O
amor é de longe, o exercício mais irracional e obscuro gerado pelo
corpo humano. Um caminho que vai alem das fronteiras do raciocínio,
e tem mais a ver com os mecanismos foscos, por ignotos, da nossa
alma, que o uso de argumentos presentes da realidade! Entretanto nos
desenganamos, e então tudo parece trabalhar contra o amor, desde as
rotinas do trabalho, com as misérias que lhe são inerentes, até as
rotinas familiares e existenciais, passando pelas impudicas exibições
do individualismo, as quais assistimos, com perplexidade cada vez
mais rarefeita, dia sim outro também, incorporados até a raiz na
esfera pública.
Não,
não é a política e as suas imoralidades e suas consequências
morais, que não favorecem o primeiro impulso da solidariedade (um
tipo de amor), que nos comove e nos move. Isso, talvez nos empurre
para uma intimidade fosca, de equilíbrio inexpugnável atrás do
parapeito de nossa fragilidade.
Pense
em quem se apaixona! De partida perde as cercas da sua personalidade
e se transforma, para se entregar à joia irreflexiva da alteridade,
ao gozo lancinante do auto-esquecimento, numa pista que o leva a
correr até o esgotamento, pelo simples fato de correr e como
resposta ao tema. “Enquanto a tudo devoro, tudo se vai” ou “Pela
escuridão é devorado.
Tudo
o
que com tamanha rapidez brilha em ruína se
vai."
É Sheakespeare! É a celebração do instante inalcançável, um lá
menor com sexta seguido de mi também menor também com sexta, o
triunfo absoluto da paixão, que forja, dá formas, à natureza do
amor, tão humana, tão animal, tão incompreensível, que para nos
certificarmos, de tal existência e remotamente entendê-la, não
podemos, senão a exercer e desenrolhar este champanhe e celebrá-lo
sem pudor, quase obscenos, a demolir qualquer símbolo.
Um
fanático do amor é um tolo, pode ser, um velho que se faz criança,
ridículo de repente, e recomeça, e refaz-se e na sábia inocência
que sai de si para se perder no ser amado, por fim, recomeçar e
recomeçar no nada, do nada e no nada encontrar-se. O amor é um
buraco aceso.
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