15 de out. de 2012

Futebol brasileiro inventa “a roda” a cada partida.



Tenho visto algumas partidas do campeonato brasileiro, mas não consigo assisti-las até o fim, me cansam. Me cansam os passes errados, me cansam os analistas, me cansam os ufanistas, me cansam as triangulações que quase, sempre quase, a todo momento, quase, e quase dão certo.
Quase também não há ladrão de bola, porque as bolas são retomadas via passes errados, fintas impossíveis, em que o cara pensa que é o Bip Bip. Me cansam os mergulhos. O novelismo, quer dizer, a péssima arte cênica praticada e em demasia, são tapas na cara que não existem, e acabam me acertando, o tapa na cara da encenação exagerada, à moda cine trash, caras e bocas de novelas ralés.
Quando era menino e me aventurava com a camisa 8, dizia o seu Justo nosso treinador: Olha a segunda bola. A segunda bola tradicional é aquela que o goleirão dá o balão para o meio de campo, e salve-se quem puder, normalmente o becão dá uma cabeçada para onde o nariz aponta. É essa a segunda bola, anda meio desaparecida, porque os goleiros já não dão tanto chutão, se bem que na última rodada eles abundaram. Pois bem, essa segunda bola deve ser marcada, porque é a retomada da posse que interessa. Outra segunda bola muito comum é o rebote da gorducha alçada na entrada da grande área, e o aproveitamento desse esférico é importantíssimo, porque recoloca o time que o alçou ao ataque novamente e muito próximo do objetivo e com a zaga bagunçada. O Corinthians tem praticado de alguma maneira essa retomada. Mas, o Palmeiras, ontem, por exemplo, nada fez para reconquistar a pelota. Entretanto há uma infinidade de segundas bolas, de rebotes que a equipe não está preparada para eles, como se não soubessem de tal possibilidade. De tal forma que nestas zonas intermediárias se dá o linchamento da esfera. A bola é mastigada, pisada, maltratada até que alguém “não” acerta um tapa na cara do outro, mesmo assim o outro se atira como nenhuns dos adversários de Cassius Clay ousaram.
Assim me parece uma verdadeira farsa: o treinador; o professor; o engambelador. Era o caso do Palmeira de Luiz Felipe Scolari. Uma, sozinha, jogada, e quando o Marcos Assunção acusou a idade, a jogada foi para o beleléu. Digo farsa pelo fato que o fundamento de recuperar a posse é fundamental no futebol, sem a posse, salvo em inexistente caso, não há gol. Então, o treinador que vai, pouco, além de psicologismo motivador, deveria motivar e treinar posicionamentos que viabilizassem a retomada da criança. Mas não existe este treinador, salvemos as exceções, sempre, é regra.
Outra jogada endeusada, pelos cronistas esportivos e consortes, é o aparecimento do 'homem-que-vem-de-trás, o elemento-surpresa. Sempre tivemos esses elementos surpresas, mas surpreso me coloco quando tal elemento produz, que seja pífia surpresa, porque na maioria dos casos é um canudo sem rumo e sem direção. Vide Dunga, Mauro Silva, e outros, já que há infinidade desses elementos sem surpresas e não caberia num mega.
No futebol brasileiro, hoje, quem tem se destacado com essa jogada é Paulinho, no Corinthians. E parece obvio, posto que a jogada que favorece seu aparecimento é justamente a retomada da posse de bola no momento em que o adversário pensa tê-la, e se relaxa, e se desarranja, se desarruma, abre espaços etc. O São Paulo dos últimos jogos, explorando a velocidade de Lucas e o posicionamento avançado de Luiz Fabiano, tem se aproveitado dessa retomada, mas esta jogada são-paulina se assemelha mais ao contra-ataque.
O Grêmio de Luxemburgo, que tem aproveitado das características gauchas, tem imposto pressão. Seus jogadores, sem a bola, ocupam sim o campo adversário, mas é atabalhoadamente, sem organização, é no folego; na raça; no arrocho, tanto que quando a reavêm, a perdem com a mesma intensidade e frequência, como já disse não há planejamento estratégico, da Arte da Guerra só aprenderam os berros e o acosso e das simulações: os mergulhos, as caras de dores e um troiano e pouco mais.
Tal desorganização tática e a falta de treinar fundamentos, como roubar a bola, retomar a segunda bola tem nivelado os times no campeonato, excetuando o Fluminense que tem um esquema de jogo alem de Deco e Fred, o São Paulo se destaca mais pela diferença patrimonial de Lucas e Luiz Fabiano. E o Santos é o que mais caracteriza esta ausência estratégico-tática, se valendo alguns momentos da inspiração de Neymar.
As partidas ocorrem dentro de um clima de absoluta casualidade, logo após o toque curto do centro-avante, depois do apito inicial, esta é a única certeza. Pois dai em frente não há uma triangulação que termine em jogada clara de gol, sempre há um capote forçado, a busca incessante para receber uma falta na entrada da área, ou mesmo à beira da linha-de-fundo. Os pontas não cruzam na cabeça, mesmo na direção de alguém, planejadamente, simplesmente alçam-na à área, quando não, chutam-na no adversário, em busca do esquinado, que se posta na linha lateral da área grande, e lá dentro da pequena quando ela passa é onde se dá verdadeira rinha de galos, com mais cristas que esporas.
A qualidade de nossos jogadores é indiscutível. Porque são capazes de criar a partir do nada, partindo da não referência. O Barcelona com pouco mais que Messi, consegue ser hegemônico internacionalmente nos últimos anos. E quê o Barça faz? Segue à risca os fundamentos do futebol. Segundo meu amigo José Gabriel a jogada perfeita é aquela perpetrada e eternizada por Clodoaldo na copa de 1970 no México, o 'roubo' da bola, o drible, o passe, o chute a gol, claro o gol.
O Barça se movimenta em busca da segunda bola, mais que pressionar individualmente cada jogador adversário que tem a posse de bola, marcam exatamente a bola, querem a bola e a retomam geralmente interceptando passes, muitas vezes, curtos devido ao avanço de suas linhas. O Barça se apodera da maioria das segundas bolas, seja na entrada da área, na intermediaria e no meio campo. Depois triangula, à beira de um ataque de nervos, mesmo porque seu jogador mais insinuante é o Quixote Iniesta, seguido pelo Sancho Messi que é quem faz a síntese, Messi não tem devaneios. O futebol brasileiro anda discutindo a posse de bola, faltosamente, o futebol moderno não discute, dá botes certeiros, planejados, rarefazendo as faltas, pois não se chega atrasado na disputa, ou se chega em condições de equilíbrio e retomada ou então se cerca sem agredir. Esse modo de praticar o futebol em que estamos encalacrados, inclusivamente, tem dificultado a ação da arbitragem, excetuando sempre os árbitros fracos, e os sem caráter por vezes. Flamengo e Cruzeiro fizeram um tipico jogo disputado, um perde e ganha sem fim e cansativo, onde os gols saem por birra e espirros e embustes malogrados. E quando houve uma jogada planejada, Wagner Love de espantado perdeu a chance, dado que mesmo a jogada concatenada e planejada lhe estava fora do escript, a verdadeira surpresa é a jogada arquitetada.
Assim a cada jogada o jogador brasileiro tem de reinventar a roda do futebol, procurar um companheiro em posição, decidir se sai pela direita para receber, se avança, e quando avança a bola lhe vem ao calcanhar – houve uma infinidade de bolas passadas no dito contrapé, ou atrás, aos calcanhares do próprio companheiro, como se tivessem se conhecido naquele dia, e dissessem: hei vamos bater uma baba, uma pelada. E assim vamos criando mitos.  

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