1 de ago. de 2013

A coup des de. Abolir o acaso.





Os dados são inconscientes, se os lanço, simplesmente caem sobre a mesa, sem me olhar, dão umas voltinhas e param. Não exerço qualquer controle sobre esse sólido platônico. O poeta da forma, Mallarmé, diz que nada pode abolir o acaso quando jogo dados. Mas o dado tem seus exatos seis lados, e se não viciado, cada lado tem provável razão de um para seis. Onde anda então o acaso, o insondável? Além de todo um, todo dois, todo três, quatro, cinco e seis? A vida... penso... se vivo como a vivo... a espera de sobressaltos... que os mastros se rompam e náufrago naufrague a medrar por submergir no mar... Esta tela vazia que se ilumina de dentro para mim, quando a folha em branco ansiava a luz deserta...
Que artifício a realidade! Ontem encontrei meu cachimbo. Hoje o enchi de tabaco, e vi sua alegria infantil e fumarenta. Só havia dado a primeira tragada, e logo esqueci meu grande livro por fazer, respirei como se de inverno se tratasse, minha gata negra veio se enrolar nas minhas pernas, ronronava, um emblema espiritual, me dizia: ''Sê bom, e em vez de faltar à caridade, explica-me a virtude desta atmosfera de esplendor, de fumaça e silêncios. Diz-me onde aprendeste a se mover em meio ao nada sem o resvalar?'' Com angustia apenas fingida, respondo não saber, se saído há pouco das cavernas, e, vestido apenas com minhas forças latentes, humilde, em meio a ruidosa fumaça, que já julgara imbecil a fugir pela janela... levantei-me como fez a gata preta, para ir respirar lá fora e abateu-me o barulho que o carteiro faz, ao colocar minhas contas a pagar na caixa do correio.


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