso do liberalismo do estado ausentado, rarefeito, da lei mantenedora do status quo.

No julgamento do menino Jack, Raposo, ou Matreiro, que encontrou e apresentou Oliver para a turma, pergunta no tribunal: Quem é você para me julgar?
Quem é você para me dizer o que bom e o que é ruim? Pergunta é feita ao Fiscal da Lei.
Fagin é apresentado diante do fogo, com um garfo, é feio, esconde dinheiro, a riqueza que tem a partir dos meninos ladrões, no entanto é quem dá, se é que exista ali, certa dignidade aos meninos. Comem, são respeitados, tanto é que por ocasião da prisão de Raposo, Fagin tem esperança que este tena oportunidade de demonstrar todas suas qualidades de ladrão.
Fagin ainda no julgamento assume o discurso das classes que recebem o tratamento diferenciado da justiça. Faz tese sobre o direito de roubar: se você não rouba, alguém roubará, assim Oliver deveria ocupar este espaço, Fagin.
Dickens não está a insuflar o furto ou dele faça apologia, mas diante das diferenças sociais tão gritantes, é quase a tese da desobediência civil, legitima defesa, porque são furtos famélicos diante da extrema injustiça social da Inglaterra vitoriana, a justiça a serviço de Sua Majestade, de meninos a trabalhar em reformatórios, tudo em nome de Sua Majestade.
Miséria pouca é bobagem.
Dickens faz critica direta ao Estado, ao sistema jurídico, do estado.
Rose Fleming e Maylie ao salvarem Oliver Twist, ficam em dúvida, entregam ou não o menino à justiça, mas decidem por não entregá-lo, porque os frios funcionários da lei não iriam entender, contextualizar.
Porque o Estado Liberal é absenteísta, deixa acontecer, e o que se vê no livro é a pouca diferença entre o que acontece com os meninos ingleses e os escravos em outras paragens do mundo, então, porque as leis, naquele momento, legitimavam a exploração dos garotos, para que pagassem seu sustento, e o pecado de Oliver é ser órfão e faminto.
Na obra se percebe no entanto que havia o clamor para mudanças, na direção de uma intervenção estatal no Estado ausente, portanto, Liberal.
Oliver, segundo o bedel Bumble, fica raivoso, por haver comido muita carne dada por seu patrão. É a ideia de que quem dá emprego faz um favor, mas a animosidade é a clara demonstração que a sociedade busca por rupturas.
O humor fica por conta do espanto dos ricos e gordos comilões ao se depararem com a vontade de comer dos pobres, se o estado lhes tem dado tanto para comer. Isso me lembra muito o episódio do Romanée Conti e a cúpula do governo petista, que gerou tanta animosidade dentro da classe média brasileira. Mas mais que isso, as classes dominantes se espantam ao se depararem com uma classe de desgraçados, mas que ainda quer viver.
Brownlow é a justiça, o homem bom, a justiça do homem bom, por que o judiciário não era confiável, por existir tão somente para preservar o status quo. O judiciário aplica a norma posta, a lei não quer saber de contexto.
O final é redentor, de vida no campo, tranquila e feliz.

18 de abr. de 2013

Homens à frente do seu tempo. Alckmin e Consortes!





Salta aos olhos neste momento – a maioridade penal – tratar-se de uma questão bastante abrangente, espacialmente e temporalmente abrangente, e por tanto, temos que levar em conta os limites da nossa observação.
Para onde devemos olhar, para o quê? Se temos diante de nós o desafio de compreender um fenômeno, um evento, uma realidade específica inscrita da raiz à copa de nossa árvore socialmente admitida.
Enfim, para onde devemos voltar nosso olhar? Por óbvio, nenhum fato, nenhuma realidade, nenhuma feição social específica é compreensível apenas por ela mesma. De outro modo, toda e qualquer 'coisa' que queremos entender deve partir do pressuposto, que qualquer fenômeno tem distintas abrangências. Ter distintas abrangências vale dizer, que o significado daquilo está sempre parcialmente, não naquilo que queremos entender, mas compõe-se na moldura daquilo que queremos entender, uma unidade lógica, uma unidade histórica.
Volta a pergunta: até onde nos leva a observação de algo que é característico do nosso tempo: A violência? Digo mais, justo quando toda violência deveria haver sido obliterada, junto com os violentos, que à socapa ainda fazem ruídos.
Há em nossa sociedade a presunção de que algo, pessoa, artista etc, está à frente de seu tempo. É um lugar comum em meio a muitos lugares comuns, por confortável. E são tão repercutidos que adquirem concretude, a concretude de uma presunção. No entanto, nada está a frente de seu tempo, porque estar a frente de seu tempo implica na existência de um futuro definido e portanto conhecido de antemão. Como se a vida fosse uma sequência lógica e coerente de unidades, sendo assim teríamos matado seu enigma.
O que há são indivíduos, sociedades que conseguem olhar para uma determinada situação e enquadrarem – desculpem a linguagem de delegado e advogado de porta de cadeia, mas é a única que temos ouvido neste tempo coevo – todos os elementos necessários para conseguir definir, sintetizar, conceituar e solucionar melhormente determinada situação ou problema.
Porque a vida, a história da vida, é criação humana e não pura inevitabilidade, mas ação conduzida pela própria sociedade.
Assim os gênios, seres, que estão à frente do seu tempo serão indivíduos capazes de captar elementos do tempo, mesmo, em que vivem, mais que a maioria de seus contemporâneos.
Então qual é o nosso tempo? Nada, senão todo o tempo histórico que conhecemos mais as feições da urgência do hoje, do agora.
O que significa então recrudescer relativamente às normas penais? Voltar no tempo, dirão todos aqueles, que tiveram o interesse em observar acuradamente a história da nossa sociedade, percorrida neste caminho. Tais agravantes penais já constituíram desde 1830 nosso código até às bordas da nossa recente e ressentida democracia, sendo que suas providências são justamente o que ainda se faz necessário combater.
Então que ao menos se acautelem das indumentárias adequadas, chapéus, bengalas e relógio de bolso sacados daí por correntinhas, para se adequarem ao tempo de suas astucias.

imploda esta ideia.

16 de abr. de 2013

Classes. A luta de Classes. Conceito e Categoria.



      Como todo e qualquer fenômeno histórico, as palavras que nós usamos, também se modificam ao longo do tempo e do espaço, ainda que muita besta 'ache' que não, as bestas não pensam, quando muito 'acham'.
                 As formas de aproximação com a realidade expressa linguisticamente são historicizáveis. Que nada mais quer dizer que são passiveis de análise histórica. Deveríamos fazer uma história das palavras, porque afinal de contas, são ferramentas essenciais, tradicionais de expressão do conhecimento, da realidade, de expressão de visão e vivências do mundo. Ainda que nem tudo no mundo se expresse por palavras.
Como fazer a história das palavras?
               Óbvio que as formas das palavras mudam ou se mantêm ao longo da história, tudo muda ao longo da história, mas algumas dessas formas podem se manter por longos períodos, de modo que podemos consultar um glossário, um dicionário, um vocabulário antigos e constatar a existência de palavras idênticas às que usamos hoje. Também constataremos nestes repertórios da língua a existência de palavras que não existem mais, ou hoje muito pouco utilizadas. E em contrapartida se abrirmos hoje o grande Houaiss, que tem uma besta como detrator, várias palavras lá lexicografadas, não faziam parte dos repertórios antigos de nossa língua.
                Esta é a dinâmica a ser percebida: as pessoas se expressam ao largo do tempo usando
a) mesmas palavras com sentido iguais;
b) mesmas palavras com sentidos distintos e
c) novas palavras.
d) Além de alguma matização, gradação.
                Há portanto uma vasta gama de fenômenos que se escondem por detrás desta dinâmica.
Não é difícil imaginá-los, suponho. Imaginemos se pudéssemos rastrear a linguagem não erudita, seria de enlouquecer! Porque neste âmbito, o plano das transformações são muito mais rápidos. Palavras como as gírias que são empregadas por lapsos de tempo muito restrito, nem é possível imaginar, imaginem um diálogo entre um tapuia e um cidadão do tempo da colônia! Nem é passível de imaginação. Enfim. Porque nos expressamos coloquialmente de modos diferentes entre pequenos grupos, famílias etc. Em casa falamos pón, cidón, caminhón, avión etc. E o verbo “dar” na primeira do singular dizemos: Eu di, desde o tempo do velho Emílio. Ou seja, jogo de palavras desta dinâmica a amoitar fenômenos.

               No entanto, podemos ir além, porque o jogo dos significados das palavras faz com que umas palavras estejam mais próximas das outras. Faz com que num determinado tempo e espaço, um conjunto de palavra se articule em um sistema e faz com que a compreensão do sentido de uma palavra dependa da compreensão do sentido de outra palavra. Está composto assim um grupo articulado de palavras, com seus significados, que muitas vezes seus significados são convergentes, outras significados que se cruzam, sinônimos perfeitos e imperfeitos, configurando de todo modo o que se pode chamar de um sistema.

          Este sistema de ideias, expresso em palavras pode resultar na formação de conceitos. Sendo um conceito um conjunto de significados atribuídos a uma ou mais palavras dispostas em um sistema. Ufa! Um conceito então não é uma simples palavra. Isto é, é um palavra em meio a outras expressões linguísticas que possui um sentido específico. Um sentido histórico, portanto.
Assim nem toda palavra é um conceito, é necessário que as palavras tenham se articulado e adquirido determinada complexidade, algumas em função de outras, para que daí surja um conceito.
Um exemplo qualquer de conceito:  Classe.

       Classe pode ser uma sala de aula, ou ainda os alunos de determinada sala de aula, ou de determinada turma de um colégio: primeiro colegial B. Se for 'dar' uma de Houaiss ou Aurélio e lexicografar classe, posso dizer que se trata de um espaço específico, mais, e alunos que possuindo algo em comum se transformam numa classe de estudantes.
Também podemos chamar de classe uma categoria de coisas: automóveis da classe luxo. É um tipo de coisas diferentes mas que têm atributos em comum. Mas classe pode ser uma categoria social num sentido ainda mais amplo, aonde todos são distintos.

             Mas o que significa então uma classe social? Aqui temos algumas possibilidades analíticas, por exemplo, a posição dos indivíduos perante os meios de produção. Isso quer dizer que os indivíduos que são proprietários dos meios de produção não são da mesma classe dos que não detêm o instrumentos de produção. Não há como confundi-los, porque os que não detêm os modos de produção estão subordinados aos outros. Porque aqueles têm que transferir uma parte de sua força de trabalho, que é sua propriedade, para aquele que detém os instrumentos ou a propriedade em si.
Daí as configurações sociais deste fato advindas serem assimétricas. Configuração esta que depende então da classe que o indivíduo é oriundo. Obviamente que isto reporta as ciências sociais, humanas e claro que reporta a Marx e seus seguidores.

              Esta relação uma vez assimétrica é conflitiva, nem sempre aberta, mas sempre latente, porque traz no seu bojo a submissão de uma pessoa de uma classe por outra de outra classe. Porque toda lógica de dominação implica numa tensão. Claro que o tratamento aqui é banal, mas pode-se traduzir por luta de classes.

           Vejam a distancia entre classe de estudantes e classe social, uma riquíssima historia.
Por isso 'classe' é um conceito, é uma palavra de densidade, porque carrega consigo classe social e associadas a ela outras palavras como trabalho, dominação, tensão, produção, sociedade etc.
Portanto para entender o que é classe social, temos que entender o trabalho, meios de produção, produção e todos são conceitos.

           Podemos então estudar a história das palavras, é certo que a sociedade não se revela nestas palavrinhas especiais, mas sem dúvida uma parte significativa da sociedade se descortina a partir da observação dos jogos de significados das palavras.

       Há no entanto uma diferença entre categoria e conceito, conceito é uma realidade a ser levada em conta, é um fenômeno a ser analisado, é algo que está na história e temos que analisar. Já uma categoria é uma ideia da qual podemos nos valer para interpretar a realidade, inclusive a realidade dos conceitos.
Assim classes, ou luta de classes na história são, ou podem ser categorias de análises e somente serão conceitos ao se estudar Karl Marx, melhor dito, para entender o pensamento de Karl Marx, porque em Marx classe é um conceito central.

      Deste modo vamos adiante e vamos porque sabemos que um conceito não é uma simples palavra, mas é uma palavra, que em meio a um conjunto de outras expressões linguísticas possuem um sentido específico, um sentido histórico, portanto. Nem toda palavra é um conceito, é necessário que as palavras tenham se articulado, tenham adquirido uma determinada complexidade, algumas em função de outras para que daí surja um conceito.

        Classe então! Classe é uma palavra, cheia de significados. Classe pode expressar realidades, porque emerge de realidades, mas Classe pode ser inadvertidamente utilizada, para explicar realidades que não criam ideias de Classe.
         Há portanto a necessidade de se fazer também, uma história de identidades coletivas. Que é isto? História de identidade coletiva, é a história de um fenômeno social, um fenômeno social que de alguma forma sempre se expressa ao longo da história. Afinal, como as pessoas expressam seu pertencimento a um determinado grupo?

        Porque todas as pessoas fazem parte de grupos, todo indivíduo faz parte da sociedade, mas sociedade é uma forma genérica, em relação a uma realidade. Podemos discernir em meio a sociedade, alguns grupos específicos, que obviamente não vivem isolados uns em relação aos outros, mas que têm algumas lógicas próprias. É desta maneira que temos a sociedade brasileira, mas não isolada do mundo. Nem tribos são totalmente isoladas do mundo.

         Estas formas de inserção de grupos sociais numa realidade mais ampla, a sociedade, passam necessariamente pelo compartilhamento de experiências em comum. A impressa joga o seu papel nisso tudo. A mídia é compartilhada.
        Benedict Anderson (1983) em Comunidades Imaginadas, argumenta que uma das formas de criação de uma comunidade, coesa, é o compartilhamento de experiências em comum, por exemplo, aquelas propiciadas, as experiências, pela imprensa. O fato de se ligar a TV e assistir um programa qualquer, sabendo que outras pessoas, trinta milhões, estão assistindo o mesmo programa, mesmo que obviamente não se conheça a nenhuma outra das milhões de pessoas, faz com que nos sintamos parte de algo, alguns programas mais do que outros, é a experiência propiciada pela vida moderna, diz Anderson. Esta é uma das perspectivas também possíveis para se entender estas identidades coletivas.  

15 de abr. de 2013

Letras e Letrados do Séc 18. Breve estudo.


Até o século 18 o indivíduo não havia sido inventado em parte alguma do planeta. De outro modo, o indivíduo estava para ser inventado. O valor dado à obra, segundo a autoria, é posterior ao séc 18, o pintor Caravaggio era um artesão, um sujeito que manejava convenções, pintava o religioso, a natureza morta, movimentos etc. Realizações subjetivas não existiam. Por isso havia tanta ''autoria'' anônima. Por exemplo, Gregório de Matos:

           Triste Bahia.

Triste Bahia! Ó quão dessemelhante
Estás e estou do nosso antigo estado!
Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado,
Rica te vi eu já, tu a mi abundade.

A ti trocou-te a máquina mercante,
Que em tua larga barra tem entrado,
A mim foi-me trocando, e tem trocado,
Tanto negócio e tanto negociante.

Deste em dar tanto açúcar excelente
Pelas drogas inúteis que abelhuda
Simples aceitas do sagaz Brichote.

Oh se quisera Deus que de repente
um dia amanheceras tão sisuda
Que fora de algodão o teu capote!

Atribui-se a Gregório de Matos este poema. Somos instados a lê-lo e o temos lido como critica a uma situação colonial, mas não é uma critica aos fundamentos, ele se vale da convenção, dos limites preestabelecidos por uma convenção, que é a produção de sátira. É uma sátira que prevê a critica, nada de revolucionaria; critica esperada aos costumes, modos de vida e situações. O poeta que fazia sátira tinha que criticar. Como um crucifixo nos dias de hoje, não quer dizer que seu portador seja um cristão. A cultura letrada era então o manipular de convenções.
O séc 18 conhece Basílio da gama, Santa Rita Durão, Silva Alvarenga, Cláudio Manoel da Costa, Alvarenga Peixoto, Tomas Antônio Gonzaga, todos portugueses, manipulando convenções típicas de sua época. Não extrapolam os limites, reproduzindo a sociedade. Na inconfidência não se produziram inconfidências.
Não há ninguém à frente de seu tempo. Os gênios conseguem se expressar sintetizando coisas que o mundo oferece, o artista é talvez mais do seu tempo que todos os outros.
A logica constitutiva do império português é a diversidade em alguns eixos, populações diferentes, territórios diferentes, realidades diferentes integrando um governo à distância. O império é todo diversidade mas é português e é católico. Estruturas do império português são a monarquia e a igreja católica. Um rei e uma religião.
Por que a cultura letrada deveria seguir uma lógica discrepante? Há elementos específicos num império cheio de especificidades, são criticas esperadas, como em Cartas Chilenas. Não se critica o alto escalão, mas seus representantes, e o representante ao final é aquele que não honrou o Rei. Se o governador é ruim, mata-se o mal governo, para preservar e fortalecer a autoridade máxima. João Adolfo Hansen. Suposta brasilidade. Antônio Cândido. A formação da literatura brasileira. Sérgio Buarque as voltas com antecipação de um Brasil, via letras, parte de um mundo mais amplo. Antônio Cândido propõe que a brasilidade deve ser trocada pela formação da brasilidade, pois está em formação a literatura brasileira em formação.
Formação do Brasil contemporâneo, se forma no passado, a colonização dá feições, constituição a largo prazo.
A poesia do séc 18 é portuguesa eivada de especificidades da colônia. Vocabulário, dicção etc, onde a sociedade estamental, colonial e escravista, não elimina a matriz europeia, prolongamento de manifestação do império sem ser o império.