Não me recordo
como cheguei aqui. Sei que é um quarto de motel pelo quadro
de avisos e tarifas e as instruções em caso de
incêndio pendurado na porta. Seguro na mão um copo com
um pouco de bourbon, o deixo cair, e assisto aturdido como os
cristais se esparramam como contas de um colar. Há uma janela
aberta. O vento move sem vontade as cortinas vermelhas. Detrás
das cortinas aparece um japonês da PF anão, sorri para
mim e começa a dançar. Estala os dedos ao ritmo de uma
música que não ouço, com sua voz gutural diz
algo incompreensível: - “A gente assaz sina é
pedreira, né.”
Desvio o olhar do
monstrengo e me
sinto estranhamente turvado, é quando vejo
Eliane Catanhede sentada discretamente numa poltrona num canto do
quarto, sorri, mostrando duas filas simétricas de dentes
alvíssimos e ajusta a saia sobre os joelhos num gesto
ensaiado. O anão japonês da PF segue dançando
sobre o piso de tabuleiro de xadrez do quarto vermelho.
Da janela me chegam
rumores de vozes roucas e discordantes. São agentes da PF,
também, porque percebo claramente um “ Temos um duplo
assassinato”. Logo as vozes são abafadas pelo ruído
de sirenes e barulho de passo sobre pedras britadas. Estão
rodeando o edifício, ao que parece o assassino se encontra
ainda no motel.
O anão japonês
da PF já não dança, está imóvel,
como uma caixinha de música sem corda.. Eliane Catanhede jaz
sem ânimo sobre a poltrona. Agora entendo tudo. O anão
japonês da PF, ou talvez Eliane, suspeito, colocaram alguma
droga no bourbon que demorou a fazer efeito. Perdi muito tempo
contemplando absorto um baile que só existia na minha cabeça.
Um duplo crime. Está claro quem é o assassino, porque
o trinco da porta do quarto está fechado por dentro, e Eliane
e o anão japonês da PF estão mortos. Esmurram a
porta. -- PF! Abra
imediatamente.