Os
dados são inconscientes, se os lanço, simplesmente caem sobre a
mesa, sem me olhar, dão umas voltinhas e param. Não exerço
qualquer controle sobre esse sólido platônico. O poeta da forma,
Mallarmé, diz que nada pode abolir o acaso quando jogo dados. Mas o
dado tem seus exatos seis lados, e se não viciado, cada lado tem
provável razão de um para seis. Onde anda então o acaso, o
insondável?
Além de todo um, todo dois, todo três, quatro, cinco e seis?
A vida... penso... se vivo como a vivo... a espera de
sobressaltos... que os mastros se rompam e náufrago naufrague a
medrar por submergir no mar... Esta tela vazia que se ilumina de
dentro para mim, quando a folha em branco ansiava a luz deserta...
Que
artifício a realidade! Ontem encontrei meu cachimbo. Hoje o enchi de
tabaco, e vi sua alegria infantil e fumarenta. Só havia dado a
primeira tragada, e logo esqueci meu grande livro por fazer, respirei
como se de inverno se tratasse, minha gata negra veio se enrolar nas
minhas pernas, ronronava, um emblema espiritual, me dizia: ''Sê
bom, e em vez de faltar à caridade, explica-me a virtude desta
atmosfera de esplendor, de fumaça e silêncios. Diz-me onde
aprendeste a se mover em meio ao nada sem o resvalar?''
Com angustia apenas fingida, respondo não saber, se saído há
pouco das cavernas, e, vestido apenas com minhas forças latentes,
humilde, em meio a ruidosa fumaça, que já julgara imbecil a fugir
pela janela... levantei-me como fez a gata preta, para ir respirar lá
fora e abateu-me o barulho que o carteiro faz, ao colocar minhas
contas a pagar na caixa do correio.
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