21 de out. de 2016

Bittencourt, os Pássaros e uma Mina de óculos azuis.


Ali está uma centena de pássaros, pardais e sanhaços, agitando as asas antes da chuva e olhando pela janela da casa 255 da minha rua, janela dos fundos, visão de um hectare de céu, bairro San Leandro, Distrito de Bonfim Paulista, Brasil. Doravante referido como Distrito. Pássaros de olhos incrivelmente pequenos, como aquela vez que o vizinho da frente veio falar comigo, e não levava os óculos. Uma cara imensa e olhinhos infantis de pardal. Pássaros de bicos tão pequenos e delicados como o de uma menininha que tenta tomar água do copo e não quer virar o copo e aperta os lábios que se comprimem num “v” como se desse um beijinho.
    De repente entrou Bittencourt( sobrenome escrito com maiúscula) de sexo masculino com RG e tal e coisa, maior de idade, que doravante chamaremos Macedo, ensaboa o sovaco, os braços e o dorso sem deixar de pensar numa mina de óculos, e se dá conta que gosta muito dela. Na realidade já se deu conta disso faz um tempinho, mas do que ele agora se dá conta é que este fato é chamativo porque o dia que a conheceu se recorda de que parecia tão, mas tão feia, realmente.
    O bando de pássaros que está a janela tem algo de formidável, porque me remete ao never more daquele corvo que quer entrar e permanecer na porta de tua cabeça para te torturar permanentemente a alma pelo resto de teus dias, mas pode ser o contrário, sua atitude admite que o santifiquemos, ave da família dos não sei o quê, que vem a te pegar sem piedade para levar-te até a imortalidade.
Bittencourt não se deu conta de os pássaros estavam voando ao lado da janela porque estava na ducha, inclusivamente do fato de ter tocado o telefone faz algum tempo e não escutou. Bittencourt está se enxaguando, se cheira as axilas para ver se está suficientemente limpo. Agora lava os pés e os tornozelos, Ah! E os joelhos. Segue pensando na moça de cabelos vermelhos e óculos de tartaruga que era feia, mas cuja recordação agora o excita e se lembra da camiseta que levava vestida hoje e que a marcava seus seios.
Os pássaros seguem na janela parados no vôo como um helicóptero ou como um beija flor ou como Dario. Sobem e descem somente fazendo variar a variante “z”. Batem asas assaz rápido, não param nunca. Não os entendo, pois a inação leva ao desastre, veja o meu país, se bem sei os pássaros parecem bobos, mas tem lucidez nisso, igual andar de bicicleta e rodar os pedais para trás quando se para e assim se mantem o equilíbrio, igual boiar dando uma braçada mole para não afundar.
Bittencourt fechou o registro, e assim acabou-se o feitiço das gotinhas que lhe caiam no rosto. Quando se desliga a ducha é que se percebe o barulho infernal que ela faz, um ruído, se se presta atenção, que dá calma necessária para se livrar das preocupações. Acabado esse feitiço, acontece outro bem diferente, que é o silêncio sacro de se secar com uma toalha felpuda e macia, primeiro a cara, o cabelo, a nuca e logo por toda a geografia seus interstícios, baias, insulas...


Agora percebo que o bando de pássaros também tem presente um bem-te-vi. Meu deus, agora parece que estão se agredindo e atacam vidro da janela com seu biquinhos. Acho que querem voar dentro da casa, mas penso nas coisas que fariam se os permitisse, um alvoroço de penas por toda parte, lençóis revolvidos livros caindo como dominó das estantes, e eu teria mais trabalho para descrever essa algazarra, ademais que não sei a mair parte das palavras que se referem a tipos de vôos, apesar de ter lido fernão capelo gaivota.
Bittencourt pisa os ladrilhos do banheiro, já saiu do box, mais ou menos seco, dá para saber pelos cabelos que se aglomeram, o espelho está cheio de neblina condensada. Bittencourt está atento a sua pele e a algo mais que as tetas da moça de óculos. Os atos de banhar-se e de secar-se são extremamente introspectivos e sair do banheiro é um processo de despertar e entrar novamente em contato com a realidade de que ninguém está só.

Por isso, Bittencourt agora escuta os bicos bicando os vidros da janela, mas não sabe o que é e que porra é essa? Pensou que chovia granizo, mas o tempo não está para isso, logo ficou com um pouco de medo, pode ser que alguem entrou e esta roubando a casa. Então se assoma à porta, ainda que o faça devagarinho, para não molhar toda a casa, e quando olha vê que é o bando de pássaro bicando o cristal, que caralho é isso! E se lembra de algumas histórias conhecidas de livros de filmes, não é comparável, porque isso é sério, e fica com medo que os pássaros quebrem o vidro.   

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