Tenho visto algumas
partidas do campeonato brasileiro, mas não consigo assisti-las até
o fim, me cansam. Me cansam os passes errados, me cansam os
analistas, me cansam os ufanistas, me cansam as triangulações que
quase, sempre quase, a todo momento, quase, e quase dão certo.
Quase também não há
ladrão de bola, porque as bolas são retomadas via passes errados,
fintas impossíveis, em que o cara pensa que é o Bip Bip. Me cansam
os mergulhos. O novelismo, quer dizer, a péssima arte cênica
praticada e em demasia, são tapas na cara que não existem, e
acabam me acertando, o tapa na cara da encenação exagerada, à moda
cine trash, caras e bocas de novelas ralés.
Quando era menino e me
aventurava com a camisa 8, dizia o seu Justo nosso treinador: Olha a
segunda bola. A segunda bola tradicional é aquela que o goleirão dá
o balão para o meio de campo, e salve-se quem puder, normalmente o
becão dá uma cabeçada para onde o nariz aponta. É essa a segunda
bola, anda meio desaparecida, porque os goleiros já não dão tanto
chutão, se bem que na última rodada eles abundaram. Pois bem, essa
segunda bola deve ser marcada, porque é a retomada da posse que
interessa. Outra segunda bola muito comum é o rebote da gorducha
alçada na entrada da grande área, e o aproveitamento desse esférico
é importantíssimo, porque recoloca o time que o alçou ao ataque
novamente e muito próximo do objetivo e com a zaga bagunçada. O
Corinthians tem praticado de alguma maneira essa retomada. Mas, o
Palmeiras, ontem, por exemplo, nada fez para reconquistar a pelota.
Entretanto há uma infinidade de segundas bolas, de rebotes que a
equipe não está preparada para eles, como se não soubessem de tal
possibilidade. De tal forma que nestas zonas intermediárias se dá o
linchamento da esfera. A bola é mastigada, pisada, maltratada até
que alguém “não” acerta um tapa na cara do outro, mesmo assim o
outro se atira como nenhuns dos adversários de Cassius Clay ousaram.
Assim me parece uma
verdadeira farsa: o treinador; o professor; o engambelador. Era o
caso do Palmeira de Luiz Felipe Scolari. Uma, sozinha, jogada, e
quando o Marcos Assunção acusou a idade, a jogada foi para o
beleléu. Digo farsa pelo fato que o fundamento de recuperar a posse
é fundamental no futebol, sem a posse, salvo em inexistente caso,
não há gol. Então, o treinador que vai, pouco, além de
psicologismo motivador, deveria motivar e treinar posicionamentos que
viabilizassem a retomada da criança. Mas não existe este treinador,
salvemos as exceções, sempre, é regra.
Outra jogada endeusada,
pelos cronistas esportivos e consortes, é o aparecimento do
'homem-que-vem-de-trás, o elemento-surpresa. Sempre tivemos esses
elementos surpresas, mas surpreso me coloco quando tal elemento
produz, que seja pífia surpresa, porque na maioria dos casos é um
canudo sem rumo e sem direção. Vide Dunga, Mauro Silva, e outros,
já que há infinidade desses elementos sem surpresas e não caberia
num mega.
No futebol brasileiro,
hoje, quem tem se destacado com essa jogada é Paulinho, no
Corinthians. E parece obvio, posto que a jogada que favorece seu
aparecimento é justamente a retomada da posse de bola no momento em
que o adversário pensa tê-la, e se relaxa, e se desarranja, se
desarruma, abre espaços etc. O São Paulo dos últimos jogos,
explorando a velocidade de Lucas e o posicionamento avançado de Luiz
Fabiano, tem se aproveitado dessa retomada, mas esta jogada
são-paulina se assemelha mais ao contra-ataque.
O Grêmio de
Luxemburgo, que tem aproveitado das características gauchas, tem
imposto pressão. Seus jogadores, sem a bola, ocupam sim o campo
adversário, mas é atabalhoadamente, sem organização, é no
folego; na raça; no arrocho, tanto que quando a reavêm, a perdem
com a mesma intensidade e frequência, como já disse não há
planejamento estratégico, da Arte da Guerra só aprenderam os berros
e o acosso e das simulações: os mergulhos, as caras de dores e um
troiano e pouco mais.
Tal desorganização
tática e a falta de treinar fundamentos, como roubar a bola, retomar
a segunda bola tem nivelado os times no campeonato, excetuando o
Fluminense que tem um esquema de jogo alem de Deco e Fred, o São
Paulo se destaca mais pela diferença patrimonial de Lucas e Luiz
Fabiano. E o Santos é o que mais caracteriza esta ausência
estratégico-tática, se valendo alguns momentos da inspiração de
Neymar.
As partidas ocorrem
dentro de um clima de absoluta casualidade, logo após o toque curto
do centro-avante, depois do apito inicial, esta é a única certeza.
Pois dai em frente não há uma triangulação que termine em jogada
clara de gol, sempre há um capote forçado, a busca incessante para
receber uma falta na entrada da área, ou mesmo à beira da
linha-de-fundo. Os pontas não cruzam na cabeça, mesmo na direção
de alguém, planejadamente, simplesmente alçam-na à área, quando
não, chutam-na no adversário, em busca do esquinado, que se posta
na linha lateral da área grande, e lá dentro da pequena quando ela
passa é onde se dá verdadeira rinha de galos, com mais cristas que
esporas.
A qualidade de nossos
jogadores é indiscutível. Porque são capazes de criar a partir do
nada, partindo da não referência. O Barcelona com pouco mais que
Messi, consegue ser hegemônico internacionalmente nos últimos anos.
E quê o Barça faz?
Segue à risca os fundamentos do futebol. Segundo meu amigo José
Gabriel a jogada perfeita é aquela perpetrada e eternizada por
Clodoaldo na copa de 1970 no México, o 'roubo' da bola, o drible, o
passe, o chute a gol, claro o gol.
O
Barça se movimenta em busca da segunda bola, mais que pressionar
individualmente cada jogador adversário que tem a posse de bola,
marcam exatamente a bola, querem a bola e a retomam geralmente
interceptando passes, muitas vezes, curtos devido ao avanço de suas
linhas. O Barça se apodera da maioria das segundas bolas, seja na
entrada da área, na intermediaria e no meio campo. Depois
triangula, à beira de um ataque de nervos, mesmo porque seu jogador
mais insinuante é o Quixote Iniesta, seguido pelo Sancho Messi que é
quem faz a síntese, Messi não tem devaneios. O futebol brasileiro
anda discutindo a posse de bola, faltosamente, o futebol moderno não
discute, dá botes certeiros, planejados, rarefazendo as faltas, pois
não se chega atrasado na disputa, ou se chega em condições de
equilíbrio e retomada ou então se cerca sem agredir. Esse modo de
praticar o futebol em que estamos encalacrados, inclusivamente, tem
dificultado a ação da arbitragem, excetuando sempre os árbitros
fracos, e os sem caráter por vezes. Flamengo e Cruzeiro fizeram um
tipico jogo disputado, um perde e ganha sem fim e cansativo, onde os
gols saem por birra e espirros e embustes malogrados. E quando houve
uma jogada planejada, Wagner Love de espantado perdeu a chance, dado
que mesmo a jogada concatenada e planejada lhe estava fora do
escript, a verdadeira surpresa é a jogada arquitetada.
Assim
a cada jogada o jogador brasileiro tem de reinventar a roda do
futebol, procurar um companheiro em posição, decidir se sai pela
direita para receber, se avança, e quando avança a bola lhe vem ao
calcanhar – houve uma infinidade de bolas passadas no dito
contrapé, ou atrás, aos calcanhares do próprio companheiro, como
se tivessem se conhecido naquele dia, e dissessem: hei vamos bater
uma baba, uma pelada. E assim vamos criando mitos.
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