Soa o despertador.
Desperto, não é a palavra, mas enfim, desperto. A água fria na pia
na cara, de pele ainda quente, fará sua parte, que depois do
estalido do despertador será a segunda coisa desagradável do dia.
Gosto da noite, da alta noite. Jamais iria dormir, se pudesse, só
para curtir o silêncio dessas horas, aonde os celulares não chamam,
não clamam, as saveiros não passeiam seus sons horripilantes e até
os cães não ladram. Tudo ruídos artificiais, mesmo os cães,
deslocados para sempre, como a cada manhã de domingo um testemunha
de Jeová a bater a porta, para ouvir um rosnar deselegante que o
deixa, haja masoquismo, feliz. O despertador, a água fria e o
crente são bofetadas imerecidas. Mesmo em meio a esse protocolo
diário de hostilidades, sempre, começo o dia em busca de um grão
de felicidade, antes de entrar na engrenagem perfeita, e a primeira
boa noticia são duas: uma entra pelo nariz, é o cheiro do café,
outra é o barulho da pressão da cafeteira e logo a palatável, o
café do jeito que gosto, sem bolachinhas de chocolate, sem
biscoitinhos de polvilho com zest de limão, sem canela em rama, sem
qualquer aditivo, sem ideologia, mascava ou orgânica: café e um
tiquinho de açúcar, a gosto. Abandonado nessa letargia, me ocupo de
um segundo café matizado agora com um cigarro, lá na rua, na
calçada, olhando Marte ou Vênus. Ambos. Tudo é simples tentativa
de aliviar o peso das horas subsequentes. Como se fosse ganhando
força, que logo, logo a porei em prova.
Olho e volto a olhar.
De relance tudo sei de memória, a gradação da luz, dos ruídos em
crescente, mas cabe sembre perguntar qual será o próximo dessabor,
uma pessoa, um e-mail, um telefonema, uma frase ou palavra que tem
como objetivo, consciente ou não, como uma flecha, transpassar do
mundo externo ao mais íntimo do meu ser, e cravar lá a semente de
seu veneno, e de quebra deixar o seu cheiro amargo invadir o já
irrespirável ar.
Apesar de tudo, dessa
eterna repetição de tragédia em gotas, saio a procura de doçura e
calor, de cumplicidade, de um riso que faça crível o amanhã.
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