2 de ago. de 2013

O medo de Snowden.



O ser humano se adapta a qualquer mundo. O pior dos mundos, como um náufrago à imensidão do mar, dando voltas ao coqueiro da ilha infinitesimal, ou o preso a sua cela desde a qual encontrará longínqua qualquer coisa que for um passo a lugar nenhum. Snowden é um pária, adaptado ao sofá de um aeroporto, ao contrário dos espiões que se entopem de caviar e champanhe, ele se contenta com a comida de máquina e a água mineral que Putin lhe oferece.
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Putin ainda acredita na guerra fria, e Snowden pode ser um espião ou seu duplo que abjurou do sistema capitalista para abraçar a causa revolucionária. Ainda que esta revolução esteja tomada por máquinas de coca-cola, carboidratos, bolachas e barras energéticas. Provavelmente desenterrou o famoso telefone vermelho.
Snowden é agora um jogo do destino e o recorrente arquivo vivo em carne e osso. A arma secreta dos russos num tempo que há tempos não acontecia nada. Como se fosse o cravo da ferradura do cavalo do rei que saiu dali do casco do cavalo real, de modos que o rei capturado, perde a batalha, a guerra e o reino.
Um milhão de pessoas fuçando na vida dos outros, quase isso. Este era o segredo, mas já não é. Há os países que o querem, que o defenderão, protegerão, dizem. No entanto, qualquer dia quando menos pense, nele se instalará o medo, começará a auto vigiar-se, a começar pelo café que lhe oferecerão, os passageiros de um ônibus... um semáforo quebrado... uma bela mulher...





Sísifo o Astuto.




Ensaio de Albert Camus, de 1942: Le Mythe de Sisyphe.

Camus gastou bastante energia a pensar o '' para que serve nossa vida, a validade do suicídio, e a futilidade da saudade!”
O livro termina com uma discussão do mito de Sísifo, quem, de acordo com a mitologia grega, foi castigado por toda a eternidade a empurrar um pedra morro acima, por que ao chegar ao cume visse despencar ao sopé da montanha, e , então começar de novo. Camus declara Sísifo um herói absurdo e ideal e o castigo uma representação da condição humana.
Lutar perpetuamente e fazê-lo sem esperança de conquista ou apenas vencer. Enfim resignar-se de que não há nada que se possa fazer. Convertendo sua vida num conflito absurdo, pois ao terminar sua tarefa encontrará a felicidade...
Sísifo antes do castigo foi o mais astuto dos mortais e portanto o menos escrupuloso. Era filho de Éolo e foi fundador de Corinto, que então se chamava Éfira. Sísifo tinha agenda cheia. Conta-se que Autólico lhe roubou os rebanhos, Sísifo foi buscá-los e os recuperou porque os tinha marcado com seu nome. Mas, no mesmo dia que foi reclamar a Autólico o que era seu, se celebrava a boda da filha de Autólico, Anticléa, é uma versão, Sísifo catou Anticléa, e disso nasceu um filho, ninguém menos que Ulisses, e diga-se de passagem outro astuto, que dava nó em pingo d'água.
Mas diz a lenda, ou outra versão, que o próprio pai de Anticléa entregou-a a Sísifo, pois desejava ter um neto tão malicioso como o pai, Sísifo.
Zeus em um de seus infinitos devaneios e raptos, raptou Égina, filha de Asopo, e nisso passou por Corinto e foi avistado por Sísifo, enquanto carregava sua presa amorosa. Sísifo guardou a informação, pois sabia que o melhor a fazer era passar despercebido... mais tarde quando o pai, ultrajado, Asopo, que era um deus-rio, passou por Corinto a procura da donzela, Sísifo se apresentou para tirar proveito do segredo, da informação guardada, e pediu em troca ao deus-rio, Asopo, que fizesse brotar uma nascente em suas terras, no que Asopo concordou.
Acontece que Zeus se inteirou da coisa, e com sua arma favorita, o raio, fulminou Sísifo e o precipita ao inferno, ao mesmo tempo que o condena a levar a rocha ao cimo do penhasco pela eternidade, uma, outra e outra vez, porque esta haveria de rolar ribanceira abaixo de seguida.
Mas isso não se deu assim diretamente, sempre há o intermediário, e neste caso foi Tânatos, o deus da morte não violenta, pois a morte violenta convinha às suas irmãs, Queres, as sanguinolentas. Mas o astuto Sísifo surpreendeu a Tânatos e o acorrentou, e durante o tempo em que Tânatos esteve acorrentado nenhum ser vivente morreu, foi um transtorno à ordem natural das coisas, suponho.
Como sempre acontece com esta história de delegação de poderes, Zeus houve por bem intervir diretamente no episódio, libertou Tânatos para que a ordem natural do mundo retornasse e este fizesse o seu trabalho, cuidar da morte, sua primeira vítima evidentemente foi, naturalmente, Sísifo, mas este tinha outra carta na manga e burlou seu destino.? Ordenou a sua esposa, antes de morrer, que não lhe tributasse honrarias fúnebres. Assim quando chegou ao inferno, se apresentando de forma ordinária, Hades, deus das trevas, quis saber porquê, no que Sísifo disse que sua impiedosa mulher assim o tratara e gostaria de voltar para castigá-la, e obteve passaporte para voltar a terra e tomar as providências.

Assim, Sísifo viveu até avançada idade, sem retornar ao inferno, finalmente morreu e Hades se apressou e o impôs o castigo de rolar a pedra morro arriba, antes que pudesse inventar outra e escapar.
Albert Camus, anota que há um interlúdio de descanso e liberdade, assim que a pedra empurrada alcança o cimo, Sísifo é livre até voltar ao sopé da montanha e retornar à sua industria.






1 de ago. de 2013

A coup des de. Abolir o acaso.





Os dados são inconscientes, se os lanço, simplesmente caem sobre a mesa, sem me olhar, dão umas voltinhas e param. Não exerço qualquer controle sobre esse sólido platônico. O poeta da forma, Mallarmé, diz que nada pode abolir o acaso quando jogo dados. Mas o dado tem seus exatos seis lados, e se não viciado, cada lado tem provável razão de um para seis. Onde anda então o acaso, o insondável? Além de todo um, todo dois, todo três, quatro, cinco e seis? A vida... penso... se vivo como a vivo... a espera de sobressaltos... que os mastros se rompam e náufrago naufrague a medrar por submergir no mar... Esta tela vazia que se ilumina de dentro para mim, quando a folha em branco ansiava a luz deserta...
Que artifício a realidade! Ontem encontrei meu cachimbo. Hoje o enchi de tabaco, e vi sua alegria infantil e fumarenta. Só havia dado a primeira tragada, e logo esqueci meu grande livro por fazer, respirei como se de inverno se tratasse, minha gata negra veio se enrolar nas minhas pernas, ronronava, um emblema espiritual, me dizia: ''Sê bom, e em vez de faltar à caridade, explica-me a virtude desta atmosfera de esplendor, de fumaça e silêncios. Diz-me onde aprendeste a se mover em meio ao nada sem o resvalar?'' Com angustia apenas fingida, respondo não saber, se saído há pouco das cavernas, e, vestido apenas com minhas forças latentes, humilde, em meio a ruidosa fumaça, que já julgara imbecil a fugir pela janela... levantei-me como fez a gata preta, para ir respirar lá fora e abateu-me o barulho que o carteiro faz, ao colocar minhas contas a pagar na caixa do correio.


Uma história plana. Orgasmatron.



Há algum tempo em Berlim, quando os alemães orientais ganhavam cem marcos de Helmut Kohl para cruzarem pelo Checkpoint Charlie, inundando a Kurfürstendamm por seus objetos de desejos, banana, coca-cola e peep show, porque os comerciantes rapidamente concluiram, que cem marcos não dava para mais, pousavam na entrada das lojas as bananas e caixas de latinhas de coca-cola que eram consumidas a temperatura ambiente.
Um casal que repetia a cena quatro vezes ao dia, com variações, circenses no peep show giratório dum grande Sex Shop, eram observados atentamente pelos orientais. Muitos desses espectadores voltavam – depois de compras, bananas, na Beneton, ou coca-cola, na Hugo Boss tudo na famosa Ku'damm Strasse – para apreciarem desde os visores de suas cabines que circundavam o cenário, a dez marcos por quinze minutos. Os protagonistas faturaram bem naquela temporada, casaram-se, fizeram festa de bodas, noite de nupcias e viagem de lua-de-mel foi na Grécia. Nas ilhas gregas se comportaram como monges
enclausurados, castos. A força de umas fotos, se abraçaram pela cintura, e um que outro selinho, no mais a mais fria cortesia. Estavam de férias.


Os demais personagens passageiros tampouco não sei se fizeram melhor, digo, relações sexuais, não sexo. Porque sexo é até mesmo a solitária masturbação, ainda que Wood Allen queira que esta substitua a interação com outra pessoa que se ama, como no filme de 1973, Sleeper, Dorminhoco, em seu ''orgasmatron

30 de jul. de 2013

Revolução.


Até ontem pensava fazer revoluções. Repentinamente,mas precisamente, depois de ouvir o papa pedir revoluções por minuto, dei um salto para mais perto de mim, para a infância. Um amigo já havia me alertado que essa rebeldia, esse esquerdismo... acho que citava outro... mas o que importa é que me dizia se tratar de doença adolescente. Mas é o infante caxumbento que deve revolucionar a revolução do papa.
Me vem a mente, quanto mais longe, mais perto. Se deixar de lado o mito dos anos vividos, o presente é um obstinado. Ele me enche de razões, a me garantir que o moleque que era, é quem tinha razão. O menino me faz lembrar de paisagens, que de tão tangíveis poderia reconstruí-las, cada centímetro, cheiro, cor, textura... pessoas plasmadas em vivida concretude. Como se os cheiros, nomes e as coisas de hoje, essa tanta informação, que supérflua, acumulada num estranho feixe, que de pesado, o levo de rasto pelo chão, com pena e sem vontade. Dados que não me pertencem. De pertencimento tenho minha própria alienação de mim, invadido por informações; de minhas? Poucas, muito poucas.
Mas da infância recrio cenas e cenários, e para mim recriar é também recrear, criar postais, quando já não se usa mais enviá-los.
Não sei se estes dias frios me ajudam a evocar o tempo da pureza, com aquela multidão me tapando a realidade ou disfarçando-a. Gente que amava, gente de quem roubava fulgurante felicidade, de tão refulgente era impossível não acreditar de veras, que aquele mundo que vivia, mundo à fé, e que as pessoas, os tons de azul, o barro, o riachinho colhido na aveludada verde folha de inhame estiveram ali diante de mim porque eram assim... A sujeira se lavava, as desavenças dormiam debaixo da cama, a morte que me visitou, antes que a soubesse, não me assustou mais, ou não existe, ou me faz antípodas, barulho confuso.
Muitas coisas sibilam, como se o deus laico da infância fizesse de seu canto repetido uma oração, um ritual, como o ''bença mãe'', um diamante que a tudo risca mas nada o arranha, é a natureza do cotidiano no seu melhor vestido, a repetição.
Espelho de espelho é espelho de outro espelho que reflete a imagem da imagem de outra imagem onde atrás está o menino vivo que vê e sente ele próprio, e parece esperar o fim da estação e nos fará felizes, no verão.

Consciente das mentiras, e apesar delas, creio no altar da minha própria fé, de sal, de calor, de amoníaco e diamantes, porque quem tem esta joia sempre será dono das centelhas das chamas de uma fogueira na noite dos tempos.                     

29 de jul. de 2013

Papa sem papas na língua?


Ah! As palavras! É dizer, Ah! Os discursos! Que sempre temos que descontar um teco. Seja de políticos, papas, astrônomos, psicólogos, filósofos, amigos, cartomantes etc. Muitos tecos se vier daqueles que atuam na vida real, religiosos e políticos. Para não perder o bonde, hoje por hoje, se o discurso for de político é bom botar a mão no bolso de quando em quando e revistar sua própria carteira. Andava por Espanha quando a crise começava por lá. Sarkozy; logo que a crise mostrou o sangue no zóio, mas antes de mostrar seu coração peludo; disse: “É a refundação do capitalismo.” E todos foram dormir tranquilos...
Ainda agora Chico I estava no Brasil. Francisco é o cabeça da instituição hierárquica por excelência, e essa hierarquia vai de encontro à doutrina que professa, no entanto nem piscou sequer para levantar a bandeira dos indignados, instou os jovens a revolucionar, encabeçar mudanças que faz falta ao mundo e à base social do Catolicismo.
Francisco parece que anda pelo Vaticano sem se importar se pisa em ovos ou cacos de vidro. Abriu investigação no mundo financeiro da casa. Quer punir a pederastia do baixo clero, e ainda no avião disse que não é ninguém para criticar os gays.
É fácil imaginar o ardor da urticária que Bergólio provocou por Roma, com estes discursos. Fez tuning no papamóvel e o deixou mais humilde. Pôs fim a muitas mordomias no avião, usa uns panos mais austeros, disse que só precisa de espaço para esticar as canelas e que o voo aterrize em Fiumicino, como os de outros mortais.

Palavras, palavras de cunho social ( mas de sexo e doutrina sexual, lhufas), renuncia ao luxo da igreja, jogando para a patuleia... Espuma... mas é cedo. O ceticismo, o preservo, não que o papa argentino seja digno de desconfianças, infundadas, mas porque sempre existem as tesouras cortadoras de asinhas assanhadas...   

25 de jul. de 2013

Sic transit gloria mundi... Espuma de champanhe


Sic transit gloria mundi.

Os que em plena trajetória vital, quer dizer que ainda não passaram pelo crivo da morte, que marca a distância que transforma todos em modelos de virtude, heróis da moral, paradigmas da cidadania, exemplo de santidade, por mais bem dotados que sejam de bondades, sempre se sujeitam ao capricho do azar, pelo império da contingência e da mutabilidade. É sempre possível que padeçam de mudança, mutações, metamorfoses, evolução, transformação de caráter, de pensamento e ação. Necessitamos nestes tempos líquidos, incertos, de pensamentos frágeis, de falta de referencias e de dissolução das utopias, de grandes lideres. Ansiamos por pais e mães. A tendência – flor de obsessão – é destacar alguém por cima do normal, sobretudo no mundo do futebol e dele fazer um santo de meia pataca antes mesmo da beatificação. Mais ainda, mitificá-lo. Mas, um dia desgraçado, acontece que este santo humano, flor da virtude, muda, sofre uma transmutação, e submetido a forças incontroláveis, indizíveis e ocultas, ou mesmo subconscientes, o que pode acontecer com qualquer um, fala um monte de bosta.
A virtude não pede extremos. Nem pouco ou muito. Nem pouco ou nada. Nem poucas ou picuinhas. Nem raposa ou burro... Nem rei que nos governe ou papa que nos excomungue. Nem sim nem não, senão tudo ao contrário. Os ditos populares são sábios... mas teimosamente ignorantes. Quando temos tanta necessidade de endeusar pessoas, em vida, acima dos ditados, somos fracos como a comunidade. Uma coisa é a consideração pela obra feita, a gratidão pessoal e social pelos fatos, o reconhecimento pontual, a solidariedade concretada em méritos objetiváveis, mas uma outra o endeusamento, deificação. A sublimação. Neste mundo, nosso, tudo que sobe, desce, irremissivelmente. Espuma da champanhe.

Sic transit gloria mundi, que são efêmeros os êxitos desse mundo.