7 de abr. de 2016

O Sorriso dos Lábios de Cabra.

Renan teme chegar atrasado ao trabalho, faz cara de náufrago míope logo que vê terra firme, seu ônibus parado no ponto, B/J 315, famoso Lapa. Sai correndo até o ponto, quando de repente lhe corta o caminho, a miserável Berta, que empurra seu carrinho de supermercado lotado de latinhas e garrafas pets vazias. Renan bate a canela contra o metal, rasga a calça, e o sangue mancha de vermelho sua calça azul. A porta do B/J 315 se fecham com seu barulhinho de

despressurização e o ônibus se vai, deixando na sarjeta Renan, o furioso.
- Maldita Berta! Sua bruxa fedorenta, me fodi por tua culpa – grita Renan. A mulher do carrinho de supermercado o olha ameaçadoramente, com olhos carregados de exóticos segredos. Mostra o pai-de-todos da sua mão direita, com os demais encolhidos. E murmura algo incompreensível, dá uma escarrada, limpa na manga da blusa, e se vai empurrando seu carrinho. Renan se esquece dela imediatamente e fica ali no ponto, esperando o próximo B/J 315. À suas costas há um imponente anúncio de protetor solar, a colossal figura feminina se ajusta no biquíni com assombrosa despreocupação.
O tempo passou devagar. Por fim, com passo de tartaruga, um ônibus se anuncia longinquo. B/J 315. Parece ser. Sim, é um B/J315, segue sendo até uns metros antes dali; mas o B/J315 se converte em B/J351 ao se aproximar. O motorista ri ao passar e os que vão às janelas o olham comiserados. Nenhum olhar tem mais despeito que os lançados pelos que estão em ônibus, que não é o que o sujeito que está no ponto espera. - Juro pordeus que era B/J315 – juro, o motorista mudou, de última hora! Exclama Renan.
Outros números, outras combinações de números e letras, outros dizeres passam diante de seu nariz, fugindo dele, como se houvessem todos combinados numa pegadinha. Os nomes duvidosos, alguns sem letreiros, apagados, e logo mudam... sim, sim, sim é o Lapa, grita Renan e alça a mão. E quando passa é “puta que pariu”. E até a o próprio ônibus dá uma gargalhada. Então ouve uma voz suave às suas costas. “Lenan, tenho a lesposta”. Renan se vira, bem ali ao lado tem uma pastelaria e na porta um homem vestido de guerreiro de Xian do Imperador Qin, por motivos provavelmente publicitários, mas a armadura não é de terracota, sim de plástico. O falso guerreiro, olha disfarçadamente para o interior da pastelaria e diz a Renan em tom confidencial: “Agora que o dono não me olha, falarei normal. Essa mulher que empurra esse carrinho com latinhas é uma bruxa, indígena, e te jogou uma praga, eu já vi ela fazer isso outras vezes. Por isso os ônibus parecem mudar o letreiro, mudar o número. Pura magia, urbana. Não mata, mas fode, enche o saco.” e acrescentou, no fundo da pastelaria o chinês vende amuletos contra essas magias”. - Ah! Vá pro caralho, você também! Eu não acredito nessas merdas! Responde Renan meio transtornado... Acho que vou de Metrô, pensou... Ainda sentindo sua perna latejar pela ferida, Renan desce as escadas da estação Catedral da linha-1 verde. Quando chega, desconcertado, está na Estação Pinguim/D.Pedro linha 2 lápis-lazúli. Então bate o desespero, Ribeirão não tem Metrô nenhum.... o trem despressuriza, e Renan vê o sorriso dos lábios de cabra da condutora...



Nenhum comentário: