29 de jan. de 2012

Segunda-feira.


Soa o despertador. Desperto, não é a palavra, mas enfim, desperto. A água fria na pia na cara, de pele ainda quente, fará sua parte, que depois do estalido do despertador será a segunda coisa desagradável do dia. Gosto da noite, da alta noite. Jamais iria dormir, se pudesse, só para curtir o silêncio dessas horas, aonde os celulares não chamam, não clamam, as saveiros não passeiam seus sons horripilantes e até os cães não ladram. Tudo ruídos artificiais, mesmo os cães, deslocados para sempre, como a cada manhã de domingo um testemunha de Jeová a bater a porta, para ouvir um rosnar deselegante que o deixa, haja masoquismo, feliz. O despertador, a água fria e o crente são bofetadas imerecidas. Mesmo em meio a esse protocolo diário de hostilidades, sempre, começo o dia em busca de um grão de felicidade, antes de entrar na engrenagem perfeita, e a primeira boa noticia são duas: uma entra pelo nariz, é o cheiro do café, outra é o barulho da pressão da cafeteira e logo a palatável, o café do jeito que gosto, sem bolachinhas de chocolate, sem biscoitinhos de polvilho com zest de limão, sem canela em rama, sem qualquer aditivo, sem ideologia, mascava ou orgânica: café e um tiquinho de açúcar, a gosto. Abandonado nessa letargia, me ocupo de um segundo café matizado agora com um cigarro, lá na rua, na calçada, olhando Marte ou Vênus. Ambos. Tudo é simples tentativa de aliviar o peso das horas subsequentes. Como se fosse ganhando força, que logo, logo a porei em prova.
Olho e volto a olhar. De relance tudo sei de memória, a gradação da luz, dos ruídos em crescente, mas cabe sembre perguntar qual será o próximo dessabor, uma pessoa, um e-mail, um telefonema, uma frase ou palavra que tem como objetivo, consciente ou não, como uma flecha, transpassar do mundo externo ao mais íntimo do meu ser, e cravar lá a semente de seu veneno, e de quebra deixar o seu cheiro amargo invadir o já irrespirável ar.
Apesar de tudo, dessa eterna repetição de tragédia em gotas, saio a procura de doçura e calor, de cumplicidade, de um riso que faça crível o amanhã.     

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