21 de out. de 2016

Bittencourt, os Pássaros e uma Mina de óculos azuis.


Ali está uma centena de pássaros, pardais e sanhaços, agitando as asas antes da chuva e olhando pela janela da casa 255 da minha rua, janela dos fundos, visão de um hectare de céu, bairro San Leandro, Distrito de Bonfim Paulista, Brasil. Doravante referido como Distrito. Pássaros de olhos incrivelmente pequenos, como aquela vez que o vizinho da frente veio falar comigo, e não levava os óculos. Uma cara imensa e olhinhos infantis de pardal. Pássaros de bicos tão pequenos e delicados como o de uma menininha que tenta tomar água do copo e não quer virar o copo e aperta os lábios que se comprimem num “v” como se desse um beijinho.
    De repente entrou Bittencourt( sobrenome escrito com maiúscula) de sexo masculino com RG e tal e coisa, maior de idade, que doravante chamaremos Macedo, ensaboa o sovaco, os braços e o dorso sem deixar de pensar numa mina de óculos, e se dá conta que gosta muito dela. Na realidade já se deu conta disso faz um tempinho, mas do que ele agora se dá conta é que este fato é chamativo porque o dia que a conheceu se recorda de que parecia tão, mas tão feia, realmente.
    O bando de pássaros que está a janela tem algo de formidável, porque me remete ao never more daquele corvo que quer entrar e permanecer na porta de tua cabeça para te torturar permanentemente a alma pelo resto de teus dias, mas pode ser o contrário, sua atitude admite que o santifiquemos, ave da família dos não sei o quê, que vem a te pegar sem piedade para levar-te até a imortalidade.
Bittencourt não se deu conta de os pássaros estavam voando ao lado da janela porque estava na ducha, inclusivamente do fato de ter tocado o telefone faz algum tempo e não escutou. Bittencourt está se enxaguando, se cheira as axilas para ver se está suficientemente limpo. Agora lava os pés e os tornozelos, Ah! E os joelhos. Segue pensando na moça de cabelos vermelhos e óculos de tartaruga que era feia, mas cuja recordação agora o excita e se lembra da camiseta que levava vestida hoje e que a marcava seus seios.
Os pássaros seguem na janela parados no vôo como um helicóptero ou como um beija flor ou como Dario. Sobem e descem somente fazendo variar a variante “z”. Batem asas assaz rápido, não param nunca. Não os entendo, pois a inação leva ao desastre, veja o meu país, se bem sei os pássaros parecem bobos, mas tem lucidez nisso, igual andar de bicicleta e rodar os pedais para trás quando se para e assim se mantem o equilíbrio, igual boiar dando uma braçada mole para não afundar.
Bittencourt fechou o registro, e assim acabou-se o feitiço das gotinhas que lhe caiam no rosto. Quando se desliga a ducha é que se percebe o barulho infernal que ela faz, um ruído, se se presta atenção, que dá calma necessária para se livrar das preocupações. Acabado esse feitiço, acontece outro bem diferente, que é o silêncio sacro de se secar com uma toalha felpuda e macia, primeiro a cara, o cabelo, a nuca e logo por toda a geografia seus interstícios, baias, insulas...


Agora percebo que o bando de pássaros também tem presente um bem-te-vi. Meu deus, agora parece que estão se agredindo e atacam vidro da janela com seu biquinhos. Acho que querem voar dentro da casa, mas penso nas coisas que fariam se os permitisse, um alvoroço de penas por toda parte, lençóis revolvidos livros caindo como dominó das estantes, e eu teria mais trabalho para descrever essa algazarra, ademais que não sei a mair parte das palavras que se referem a tipos de vôos, apesar de ter lido fernão capelo gaivota.
Bittencourt pisa os ladrilhos do banheiro, já saiu do box, mais ou menos seco, dá para saber pelos cabelos que se aglomeram, o espelho está cheio de neblina condensada. Bittencourt está atento a sua pele e a algo mais que as tetas da moça de óculos. Os atos de banhar-se e de secar-se são extremamente introspectivos e sair do banheiro é um processo de despertar e entrar novamente em contato com a realidade de que ninguém está só.

Por isso, Bittencourt agora escuta os bicos bicando os vidros da janela, mas não sabe o que é e que porra é essa? Pensou que chovia granizo, mas o tempo não está para isso, logo ficou com um pouco de medo, pode ser que alguem entrou e esta roubando a casa. Então se assoma à porta, ainda que o faça devagarinho, para não molhar toda a casa, e quando olha vê que é o bando de pássaro bicando o cristal, que caralho é isso! E se lembra de algumas histórias conhecidas de livros de filmes, não é comparável, porque isso é sério, e fica com medo que os pássaros quebrem o vidro.   

5 de out. de 2016

O Guarda Irlandês.

O Guarda Irlandês.

No palco, Camila deCelso andava de um lado para o outro, soltando fogos pelas ventas, há poucas horas da estréia, e para ela o retorno em grande estilo, e ainda não tinham a personagem figurante desnecessária do policial, cujo não era do seu agrado, se recorda dos últimos finais de semanas passados em Casa Branca, São Simão, Aguaí... sempre que olhava para o fundo do cenário, lá estava ele a incomodá-la, quando deveria ser um vaso sobre a mesa, era um barômetro sobre um piano. Ela se perguntava, que tipo de loucura a do diretor em exigir o policial, a resposta permanecia inacessível e o entendimento rarefeito, o melhor a fazer era relaxar, saiu pelas ruas tentando passar-se incógnita, na cidade que nascera disfarçada sob um lenço escuro e cabisbaixa, rumou para praça Sete, que há tempos fora o coração pulsante da noite ribeirãopretana. Antônio Niterói, como sói até hoje, ocupava a mesa do Dr. Sócrates, quando Sócrates bebia no Empório Brasília. Antônio Niterói e Camila um dia transaram, loucamente, e desde então não se viam. Cada um para um lado. Antônio Niterói, com seu lado apagado, em exposição, era o próprio disco de Odin em comparação a Camila, um ser para ser todo visível e de todos os lados iluminada. Meu deus! Quanto tempo! Pois é! Quanto tempo e ainda linda! Ah Nit! Estou um trapo, eu sou um Mila, você está bem, e você mais moça, desde aquele ob ridículo, nem lembrava mais seu merda, muita coisa passou e passei, casou, casei, descasou descasei! Me diga uma coisa Nit tá com pressa estou toma uma comigo não tenho tempo tenho que ir, ainda procuro um policial policial policial? Sim policial, policial figurante? Só policial, tipo boa praça, não precisa ser boa pinta, posso te ajudar conheço uns camaradas no corpo, para que quer? É para fazer o papel de policial, policial irlandês, daqueles hollywoodianos, sim, sabe aqueles que giram o cassetete nos filmes do Chaplin? Sim! E caminham para um lado e outro, sim! Para isso? Isso mesmo, pode ser gordinho? Pode! Pode! Pode? Pode! Beijo na ponta do nariz! Você continua gracioso! Para quando? Hoje à noite. Hoje? Hoje! Nit, seu merda, nem me lembrava mais do ob, cachorro! Abraçados choraram a rir. Tudo em seqüência Niterói procura no celular e acha Clemente. E ai Clemente? Que manda Niterror? Quer fazer uma ponta numa peça de teatro? Quê, eu? Você mesmo, Pit! Vá te fuder Niterror! Olha essa boca! Quê que eu levo, trabalhar com a Camila? Pitanga? Não! deCelso! É boa? Pneu, cê quer ou não quer? Quê que eu levo? Porra Clemente! Só pensa em dinheiro! Deixa de ser safado Niterror, cê quer ficar com toda a grana, não é? Espera ai Clemente. E ai Camila? Sai algum para o policial? Poxa Nit, e o amor a arte, aparecer no Teatro Pedro II, a meu lado e do Zé , dou uns ingressos para a família dele, tá bem? Cê ouviu Clemente? Reconheci a voz, é ela mesmo? Claro! Eu vou de graça! Manda um ingresso pra dona da pensão e tá certo! E o ensaio? E ai Camila, ensaio! Não tem ensaio, vai direto, ele nem precisa abrir a boca. Certo? Certo! Certo ouvi tudo, pensa que sou burro, porra! Né isso não Clemente! Eu sei o que é! Tudo combinado e Camila não quis ficar para uma cerveja. A Antônio Niterói restou-lhe um par de ingressos e um selinho. Merda! Merda. Nem ela nem ele tinham mais aquela pele triunfante de quando se conheceram, ela estudante de artes cênicas, ele era o mesmo, o que talvez houesse mudado é que sabia se barbear sem o cuidado de se olhar no espelho a sua já calejada face, pelos incontáveis prestobarbas, nunca mais se cortou. Sorriu; sorria sempre para uma câmera imaginária, na vigília ou no bar, donde fosse, fazendo uma tomada bem fechada no anacondo sorriso; por ainda não haver passado pelo que costumava dizer ser a eclusa dos sessenta, onde só cabem os que seguirão a envelhecer. Ficou mais a olhar para a cerveja que a bebê-la, e quando Maiara chegou, chegou também a desculpa para não seguir ali toda aquela noite, o Teatro, Maiara, pensava ele, recusaria? Não recusou.

A Peça.


Cabo Clemente, sim o soldado era Cabo, ligou para os seus superiores diretos, não convidou os subalternos, mas sim, alguns amigos da corporação, ligou ao Capitão da reserva, presidente da Aspomil; e aquilo que as vendas antecipadas anunciavam – fracasso - fracassou, o teatro lotou. Nunca se viu gala tão espartana no teatro D. Pedro II desde a plateia, balcões, galerias e frisas, tudo cheio.
Camila na solidão do camarim, branqueava sua pela já clara, será uma buliçosa cantora de ópera. Clemente pronto para brilhar, diante dos seus, na coxia andava muito falador, o contra-regra sussurrava entre dentes: menos Sr. Clemente menos, abria uma fenda entre as cortinas para lhe mostrar novamente o cenário e o lugar dele nele. Ali Sr. Clemente, apontando com o queixo, onde parece uma rua, com uns postes pintados com lâmpadas amarelas, como se postes de iluminação fossem, ali naquela risca, como se sarjeta fosse, de um lado para outro, sim? Sim, compreendo. Por que o senhor ainda não vestiu seu figurino, Sr. Clemente? Como assim, estou vestido! Não, não é esse o seu! Como não? Sr. Clemente, seu figurino é de um policial irlandês, todo em preto e botões prateados e um cassetete, não usamos mais cassetetes, mas não estamos no mundo real. Por fim, não houve quem fizesse o Cabo Clemente vestir-se de guarda irlandês, mas concordou em usar o cassetete, que ainda na coxia fez estalar na palma da mão. Não Sr. Clemente, não faça esse barulho todo, bata com suavidade. Quando Antônio Niterói foi finalmente localizado, para que interviesse junto ao Cabo Clemente, já soava o terceiro sinal. Seja pardelhas e Merda! Disse Camila. Merda! Ressoou. Antônio Niterói zelava por um sujeito impaciente logo após a frisa direita. O pano se abriu.
No primeiro e segundo atos, pouco aconteceu, senão que a ovação recebida por Cabo Clemente de todo a corporação presente, logo que apareceu em cena. Antônio Niterói escorregou na poltrona, escondendo-se atrás do balcão, vergonha pelos outros, Maiara quase a chorar, é tanta emoção! O terceiro ato começa com Leopoldo e Stephen bêbados numa mesa de bar, rodeados de moças alegres, que eles tateiam. Numa cama barulhenta, Camila em exígua roupa de dormir, era Moly sonolenta e ciosa do relógio, sem problemas em sentir o calor de Gibraltar, como se esperasse alguém, que não seu marido, sob o rochedo. Leopoldo e Stephen saem do prostíbulo cambaleantes, Mr. Boylan entrava na casa e subia as escadas e fazia sexo anal com ela, numa cama barulhenta. Leopoldo procurava a chave do portão de casa, encontrava tudo, até mesmo um sabonete embrulhado numa folha de jornal, menos a chave em qualquer dos bolsos, resolveu saltar o portão, como outras vezes fizera  quando trocara de calças e esquecera a chave, Stephen se equilibrava melhor com uma bengala. Leopoldo subiu ao portão. Cabo Clemente empunhou a arma e fez posição de tiro. A corporação que andava atenta aos movimentos de seu pupilo, deixou vazar junto com o sorriso um rumor de: esse é nosso menino! Cabo Clemente sentiu a energia vinda da plateia, das galerias, mãos na cabeça seu meliante! Leopoldo saltava o portão quando foi atingido por uma bala certeira. Cabo Clemente olhou para o Comandante no balcão nobre, que tudo aprovava com um gesto romano. O amante, a amada, o bêbado Stephen, o contra regras, os maquinistas, a copeira acudiram ao morto, que Stephen havia anunciado: José M. Anibal está morto de verdade! A plateia não entendia, era impossível saber quando findou a ficção que fez-se real. Cabo Clemente era o assassino. Duplo assassinato: J. Maurício Aníbal e Leopoldo estavam mortos.


O Juízo.


Em juízo, Antônio Niterói se manteve abstraído na fase protocolar, agora se ajeita na cadeira para ouvir o promotor, sabemos que Cabo Clemente, guarda irlandês, não estava deslocado dentro da peça, conquanto guarda irlandês também não o fosse, é no caso, o guarda irlandês um elemento que traz realidade, do mundo para o mundo da ficção, aportando realismo, disse-me o autor da peça A Casa Caiu, fundamentado no original onde, em todos os passos de Leopoldo, a guarda irlandesa se fez presente, como um vaso sobre o piano, na festa onde ninguém sabe sequer ler uma partitura. Protesto meritíssimo, adiante, um barômetro sobre o piano! Não nobre colega, não existe esse deslocamento, pretendido, na Dublin ficcionada havia, protesto, adiante, não se trata da imitação da Dublin real, mantido, não disse imitada, meritíssimo, a Dublin da obra é ficção, não uma existência paralela, ou imitação duplicadora, prossiga, na Dublin ficcional havia por todas as ruas donde passou Leopoldo a guarda irlandesa, duma Irlanda fictícia e em toda obra a guarda irlandesa ficcional, numa Dublin idem não comete nem um assassinato, assim não há a menor possibilidade, que a personagem reclame uma interpretação, a si favorável, por hora desvirtuada, posto que a personagem, ainda, que teoricamente possa trazer embarcada um leitor implícito, ainda que, levemos em consideração o que determina vossa Excelência, se tratar de um triplo homicídio, implícita a morte do autor, ainda que, uma vez aceite, ocorre a destempo da peça, concluo pedindo aos senhores jurados a condenação do Cabo Clemente por homicídio culposo do Sr J. Maurício e Aníbal, conquanto o assassinato de Mr Leopoldo, que a critica especializada e o tempo venham a julgar.
A defesa pede que a testemunha Antônio Niterói seja ouvida novamente. Profissão Sr Antônio Niterói? Corretor. O Sr Antônio Niterói vive de porcentagens que cobra aos amigos que vendem imóveis pela MRV, pelo empréstimo de sua carteira do CRECI, protesto meritíssimo, prossiga. A defesa depois de desqualificar a testemunha, induz sem prova a se pensar que a trupe nada mais era que uma banda organizada de traficantes da famosa DMSO – dimetilsulfóxido – que atua como um marcador e borrador de sinapses, que poderia como o SOMA, levar o usuário a agir como títere. Antônio Niterói diz, conheço Camila desde os anos setenta, não posso negar que fumamos uns baseados na praça Redonda, olhando o por do Sol, sobre a Vila Virgínia, mas na tarde do crime, ela nada mais fazia que caminhar para espairecer, e me alegava na oportunidade não compreender de modo algum a pertinácia do guarda irlandês, mas cria que não passava de uma alegoria do adaptador do livro para o teatro, uma mimese da galinha imobilizada pela risca de giz em Kasper Hauser, sem sentido e desproporcional, o que é um desproposito? Toda e qualquer ação do Cabo Clemente, não vem ao caso, que um Sr que aluga a identidade profissional, diga que toda a ação policial é um desproposito. Mais alguma pergunta? Dispensado. O nobre colega quer negar inclusive a existência do mundo real, discutindo literatura, alegando que o crime tenha ocorrido dentro de uma obra de ficção, como se se tratasse de uma embaixada da arte na mundanidade, pois bem, e alegando que a mente do Cabo Clemente, como de toda corporação, desvia de sua função preventiva, agindo como se de fato fosse juiz. Vangloriando a guarda irlandesa. Esse homem agiu seguindo como qualquer leitor atento, seu faro de caçador, sua intuição em nome da sociedade. Peço sua absolvição em nome do dever de personagem realista, imitar o real, e de interprete de uma única moral. Os jurados se recluem.

O veredito.

Todos eles, sim eles, são frequentes nesse ambiente, nessa função, entediados, menos um que entra cheio de frescor e romantismo. Seu filme predileto é justamente, Doze Homens e Uma Sentença. Pergunta aos outros se já viram o filme. Um pigarreia. Olha para a janela fechada e desenlaça a gravata, retira o paletó, arregaça as mangas e dá por terminado o trabalho. Culpado. Outro diz, até agora não entendi o tal do barômetro, é um treco de medir pressão, sim, mas por que sobre um piano, do mesmo modo que um Cabo no palco, a gente podia estar no Pingüim, a seis reais o chopp! Não dou conta, e você novato? Eu! Para o Pingüim? Não o homicídio! O teatro está na praça, a praça na cidade, a cidade no país, o país no mundo e o mundo é o mundo mundial e o teatro está no mundo, e o mundo é um teatro; aquele imita este? É, este mundo com aquele dentro; e se se mata, se mata neste mundo, que é este, esse teatro no mundo é aquele num mundo teatral. Contudo penso que deveria ser julgado no teatro, nesse que imita o mundo real que também é um teatro, você quer dizer, numa peça de teatro, não numa, mas na mesma peça de teatro, foi nela que se cometeu o crime. Como assim? Igual no futebol. Certo, o futebol tem a sua corte. É isso! O que você quer dizer com isso ? Culpado! Culpado? É! Pensava que ia querer reverter o onze a um. Não, nunca, se não entendo, sequer, por que não pintaram o guarda no cenário, porque iam economizar cachê. Você leu a manchete do A Cidade? Policial figurante de policial, mata ator de personagem dono da casa que pulava o portão da própria casa, no teatro Pedro II. Vamos acabar com isso! Que a realidade só estraga a ilusão! Bem dito! To contigo! Só se for para já! Culpado.
Enquanto isso no bar Verde da José Bonifácio, Antônio Niterói se aborrece com a pouca idade de Naiara e acaba fazendo um poema como se já fosse velho.
lâmina                antes,                   lisa
fria,                   já não                      desliza,
tensa                 pela pele                   gruda
esqui                na grama, como
esticar               a bochecha,             flácida.
                       Com os dedos.                   astucia
                      Não se desespere.
Não cabe                agora um              talho,
que envergonha,
                         mas o pacto com o                 corpo
                         pode ser desfeito,                   esquecido
que ele começou a des
                                  faz 
                                      er 
                                        -se... 


3 de set. de 2016

Que medo! Çô!

Que medo! Çô!

Havia uma pomba
Na minha varanda
Pensei que voava.
Mas não voou
Convidei pra minha mesa
Na mesa ficou.
Sonho com um corredor compridão como a vida
Sonho o corte que abre em talhos a jaca do sonho
Sonho o silêncio de canaviais e tempo e paz de ruas solitárias.
Outro dia a casa incendiou, minha avó gritava: Vai queimar o carro! Vai queimar o boi!
Não foi, vieram os bombeiros e não se queimou.
Sonho com uma bronca que seca a garganta
Sonho com poluções de noivo e vaginas úmidas
Corações correndo famintos atrás da angústia
Mortos que voltam
Vivos ausentes.
Sete da noite
Chamada in-box
Então?
Me subiu um calor até a cara, a orelha!
Que valentão!
Aceitaria, se te convido ao caminho sideral do amor?
Talvez, talvez decepasse a bramante cabeça de leão, para o cesto de Robespierre,
Mas, não cortará o fio da CPFL que me percorre.
Havia mortos entre os mortos vivos e tartarugas do tamanho de imensas azeitonas, muitas.


30 de ago. de 2016

A Morte.

A Morte.

A Advertência.

Advirto que não se deve ler este conto assim como ele se apresenta. Creio que se deva saltar linhas, ou palavras, mesmo parágrafos, ainda que isso retire algum sentido, se acaso nele existir. É um gedankenerfahrung cujo intuito é matar o leitor. Lembre-se de que a curiosidade matou o gato. De acordo com os saltos, ele poderá ser engraçado, triste, angustiante, ou se não seguir a advertência: mortal. Portanto, pense com cuidado antes de atuar, ser independente pode ser divertido, mas também muito perigoso. Boa sorte e riobalde.

A Introdução.

Está na casa da vó Vicenza com seus dois melhores amigos, e teu cachorro Pitbull. Há três anos visitou a casa pela última vez, quando a avô ainda vivia. O fato de haver uma máquina de engrenagens engraxadas cheia de polias, bicicletas sem selins e peles de vaca no pátio, é algo que te preocupa sobremaneira. Um duende vestido de azul turquesa, com um logotipo no peito no qual, depois de bastantes esforços, consegue decifrar as letras EPLOG, o duende dotado de três bundas, que antes dela falecer, atiçava os rotweillers a avó Vicenza. Ele está atento a um relógio e Você lhe diz: necessito que me aperte esta porca. Noutras palavras, ele lhe passa uma receita com instruções que dizem de que maneira acionar umas alavancas, uns pedais, e os botões de um dial que chia como um rádio velho numa velha radionovela sobre chupar cana e assobiar . O duende, obediente, morosamente, lê as instruções que lhe dá. De muito, merda, que bosta, que vai-vem, que ruína, sai da máquina uma banana dourada de sol, perfeita, simétrica, similar àquela outra que, por obra de Bloon, Dédalus, enfrentou Aquiles e os filisteus de filamentos filhas gretadas.
Você acaba de resvalar em algo, e está caindo até as profundezas da mente de Paulo. De certo modo te atrai a possibilidade de analisar tudo desde esse outro ponto de vista, de outra maneira não poderia apreciar todos os detalhes do processo, mediante o qual haverá, com certeza, uma saída. De qualquer forma, Você pensa num impacto, e pensa em amortecer sua força. Todos estes pensamentos desfilam por tua mente com a velocidade de um relâmpago. Se você ainda não pulou nada, creio que deva ser essa a hora.

O Compilador.

O que é um compilador? O compilador é um bicho, que de raro tem outros bichos, que converte tudo que estou escrevendo em um ato, um fato, uma ação, como converte uma bola de parenteses numa tira como se fosse a grama de um campo de futebol. Eu olho para ele e se parece a uma centopeia, e vou contar as patas, não sei se me atrapalho, mas chego só a noventa e oito.
O que acontece nas entranhas do compilador? Quando Você dá uma série de instruções, é como se Você ingerisse um pedaço de bolo. Um compilador adora parenteses; ele vai quebrando em pedaços menores. Há algum tempo os zoólogos que cuidavam dos compiladores, adoravam esta fase. De certa forma é coisa linda, claro, complexo. Mas não é de fato, relevante. Hoje sabemos que a verdadeira transformação começa no estomago do bicho onde o bolo alimentar fica dando voltas. Em vez de escrever as coisas na ordem natural, de fora para dentro. O bolo se transforma em um fio, onde aparecem, antes, as partes que estavam mais internas. Alguns lugares do bolo, aonde as enzimas têm que ir e voltar, são marcados por uma bandeirinha. O estômago deixa as bandeirinhas assim como estão, penduradas no fio. Mais tarde o intestino se ocupará de tirar as bandeirinhas.

A Mente.

Você decidiu submergir diretamente nas profundezas de minha mente. A medida que adentra, a luz fica cada vez mais ténue, e Você começa a sentir tonturas e perde a consciência.

O inferno.

Você não chegou até aqui de vontade própria, nem seguindo instruções, apesar de tudo está aqui, em Janaína.
Habitualmente, as mitologias e lendas tratam de substantivos fantásticos, sejam animais, lugares, monstros, espadas cravadas em pedras, o pote aonde caiu Obelix ou semideuses. As lendas de Janaína Mayara falam de verbos mitológicos. Por exemplo, se conta da existência do verbo funarer, metade nascer e metade morrer. O verbo reflexivo pinoter, que corresponde a ideia de voltar sem ter ido. Se diz que a primeira pessoa que se pinote uma noite de lua cheia, funerará.
O verbo fantástico gromosar significa “pronunciar gromosar”. Os professores de mitologia Janaína Mayara costumam gromosar quando fazem referência a este verbo. Um grupo de verbos mitológicos relacionados, provavelmente inspirados em gromosar, são os três verbos conhecidos como placinados: placir significa “pronunciar cofer”, cofer significa “ pronunciar roscoir” e roscoir significa “pronunciar placir”. É muito frequente, que aquele que trata de descrever o que é o que está dizendo mediante o uso destes verbos desperta a confusão nos que estão atentos às diferenças entre “uso” e “menção” e “ menção “ e “uso”.
Outro verbo ligeiramente relacionado com estes, é atutir, cujo significado é “ compreender o verdadeiro significado de “atutir”. A lenda diz que no instante em que alguém por fim atute, seja, por fim compreenda o verdadeiro significado do verbo atutir, o verbo voltará a ser novamente um príncipe, e o afortunado descobridor se converterá em pedra.

A Paciência.

Agora que Você está nos cantos mais profundos da mente, você deverá decidir se sua paciência esgotou ou se já é hora de voltar para casa. Sem preguiça, você está na casa da avó Vicenza.
Felizes por teu regresso, ainda que nem tanto, o duende vestido de azul turquesa, teus dois melhores amigos, e teu cão te perguntam: aonde esteve? Por mais que insista e Você insiste em que estava na minha mente, te dizem que Você cheirou peido debaixo do lençol.

O Fim.

Depois do fim, uma continuação. Você despertou num quarto aonde há um dragão. Então aparece o centauro Aloísio e o fauno magno Malta, uma corte de bufões, arlequins com calças furadas, reis de são joão del rei, guerreiros visigodos, desamores da adolescência, dragona a primeira namorada do Lesmão, a turma que não sabe inglês, Les Luthiers, diego Hipólito e sua irmã, poemas em catalão, demostradores de peidos coloridos, a turma da mônica, a menina veneno, gisele bündchen e um grupo de jaz cantando ma mama cu sá, e a Sá coça o saco e saca essa: Afrodite, rapaz, me dá logo esse pomo da discórdia. E se não der? Te mato. Ah! Bom! Então te dou.
Ai tem um problema de continuidade das geografias porosas: a maçã ficou no outro mundo, longe paracaralho, longe do caos perto do coração. Mas Você, Você ou afrodite? Bom estamos num descontinuísmo. Há uma receita de maçã em conserva que Você conserva. No entanto, aonde andará o duende? E a máquina? E o asteróide? E a avó Vicenza? E o B-52? Todas essas coisas já não te atraem proporcionalmente ao produto da massa e inversamente ao quadrado da distância.

A comida.

O mais curioso é que a receita não é a mesma coisa que a comida. Tem uma porrada de arestas, e por não serem a mesma coisa, apresentam outros aspectos, que são na realidade o mesmo: toda receita é toda comida receitável.
O intestino delgado ou delicado consta de duodeno, íleon, cólon, estribo, refogado, sal e pimenta a gosto, duas asas de frango e batata na manteiga. Ah! Bastante salsinha picadinha.
O Sancho.

Donde se conta como Sancho Pança apareceu com intestino solto e outras muitas coisas dignas de contar e de saber.
Valha-me, Sancho promete mostrar sua máquina e que se as instruções precisas são imprecisas, é capaz de construir uma maçã e acabar com a discórdia da simetria ou esta maçã é para a mais bela.
Lamentavelmente, a máquina do fiel escudeiro não se parece com a do duende. Não passa de um tubo de papelão reciclado. Pançisancho diz:
não se preocupe dom cidão, já esta desmonstrado... quê? Livre de monstros. Porra por que não cala essa matraca? Alan turing?
Não passa pela tua cabeçorra que está perdido?
Não creio, afinal, não foi Noé quem botou na sua barca um casal de Aedes aegypti, e o E. Coli?
Veja, o bicho é mamífero, mas ovíparo, anda pelado e é ávido e não há havido mais maçãs, nem duendes, então bispo da dama c 3.




Bobina quente

Ai a bobina do fusca esquentou, então tive que procurar água, aí encontrei , depois de uma invernada, uma estradinha que vinha do leste, fui caminhando batendo aquela garrafa pet vazia na perna, pow...  eram duas trilhas onde o mato entre elas havia crescido muito, há muito tempo. ... foi então que divisei uma casa com terra batida à sua volta e galinhas a ciscar um cateto chafurdava entre bananeiras...
- Tarde! Ouvi uma voz,  mas não divisava seu dono, então retribui à eira, por se acaso...
- Quente! Ouvi, e a voz vinha da sombra de um jatobazeiro, quente pa carái, enquanto tentava decifrar entre tronco, raizes, sombras, raios de sol e folhas um ser, que se tornou visível pela brasa do pito, depois o fumo subindo e se espalhando entre os feixes de luz, agora os olhos em meio aquele rosto de 100 anos de terra e cortiça...
- Uai, traz a junta pa beber...
Expliquei  que não era um carro de boi, houve entendimento, mas se complicou, e esse tar de motor bebe água? ... o papo foi longe e ele me fez um café, metendo um tição ardente na caneca com água... quando ia me retirando ele perguntou: E o dotô  Vargas, tá forte ainda?

25 de ago. de 2016

Brindo com lirica murcha

Brindo com lirica murcha
herdada de senis gerações
pentelhos grudados sabões
peidos sob a morna ducha

a todos que pisam em titica
tantas outras mais com seus nãos
e ensaboam o torto com as mãos
porque se não o lava, te bica

Canto caca na grama da fiusa.
poça que circunda o mictório
a água turva de urinois viúva.

o imbecil que olha essas cagadas
ao não recordar; nessas redunda
existia quem o limpasse a bunda


22 de ago. de 2016

Chapeuzinho

Os lobos, principalmente os maus, porque por incrível que pareça há lobos bons, andavam insolentes e fora de controle no velho condado, chegavam a roubar os caminhantes que se aventuravam pela matinha de Santa Teresa. Saiu a lua cheia. A matinha se tingiu de ouro pálido. Nesse instante, Chapeuzinho viu sair das trevas uma silhueta que ia se tornando cada vez mais precisa. Vestia camisa branca com suspensório, calça preta no estilo advogado trabalhista. Caminhava sobre duas patas, mas era um lobo. Abriu abaixo de seu formidável focinho preto sua boca baba vermelha e disse: “ Oi, boneca, que te traz tão tarde por aqui? Chapeuzinho não respondeu. O lobo agarrou a cesta. “ Tá boba?! Vou levar esta cesta”. De debaixo do pano com motivo quadriculado, igual ao de toalhas de mesas de cantinas italianas no Brasil saiu uma vozinha,: “ Que amável é você, jovem, e deu um rizinho selvagem.” Num sobressalto, o lobo deixou cair a cesta. Uma cabeça de mulher saiu rolando. A cabeça deu um salto e mordeu com fúria o entre-coxa do lobo que uivou de dor. “Saude a vovozinha, seu lobo” disse Chapeuzinho, que tinha os olhos vermelhos donde saiam horríveis fachos de fogo. Sua boca se abria e mostrava horripilantes caninos desmedidos. O lobo corria e ao seu encalço iam a cabeça e Chapeuzinho.

17 de ago. de 2016

Carta a Glenda.

Carta a Glenda!

Faz dez anos que nos fomos. Isso é muito tempo sem te ver. Ficaria lindo e perfeito se fosso assim: “Hoje faz exatamente dez anos” ou algo assim, mas, honestamente, não me lembra a data exata. Creio que foi, mais ou menos, no inverno, uma quermesse, talvez você se lembre.
Nos primeiros dias tentava gravar algumas coisas na memória. Aquelas que ainda não havia te contado. Antes que eu tivesse ido, nos contávamos tudo. Suponho que sentíamos algum vazio e queríamos enchê-lo. Como essa gente que enche a casa de filho. Me parece que nessa época tinha esperança de voltar.  Agora já está tudo tão longe. Também, se passaram dez anos. ( E se você ler isso, verá que ainda não amadureci). Me lembro dos fatos principais, e de alguns momentos particulares, mas os sinto como quando encontro algum texto que não lembrava ter escrito, igual a quando minha mãe que me ligou perguntando o que era aquele frasco, que encontrara quando botava ordem no quartinho, “tá escrito poção mágica”, penso que é dos meus doze anos, não lembro mãe, mas deixe guardado!
Bom, penso que dizia que no começo queria gravar as coisas na mente; mas em seguida começaram a se acumular; eram muitas recordações, ultrapassaram a massa crítica, pensei que a melhor forma de conservá-las fosse começar a escrevê-las. De cara pensei em mandar uma carta diariamente. Bem que me lembro que adorava receber cartas.
Então, assim comecei a escrever o diário e assim fui fazendo. Agora deve estar se perguntando  por que nunca os enviei. A resposta é que sou um desastre. E me é muito difícil que esse tipo de hábito frutifique. Para essas e outras nunca fui disciplinado. Quantas vezes disse ; A partir de hoje vou correr todos os dias” , e não durei dois dias.
Até  comecei, religiosamente, mas sempre surge alguma obrigação que impede a indústria, ou serve como desculpa, e quando se interrompe por um dia, logo esculacho tudo. Assim de diário foi a semanário, e ao fim de alguns meses, o abandonei.
Agora já passou demasiado tempo, e todas aquelas coisas que planejava te dizer acabei esquecendo, ou estão obsoletas, ou caducadas. A quem pode interessar o cotidiano de dez anos atrás? Ainda que sejam coisas que não foram ditas no calor da convivência!
Acho que já não faz sentido te mandar as coisas que escrevi. ( Melhor que fiquem na gaveta do meio, espécie de limbo). Mas ao menos gostaria de te dizer que as escrevi. Havia uma montão de coisas para falar, perguntar, que me houvesse gostado que as respondesse. O tempo faz com que qualquer sentido se perca ou em nenhum momento tenha feito sentido compartilhá-las. Talvez, nenhuma forma de comunicação faça sentido. Talvez o melhor mesmo seja esperar pela ação do tempo, que as devolva à insignificância.  Talvez essa carta não faça sentido.
Talvez não te a mando! 

15 de ago. de 2016

Clean up woman
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Hoje decidi atacar a Dinamarca. Por quê? Ora por quê! Porque já cheirava. Os daneses me levaram a um praticar um difícil  combate. Comecei achando que era a geladeira. Usando táticas de guerrilha, e na verdade, seguia o conselho de Sun Tzu. É um livro fantástico, segundo como o toma. Foi idealizado muito provavelmente para a guerra, mas já no século passado virou livro de cabeceira de manager de grandes corporações, aonde o alvo é o consumidor. Ria, pois rio. Mais recentemente foi usado por um treinador de futebol, e a coisa acabou na batalha das alterosas, o vexaminoso sete a um. Eu, tomado da necessidade de enfrentar a Dinamarca e seus daneses, passei a lê-lo, enquanto cozinhava algo, in loco. Como dizia, enfrentei cada batalha, a geladeira, o fogão, a coifa, a pia, os azulejos e por fim a ucharia. Todos caídos. Amanhã enfrento os ingleses, a começar pelo vaso!

Infâmia

Infâmias.
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Pierre Laval foi primeiro-ministro francês, nos anos 40-42, do famoso regime colaboracionista de Vichy, foi condenado à morte em 1945. Símbolo da infâmia, permitiu que milhares de pessoas que residiam na França fossem deportadas e exterminadas. Laval que fora socialista, a começos do séc XX,  aos poucos foi se convertendo ao conservadorismo, e nos anos trinta do mesmo século  já respondia chamada na extrema direita, foi então se fez nazista. No seu julgamento, argumentou que havia permitido deportar as crianças, por razões humanitárias, não quis separar os pais dos filhos. E porque também havia espaço suficiente nos vagões dos trens, normalmente usados para animais. Então, bastava parecer, tão só parecer diferente, cor, religião, língua, crença origem, ideias, comportamento, doenças... este século tinha tudo para pôr fim à barbárie, e nos entendermos. Mas não é assim. Assistimos conflitos em que os generais são executivos nos escritórios e as vítimas cidadãos, que de um dia para o outro se vêm expulsos do que pensavam ser o paraíso. Tratados pior que animais, são espetáculo por uns dias nas TVs do mundo.
Em qualquer conflito sempre há os que pensam que têm mais razão que os outros. Pobre ilusão,  a razão o tem aquele que provoca o enfrentamento para viver dessa miséria.

13 de ago. de 2016

Tenho muita sorte dentro do azar!
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Um dia abri a caixa do correio e lá estava ela, a carta. Diria que a li de trás para frente e de frente para trás infinitas vezes. Estava bem escrita – não esperava menos dela –  e era muito interessante. Mas não entendia nada. Falava de tudo e nada. Tentei ler entre as linhas alguma mensagem,  que fosse única e para mim, onde explicasse por qual razão, entre todos os habitantes da terra, me tinha escolhido como destinatário. Não soube encontrar. Na minha livre interpretação, aquela carta dizia: “ Meu! Foi só uma trepada!”.  
No entanto, não sabia que aquela seria a primeira de muitas, muitas cartas. Tantas que geraram uma necessidade nova, abrir religiosamente a caixa de correio. Verdadeiros tesouros literários, mas “O que  queriam me dizer?” me perguntava. Insistia em procurar algum indício, pequeno que fosse, sem sorte. Conclui que havia se encontrado com o seu perfeito leitor, e de passagem me compensava da usa desaparição.
Não respondi nenhuma carta. Mas no dia que ela fazia 30 anos, lhe enviei um buquê de rosas. Então ela me telefonou e saímos.
Na primeira carta depois deste encontro, me disse que negaria tudo, inclusive negaria que houvesse me explicado os seus segredos, me beijado ou acariciado. Por fim diria que havia sido um sonho. Mas eu estava ali,  e recordo de tudo, perfeitamente,  e até uma frase dela que sempre quero encaixar em alguma conversa, “ tenho muita sorte dentro do azar”...

12 de ago. de 2016

Porteiro.

Desço degraus de pedra da caverna.
Cova que é olho de ciclope
Desço degraus trás degraus
Paro à porta, e já se fora
O ilusório, o amor
Nuvem sempre mudança que
Dissipa.

Dez para as dez saio.
O homem ao pé da porta.
Está por mim ao pé da porta
Troca de nome, mas é o mesmo
Troca de chapéu nunca dorme.
Não que me impeça a passagem
Desde sempre e antes está em cada porta.
Saio evitando-o.
Olha dentro dos meus olhos
Não me diz palavra
Mas imagino a inquisição.
Como é, você sabe, que um pisão
Arruína a delicada vida da formiga.
Sei que me equivoco conjugando os tempos. E faço aparecerem as sombras, gritaria de bocós.
Áspera língua que com seus beijos
Lixam minha garganta.
Minha pele eriçada, cruzo túneis
Sinto que já fiz essa rota.
Já sei, não me diga nada, cê tem razão.
Não me obstruí o passo, quebra o chapéu.
Já me pesa o embornal de despistes.
Inútil tentar.
Sempre que tarde.
Sempre tudo mal.
Sempre o veneno amargo.
Língua voraz sulca
Outro crepúsculo.


Vai cabisbaixo, eu sei, o cinto te aperta.
Sa  dor inquilina duma e outra vértebra.
Rabo entre as pernas murcho, se inspira
a voz atroz zune atrás  da orelha, secreta.
Não para, nem se acalma com salicílico
Ta crença besta no  baralho zap, truco
te sopram sinais imundices de feroz animal
desavergonhado,  e te deixam outro, terminal. 

11 de ago. de 2016

Meta o pé na jaca

Dê logo esse nó na gravata
Economize-nos a gaita
Calce com cabo de colher a alpercata.

Chute o pau da barraca.
 Queime com café a língua fina
Esfregue com fubá dos dentes a nicotina
Aperte o tubo insulte e faça se entregar
O dentifrício.

Chute o balde
 Não se reduza a galinha poedeira
Um ovo a cada sol  nas beiras
Que suba o pano, agarre o seu vulto

Meta os pés pelas mãos.

Anche, ai de ti canino eco
Do escroto cristalino
Oco de nem palácio de trompa
De Falópio num déjà vu
Inunde de líquido do fucking
Sexual, perpetre. Seu pateta.

10 de ago. de 2016

Um curta que vi.

Um curta que vi.

Um homem está só dentro de sua pequena e impecável casa branca. Subitamente vê aparecer uma barata correndo pelo piso um dos cantos da casa. Ele pensa em atacá-la com o uma vassoura, ela foge e se esconde, desaparece. Pouco depois retorna, e uma outra, e mais uma. Pouco a pouco elas vão tomando a casa, saem pelas torneiras da cozinha, pelo ralo da pia, pela louça do banheiro, pelo ralo do banheiro, pela fresta da janela, por uma trinca na parede, pelo buraco aonde havia um pendente de luz. Saem de baixo da geladeira, do sofá, pela fresta da porta. De repente, o homem está encurralado, foge para um canto da casa branca, agora elas avançam na direção dele. Agora elas começam a subir por suas pernas, elas começam a cair do teto sobre ele, como uma catarata de baratas… um corte, e vemos o homem deitado placidamente sobre a cama. A casa está outra vez branca, perfeita. Pensei, era um sonho. Então a câmara faz um primeiro plano do seu rosto, e uma barata sai do seu nariz, e outra, e outras, e outras saem pela boca, e um monte delas pelas orelhas, pelos olhos. Ele está vazio, elas o esvaziaram desde das entranhas. O homem jaz, vazio e morto. Este, neste âmbito, foi um dos meus poucos descuidos.

5 de ago. de 2016

Quando acendo uma vela me lembro d'ocê.

Quando acendo uma vela me lembro d'ocê.
Nenhuma em particular, uma vela qualquer.
É esse tufo de barbante do pavio, Vera
Aquela vez, a gente não achava a vela, e
você, santantônio, santantônio, santantônio,
eu brincava uma regressão de lata de pó royal,
acender uma vela ao santo que não é, bem, Antônio,
para que nos ajudasse a encontrar as velas.

Não sei que ideias passavam por tua cabeça, mas
sempre me dizia: não creio nem deixo de crer e
também não creio em deus, mas creio que há algo.
Fosse crente ou não, era magistral na hipocrisia.

Receei a santantônio. Não sei, Vera, por que me tratava de homi.
A verdade que só acendia vela quando caiam os fusíveis.
Mas, relaxe homi, faça, Om, Ohm e Hom. E bastavam
essas três palavras para corroer minha erudição.
Relaxar sem elevador? Onze andares por escadas...
agora que quero ver, onze andares 150 degraus.

Depois desses degraus, não sabia como me doía a bunda
no outro dia. Mas, o importante é que me ensinou a apreciar
outras qualidades das velas, ulteriores ao uso cotidiano
como luz de emergência. Por exemplo, de vez em quando
dava essa dor aguda no baixo ventre, que se eu fosse mulher
afirmaria sem duvida que se tratava de ovários. Você
dizia que eram gases e catava uma vela. Feitiçaria. Ventosa.

Havia outra dor, essa tensão magnética que me dava nos incisivos,
a sensação de algo que não via, mas estava ali tentando me extrair
um nervo. Latejando. E eu dormindo a mastigar os dentes. Lá vinha Você com
aqueles chás, sempre os tomei, mas.

Era diferente Vera. Há quem nos classifique por preferência estética.
Os grossos e os esnobes. Gente grossa tem mau gosto e ponto.
Os esnobes, dão tanta importância em ter bom gosto, mas tanto,
que lhes importa mais saber se deveriam gostar, do que: gosto?

Você Vera não, era delicada, nem seletiva, era plenamente consciente
de sua crassidade, se jactava inclusive. Quando eu ia te visitar Você
gritava: lá vem Fernando com seu circo armado, e eu sentia vergonha alheia
e Você se deleitava, hoje tem espetáculo? O mau gosto te deixava apaixonante
e o cultivava com devoção de velas.

Ninguém sabe como nos conhecemos. Nunca contamos, porque nos dava vergonha.
Tá, que ia causar vergonha, a Você ? Você que ia na padaria de camisola azul. Mas
a mim sempre me deu não sei bem o que ter que admitir que me tocava fundo. Essa vez
foi a única, e me surpreende pensar que o resultado foram todos esses momentos, incluindo isso
que escrevo.

Então, Vera, Você já era bonita como sempre, ainda que teu mau gosto
arrebentava com tudo. Sua maquiagem de puta e sua pequena tatuagem brega toscamente acabada. A cor da tinta. Meu deus, a cor da tinta não ornava com nada, nem com as coisas que não estavam nela, discordava de tudo num raio de dois quarteirões. Não sei quem falou primeiro, nem sei se é relevante esse detalhe, mas. Naquele momento não sabia que a recordação ia durar tanto, nem que ia ser tão importante. É sempre assim. Mas me agrada saber que foi Você quem falou, eu naquela época meditava cada palavra antes de falar, alem dos titubeios.

A segunda vez que nos vimos foi também casualidade, uma madrugada, no corujão, no Lapa. Me doía a orelha de tanto dobrar a cartilagem contra o vidro da janela. Foi ai que passamos a nós. Não sei muito bem como foi, mas Você ia com ele, e para ele sei que foi a última vez. Então eu volto ao começo.


Vera sempre que acendo uma vela me lembro de você.

1 de ago. de 2016

Carta a Bertha.




Liberte da gaiola
todos os passarinhos

liberte da gaiola
todos os passarinhos
vermelhos

liberte da
liberte da gaiola
todos os passarinhos
vermelhos
todos os passarinhos
verdes

liberte da gaiola
todos os passarinhos
vermelhos
que não estão na
liberte da gaiola
todos os passarinhos
verdes

liberte da gaiola
todos os passarinhos
que não estão na
liberte da gaiola
todos os passarinhos
verdes

liberte da gaiola e do aquário
todos os passarinhos e peixes
de mesma cor.

Liberte da gaiola e do aquário
todos os passarinhos que não estão lá
liberte da gaiola
todos os passarinhos verdes
e os peixes que estão lá
liberte do aquário
todos os peixes prateados
liberte a quantidade de passarinhos
na
liberte da gaiola
todos os passarinhos
cuja cor esteja na
liberte do aquário
todas a cores de peixes

liberte das cores
que estão na
liberte da gaiola
todas as cores dos passarinhos
e que não estejam na
liberte do aquário
todas as cores de peixes

liberte do livro
todas as linhas

liberte da gaiola
todos os passarinhos
que apareçam na
liberte do livro
todas as linhas

liberte do livro
todas as linhas
que comecem por a

liberte do livro
todas a linhas
que apareçam na
liberte da gaiola
as cores dos passarinhos
e que foram escritas por Você

liberte do livro
todas as linhas
que não estejam
liberte do livro
todas as linhas
porque uma pessoa que esteja na
liberte do universo
todas as pessoas

liberte do livro
todas as linhas
que nunca foram escritas

liberte de mim
todas as partes moles
que não estão na
liberte de mim
todas as partes moles
que tenha visto

liberte do planeta
todas as pessoas que estejam no
liberte do cemitério
todos os ossos

liberte das situações
todas as que me necessitam

liberte dos animais
a quantidade de gatos
que nasceram
e que são pretos

liberte das tardes
aquelas que se esqueceu
de carregar a bateria do celular

liberte das vidas
todos os casais que não se encontram

liberte das tardes
aquela que o mundo
foi ficando cada vez mais quieto

liberte das vidas
todos os casais que se encontram

liberte das cores
a que pinta a
liberte das coisas todas
as importantes

liberte das explicações
a que dá sentido a
liberte das vidas
as nossas

liberte das distâncias quilométricas
a que nos separa nesse instante

liberte das personagens
aquelas femininas
que estejam em
liberte das canções
todas que Você compôs
que foram amadas por
liberte das personagens
aquelas que realizaram
liberte das ações
a de se enrolar com fita violeta

liberte das teias de aranha
a que une a
liberte das meninas e dos meninos
aquela menina que seja a mais bela que
liberte do mundo
todas as pessoas
e aquele menino para o qual
não tenha nenhum
liberte das pessoas
aquelas que querem a menina
mais que menino a quer

liberte dos dias
todos aqueles em que
Você e eu nos vimos
e que o dia anterior
Você e eu não nos vimos

liberte dos fatos
aqueles que ocorreram em
liberte dos meses
aqueles de verão
aqueles que comecem por j
e que transcorreram em
liberte das fontes
aquelas nas quais se deram

liberte dos beijos
aqueles de Você e eu
que foram anteriores a todos os
liberte dos beijos
os seus e os meus

liberte dos espelhos
aqueles que refletiram a
liberte as pessoas
a Você e a mim

liberte dos lagos
os que apareceram em
liberte dos sonhos
todos os seus

liberte dos dias
todos aqueles em que
não estaremos vivos

liberte das palavras
aquelas que se dizem pouco
mas que signifiquem muito
e que representem
liberte dos sentimentos
os que sinta por Você.