21 de ago. de 2012

Sonhos.

Freud disse que a meta da terapia era fazer consciente o inconsciente. Verdadeiramente fez deste postulado o núcleo do seu trabalho como teórico. E mais, definiu o inconsciente como algo muito desagradável. Para ilustrar isto, imagino o seguinte: um caldeirão de desejos estabelecidos, um poço sem fundo de desejos incestuosos e perversos, um leito de experiências aterradoras que ainda podem surgir, emergir à consciência, o que francamente não é que se deseja ter “consciente”.
Todo o trabalho de Jung foi destinado a exploração do 'espaço interno'. Se lançou a essa árdua tarefa com os pressupostos da teoria freudiana, que lhe precediam; o mais tinha um conhecimento inesgotável sobre mitologia, religião e filosofia. Mas era mesmo  versado no simbolismo de tradições místicas como o gnosticismo, alquimia, cabala e tradições paralelas do hinduísmo e budismo. Se há uma pessoa que tenha um sentido do inconsciente e seus hábitos como capaz de expressar-se só de forma simbólica, este é Jung.
Jung sonhava. Sonhava com uma capacidade de sonhar lúcida. Mas sonhava também ilusões ocasionais. No outono de 1913 sonhou, ou teve uma visão, uma inundação monstruosa, que engolia toda Europa. Estas águas chegavam na barras das minissaias brancas que vestiam as montanhas do velho Alpe suíço. Eram milhares de pessoas afogando-se e a cidade tremendo. Logo as águas desse dilúvio se transformam em sangue. E seguiu sonhando semanas a fio, então surgiram sonhos de invernos eternos e rios de sangue. Supôs-se psicótico. Mas logo e no mesmo ano começou a Primeira Guerra, Jung então começou a acreditar que de alguma maneira existia uma conexão entre ele – como indivíduo – e a humanidade que então não podia explicá-la ou ela se explicar. Então meteu-se num processo de auto exploração – doloroso – que viria a formar as bases de sua teoria, ou da futura teoria.
Cuidadosamente começou a anotar seus sonhos, fantasias e visões. Os desenhou, pintou e esculpiu. Deu-se com que suas experiências soíam tomar formas humanas. Começa por um velho sábio e seu acompanhante, uma pequena menina. O velho sábio evoluiu, por vários sonhos, até um tipo de guru espiritual. A menina se converte em “anima”, a alma feminina, que servia como vaso comunicante – medium – entre o homem e os aspectos mais profundos do seu inconsciente.
Um duende marrom couro apareceu como zelador da entrada ao inconsciente. Era “a Sombra”, uma companhia primitiva do Eu de Jung. Jung sonhou que tanto ele como o duende, haviam assassinado a preciosa menina loira, a que chamou então de Siegfred. Para ele, esta cena representava uma precaução com respeito aos perigos do trabalho dirigido somente em função da glória e o heroísmo que prontamente causaria uma grande dor sobre toda Europa, do mesmo modo acerca dos perigos de algumas tendencias da empresa heroica freudiana.
Jung sonhou também com questões relacionada com a morte, com o território dos mortos e o renascimento deles. Para Jung, isto representava o inconsciente mesmo, não o inconsciente miúdo que Freud fez grande demais, mas um novo, o inconsciente coletivo da humanidade. Um inconsciente que podia conter todas as mortes, não só os nossos fantasmas pessoais. Ele começou a considerar que os enfermos mentais estavam possuídos por estes fantasmas. Pelo simples fato de recapturar nossas mitologias, entenderíamos estes fantasmas, nos sentiríamos cômodos com a morte e assim superaríamos nossas patologias mentais.
Seus críticos sugeriram que Jung estava enfermo, por esta ocasião. Mas Jung cria que se queremos entender a floresta, não podemos nos contentar com passear pelos seus arredores. Devemos entrar nela, não nos importando quão estranha ou aterradora possa ser.
Sinto uma certa atração por essa história do inconsciente coletivo. Como se fosse uma herança psiquica, um reservatório de nossa experiência como espécie, um tipo de conhecimento com o que todos nacemos e compartilhamos, mas sem nunca ser consciente dele. Mas que a partir dele, se estabelece influências em nossa experiências e comportamentos, em especial as emocionais, mas sempre de modo indireto, inconsciente.
Gosto muito dos arquétipos junguianos principalmente da Sombra.
A Sombra parece derivar desse passado pré-humano, animal, quando certas preocupações se limitam a sobreviver e a reproduzir, de quando não éramos conscientes como sujeitos. É o lado escuro do Eu. Nossa parte “negativa” ou mesmo diabólica. Me chama atenção sua amoralidade, como os animais, nem bons nem maus. Mas que desde uma perspectiva humana pode parecer brutal quando um animal é um assassino implacável por comida. Mas temos isso na Sombra, que é a lata do lixo não degradável que carregamos, mas não aceitamos, admitimos.
Assim que se sonhar que está lutando com um adversário muito poderoso, pode ser que seja você mesmo.
Gosto ainda do principio de entropia, que é a tendência, para Jung, dos opostos se atrairem, com o fim de diminuir a quantidade de energia do sistema ao longo da vida. Jung tirou isso da físico-química, onde a entropia é a tendencia que têm os sistemas físico-químicos de solaparem-se.     

20 de ago. de 2012

A Eternidade é tempo fermentado.

Como o pão é farinha, a eternidade é tempo fermentado temperada com os desacordos humanos. Jamais li Platão, que dizia que o tempo é a imagem móvel da eternidade. Isso não quer ser, nem parecer mais que: a eternidade passou por aqui e não vimos. Passou e não a reconhecemos, porque estava em movimento, e para reconhecê-la também devemos saber do tempo, não o tempo confundido com o movimento. Mas para saber do tempo, como queria Virgílio na Eneida, que tampouco li. Dizia Virgílio, tão grande quanto Homero, que para conceituar o tempo havemos de conhecer previamente a eternidade. É fácil notar que de tanto querer fazer seu Enéas tão grande quanto Ulisses, fora Virgílio somatizando as espertezas do astuto grego.
Temos o mal gosto de achar que o tempo vem do passado e vai para o futuro. É tão verdadeiro dizer o contrário, ou uma terceira. Todas prováveis e não verificáveis. Isso é Borges puro, sem óculos escuros, por não ocultar-se à cegueira, sem bengalas, manco e tateante.
Se pensarmos em Newton: Newton não vê maçã cair, sente a maçã na cabeça. A maçã na cabeça é passado, tanto quanto maçã 'por cair' implica no futuro: cairá. A questão é que ninguém vê a maçã cair, a vê 'por cair', ou como Newton a sente maçã caída. O que se quer causar aqui é a supressão do presente. Filosofias e  filósofos de terras de Ghandi, que o consideram inapreensível, o presente. Caetano o elevou – o tempo – à categoria dos deuses, ou o reentronizou, tirando dos homens a capacidade de produzir o próprio destino, roendo o osso do presente.
Ultimamente ouço alegações, que honestamente, estas sim, fazem total sentido se usar a locução: são inapreensíveis. Tais ditos dizem respeito a relação do tempo matemático com o tempo biológico, e aqui entra o supremo desacordo humano; o somar-se o tempo sacro. Isso tudo por ocasião do horário de verão.
Uma das questões que teve cara de gente séria, por ocasião da teoria da relatividade, foi a sincronia entre o tempo individual e o tempo esse: da matemática; milésimos,centésimos, décimos de e segundos.
 A coisa se punha assim: se o tempo é um processo mental, como se pode acertar os relógios entre indivíduos?
No horário de verão a eternidade é adiantada ou diminuída em uma hora pelo Estado, e todos padecemos, porque somente os humanos seguimos as orientações do Estado, a eternidade está se lixando para o Estado. O descompasso criado pelo Estado em nome da economia, nos faz  viver fora de fase, supondo haver fases na eternidade. Já vimos ser impossível apartar o tempo da eternidade como a farinha fermentada do pão. Mas deve-se salientar que nenhum dos conceitos, vistos aqui: Platão, a anagênese de Enéias à Dido, mesmo recurso de Homero, e do cinema de Hollywood – o flashback – entre tantos não são exatamente a somatória do passado, presente e futuro. Não. A eternidade é mais singela, mágica e espetacular, por se tratar da simultaneidade do tempo, ou se queremos da simultaneidade do passado, do presente e do futuro. 
Assim a eternidade abraça todas as coisas, e todas as coisas se silenciam nessa felicidade de ser tudo ao mesmo tempo e eternamente.
Essa apoteose, essa unanimidade já foi dita fervorosamente assim: "Toda coisa no céu inteligível, também é céu, onde a terra é céu, os animais são céu, as plantas, os machos e o mar. Tudo tem por espetáculo o mundo que não foi gerado. Cada um se mede nos outros. Não havendo coisa que não seja diáfana – que sendo compacta, não deixa passar a luz – nada é impenetrável, nada é opaco e a luz encontra a luz. Tudo está em todas as partes e tudo é o todo. Cada coisa é todas as coisas. É sol é todas as estrelas, e todas as estrelas é cada estrela e o sol. Ninguém caminha ali como se fosse uma terra estrangeira".
Parece maravilhoso, entretanto é puro terror em forma de museu. Estático se é museu. Mas pode-se ir mais longe: "Homens maravilhados pelo mundo – sua capacidade, sua formosura, a ordem de seu movimento continuo, os deuses manifestos ou invisíveis a quem se recorre, os demônios, arvores e animais -  elevem o pensamento a essa realidade, de a que tudo isso é uma copia. Pois na verdadeira eternidade verão as formas inteligíveis, não com eternidade emprestada, mas eterna, verão ali também a seu capitão, a Inteligencia pura, a Sabedoria inalcançável e a idade genuína do Cronos, cujo nome é a Plenitude. Todas as coisas imortais estão nele, cada intelecto, cada deus e cada alma. Todos os lugares lhe estarão presentes. Aonde vais? Diz o dito. A que provar mudanças ou vícios desnecessárias no principio deste estado se os ganhou depois numa só eternidade, as coisas são suas, essa eternidade que o tempo remeda ao girar em torno da alma, sempre desertor de um passado, sempre cobiçando um porvir"
Isto é um museu, petrificado. Não sei se o ideou Platão, com certeza não. Mas é a eternidade povoada de ideias, imutáveis. Plotino é mais pesadelo que visão, é menor que nossa realidade, para nós a realidade, a última realidade, nos informa o Boson de Higgs, a partícula de deus, mas ontem mesmo eram os elétrons girando entorno ao núcleo, solitário até os confins do cosmo. Deborah Secco é feita de Debora Secco, não gorduras saudáveis ou princípios nitrogenados, por mais que lhe acrescentem abstrações no Projac, de outra forma, os indivíduos são da especies da qual participam e os incluem e são sua realidade permanente, as tristezas no por do sol, essa antiga conexão com o crepúsculo, a preguiça do amanhecer, as alegrias no meio da tarde, o desconhecimento da morte, as recordações etc. Tudo isso nos adverte a permitir o primado da espécie e perfeita nulidade dos indivíduos.


19 de ago. de 2012

Produção: a Obra de Arte.


A produção individual é uma abstração, e se os homens são sociais desde os gametas, o produto individual é uma contradição nos termos. A produção do indivíduo é produto produzido pelo indivíduo dentro da sociedade, mas não só, também dependente dela, pois mesmo qualquer palavra carrega consigo camadas sobrepostas de significação conseguidas ao longo da história do homem, mesmo antes da fala, da escrita.   ( a cima e a direita, obra de Ruy Marques, Projeto Manhatan, e abaixo Keskece de Cleido Vasconcelos)

O produto para ser produto deve ser consumido. O açúcar não é doce se não degustado. Assim a produção se dá no consumo e o consumo também se dá na produção. A produção de açúcar consome da terra seus nutrientes, consome do homem as forças vitais, consome a energia das máquinas, o acido clorídrico para branquear-se etc. Alem do açúcar o consumo produz o homem, altera o corpo do homem mentre o produz, e altera o corpo do homem que o consome enquanto produto. 
Sem o produto não há consumo, assim que o produto inventa o consumo, inventando consumidor, transformando-o. A produção pode-se dizer é imediatamente consumo, e é válido para qualquer produção e qualquer consumo, e soma-se que sem produção não há consumo e sem consumo não há produção, posto que se houvesse produto sem consumo, se trataria de trivialidade inútil. Então sem necessidade não há produção, mas a produção gera a necessidade, o mais reproduz a necessidade. Deste modo a produção possibilita o encontro do objeto e a necessidade, e o modo de consumo, pois uma coisa é comer com as mãos, outra a trocar talhares, educa, molda o consumidor. Comunidades primitivas consomem produtos primários, de modo primitivo, porque a produção continua primitiva e tosca. O mesmo se dá com as obras de arte, estes objetos criam um público capaz de fruir dela, criam um modo de consumo, criam um consumidor de obras de arte. Ao mesmo tempo que como qualquer outra produção, interfere no produtor dos objetos artísticos, o artista. O artista sofre a ação, se consome, ao produzir a obra de arte, essa ação produz a obra e o artista, e por fim a obra de arte educa o seu consumidor final, transforma-o, gerando nele a necessidade de consumir arte, objetivando a criação, a produção artística. Da mesma forma que não há produto sem consumo, não há obra de arte sem fruição.

16 de ago. de 2012

Produção na sua forma geral. Uma abstração necessária.


Por mais que alguns indivíduos, e mesmo certos setores, se pretendam Robinson Cruzoe, toda a produção se dá em sociedade, e a produção individual só se faz possível partindo dela. Nenhum refinamento nos leva mais longe que ao ermitão, mesmo assim este carrega sempre tudo quanto viveu em sociedade, fugindo ou não, só dela. O mais, Robinson faz senão reproduzir as mesmas relações antes vividas, tenham elas sido meramente familiares ou tribais, e já neste momento brotava e se reproduzia a vontade de poder, ora centrada no pai ora no cacique, se entendermos primeiro o núcleo familiar, depois a tribo. O contrato social rousseauniano não parte do homem natural para construir a sociedade civil do seu tempo, parte do homem histórico, que desde o homem natural, havia atravessado outras formas de sociedade dentre tantas a idade média.
A sociedade civil, melhor, as diversas formas de conexão são simples mecanismos para o indivíduo alcançar os seus fins privados. Os fins privados, só são possíveis dentro da sociedade. Mesmo que abstraíssemos Almir Klink indo para nunca mais voltar. Mas ele sempre volta para o conjunto dos homens. Não existe a solidão, nem a sua busca, sem o outro, em face disso se o ser alcança a individualidade total, ele estará diante da própria negação. Não há indivíduo isolado.
O indivíduo evoluir isolado é tão provável quanto a linguagem existir isoladamente.
Os humanos são políticos por natureza, porque por natureza têm vontade de poder, e tal vontade de poder pode ser dialogada, e esse dialogo é politico, que é fazer valer a vontade de um em contrapartida da aceitação do outro. Os métodos de aceitação têm evoluído, sensivelmente, mas a força ainda é seu fundamento. Estado. Propriedade. Direito. Poder de policia, etc.
É dentro da sociedade civil atual – historicamente evoluída ( só posso pensar evolução no sentido que ela tem para uma Escola de Samba na Sapucaí, um continuo avançar) e em cada estágio evolutivo com sua peculiaridade – que se dá o processo de produção atual.
Nenhuma produção contemporânea existe fora do processo histórico humano e dentro da sociedade civil, por exemplo, o artista plástico, melhor o pintor, mesmo que o ignore, não pinta isento de Picasso, porque nem certas tintas e seus matizes sequer existiriam se o malaguenho também não houvesse existido, e o malaguenho muito, infelizmente, depende de um fato historicamente conhecido e sanguinolento, e digamos não somente o ataque a Guernica, mas todo o contexto de esfacelamento e o próprio cubismo, mas declarando aos infiéis o reconhecimento de suas capacidades individuais, e aos fiéis, da individualidade se dando dentro do conjunto da sociedade .
Cada época tem a sua produção. Há uma produção geral, apesar de produção geral se tratar de uma abstração, nos ajuda a economizar incursões, mas sempre lembrando das particularidades de cada momento histórico, que podem carregar por mais tempo características de outros, passados e até mesmo de tempos vindouros, neste caso, as vanguardas.
Até aqui o que tenho é a humanidade na sua forma de sociedade, e de outro lado a natureza, com seus materiais e instrumentos, e estes já alterados e desenvolvidos pela humanidade dentro do seu processo histórico, mesmo que seja a mão. Esta responsável pela grande evolução humana. O capital em todas as suas formas possíveis é um instrumento, que se desenvolve, desenvolveu, acumulou em determinadas mãos por determinados modos. E muitos desses modos não são naturais. Natural no sentido que qualquer curso que houvesse trilhado a história da humanidade nos teria trazido ao ponto que estamos. Muitas intervenções houveram, uma delas foi a revolução francesa. Sem ela a acumulação de capital seria hoje diversa. Isto só quer dizer que qualquer interferência é possível.
É de se supor que séculos antes da decapitação do rei francês, muito discurso – eram trabalhos de incrustação ideológica, que muito retardaram o aparecimento dum Robespierre – foi lavrado a respeito da perfeição do absolutismo, dando passo às vezes a um que outro reformador. O fato é que a guilhotina cortou a história em dois corpos totalmente diversos, o antes e o depois.
A produção seja ela abstratamente geral, particular quando inserida no contexto histórico, é Economia. Mas é Economia dependente da política, e política é a governança dos interesses das divisões sociais de cada momento histórico. A economia em particular é uma técnica, mas a economia política não é exata, porque não segue um caminho natural. Porque já negamos a naturalidade da evolução, que nada mais é que uma sequência de acontecimentos, onde o ato seguinte não é obrigatoriamente o caminho natural. O leão é natural mesmo dentro de uma jaula, ao sentir os ferormônios da leoa, não pensa noutra coisa que não cobri-la, para usar um termo caro da minha infância infame. Muito embora algum método que é usado pelo seu domador de modo a impeli-lo a fazer ou deixar de fazer, muito se pareçam, mesmos em dias atuais, aos empregados por determinados setores da sociedade civil, andamos um pouco mais evoluídos no processo de produção de vida.
Resumindo, a produção, mesmo a praticada por indivíduos singulares é social. Seja, sofre interferências do conjunto da sociedade, sendo que a produção se dá dentro de um modo de produção determinado, dentro da sociedade, e tal modo de produção decorre da divisão do trabalho, seja intelectual e o seu oposto. Muito devemos pensar no que concerne a substituição da mão pelo cérebro na questão da manufatura, esta enquanto aquilo que era feito pela mão. O cérebro de muitas formas tem substituído a mão no sentido de simples máquina repetidora de informações, e métodos, etc. Na época da revolução industrial, o trabalho intelectual era o de pensar o mundo, pensar as relações do homem com o mundo, com o trabalho, enquanto a mão tecia, fazia, moldava etc. Em tempos atuais o cérebro é usado como 'manufatureiro' enquanto instrumento da produção, por exemplo, traduzir um manual de instruções. Pode-se dizer de um trabalho cerebral, neste caso, não de um trabalho eminentemente intelectual, posto que não pensa, traduz.
Quando vimos hoje uma tela qual tocamos para realizar tarefas anteriormente digitadas, não devemos omitir que muito do trabalho intelectual necessário para se chegar a isso, foi de um neuro-filósofo-linguista de nome Noan Chonsky. Ele disse que o teclado não era ergometrico, que em nada tinha a ver com o humano. Já muito do uso deste instrumento na consecução de objetos, abstratos que sejam, não é mais que usar o cérebro como se fosse a mão. São processos cerebrais, tão repetitivos como o processo manufatureiro das industrias que remontam o Século XVIII, XIX e meados do XX.















14 de ago. de 2012

Prometeu Acorrentado. Ésquilo.



Prometeu entra acompanhado de Hefesto. Hefesto é encarregado de prendê-lo no rochedo. Por que Prometeu está sendo castigado? Porque roubou o fogo dos céus e o entregou aos homens. Em consequência disso a sequência da peça os diálogos se sucedem e os mitos antigos são revividos e recontados para a plateia.
No imaginário, cada um sabemos uma frase de Eça, Machado e sempre algo de Prometeu: Prometeu roubou o fogo. Sim, mas afinal o que Prometeu roubou dos deuses? Roubou o fogo, mas o que é o fogo? Mas antes de significar o fogo, é dito, que Prometeu não só rouba aos deuses, mas dá o que rouba aos homens. Não rouba para si, mas para o outro, o que já é um detalhe interessante. As interpretações do quê foi roubado por Prometeu, aparece em vários momentos da peça, uns dizem que roubou o fogo, a razão ou como diz o próprio Prometeu: entreguei aos homens a esperança. Os homens já não tem como fim a morte. Os homens agora tem uma esperança infinita no futuro. O que é a esperança? A esperança é o fazer sentido. Se passa da vida ausente de sentido ao sentido da vida. Mas que vai fazer sentido? A linguagem, a linguagem dá sentido a vida. E a vida é a própria tragédia. E sem explicitar os silogismos, Prometeu roubou dos deuses a tragédia e a deu aos homens. Tragos é bode, e ode o canto do bode. Tragédia é o canto dos
bodes que acompanhavam Dionísio em suas orgias, rodeado de Sátiros, que eram parte homem parte bode
Como quer Nietzsche a Tragédia é o dialogo entre o apolíneo e o dionisíaco
uma festa de Dionísio com algo de Apolo, que é luz, razão em meio ao caos...
Hefesto era filho de Hera, só de Hera, vingando a Zeus, e Hefesto foi empurrado por Zeus pela colina, e rolou por vários dias, ficou coxo, ferreiro, e agora vai prender Prometeu, Titã que se desculpa pelo que virá a fazer. Io também seduzida por Zeus em sonhos, coisa que Freud leu, não sabia se dava ou não. Zeus a transformou em vaca e mandou pastar acompanhada sempre por uma mutuca, e nisso ela passou pelo Bósforo, que nada mais é que o estreito chamado de passagem dos bois, das vacas e é onde está Istambul dos dois lados do Bósforo. E assim segue a tragédia de Prometeu onde continua o contar e recontar dos mitos gregos.
O que os deuses tem que os homens não têm? Do bem e do mal quem sabe são os deuses, do justo e dos injustos. Prometeu rouba dos deuses esta capacidade exclusiva e a dá aos homens: as condições de arbitrar.
Mas ao se ganhar a autonomia ganha-se também o castigo. Castigo eterno. A águia bicando o figado que se recompõe à noite, para voltar a ser bicado todo o dia. De alguma maneira a autonomia que Prometeu dá aos homens também está acorrentada e é castigada. Que autonomia é essa? Esse é o dialogo constante: os deuses erram, são sensíveis, são levados a desculpar-se. Por isso constantemente estamos acorrentados uns aos outros, mas autônomos e inseparáveis.
Assim Prometeu é a vida, acorrentada, mas viva, castigada e decomposta, mas regenerada, para ser novamente castigada. Prometeu vivo acorrentado, sofrendo. A vida onde a Violência é presença indizível e muda.

13 de ago. de 2012

Ideologia: O homem é o que fizeram dele.


A matéria é a realidade, por se desconhecer outros mundos, ainda que se possa conhecer Manga, pequeno município do norte Mineiro, e por mais prosaico que seja Manga, Manga ainda pertence ao mundo real, diferente de Macondo que só é verosimilhante, mimese e imitação.
Insisto com a realidade, e não gastar tempo tentando camuflá-la. A ideologia, a ciência econômica de nossos dias no seu aspecto ideológico e outros tantos cientificismos fazem contorcionismos, que pela graça particular de cada aspecto das dobraduras, e vincos, continuam sempre a render dividendos a analistas e comparsas, mas nem explicam a realidade, por leviandade, nem ajudam de modo significativo ao capital, por incapacidade de compreendê-lo, excetuando sempre o famigerado filisteu proveito particular.
O recém nascido já não é um ser biológico em si, pela interferência da medicina, apesar de sua descendência histórica incipiente, sua historicidade continua a se fazer imediatamente, já na primeira alimentação, que se dará por uma decisão entre o aleitamento materno e o artificial completo de implicações históricas e ideológicas. Não se deve olvidar que a própria decisão entre parto natural e outros tem seu cunho ideológico. Dessa maneira o ser é histórico por natureza. Diferentemente de outros animais.
Houve um momento em que cada indivíduo singular, na sua singularidade era capaz de decidir por si, se era o momento de atacar a presa, ou não. Hoje tal decisão inexiste. É leviano querer voltar a esse ponto do desenvolvimento humano, voltar ao homem natural, como é ridículo sentir nostalgia, enquanto implique em um desejo de passado. Alienado de decisões que lhe são pertinentes, o próprio indivíduo está alienado, alienar é esvaziar-se e como é ridículo voltar atrás, o é também permitir esse total esvaziamento.
O homem esvaziado é decorrência do modo de vida que leva, no capitalismo todas as atitudes são capitalistas. A revolta de Lutero foi cristã, dentro da cristandade.
Aqui chega-se, e o homem é o que foi feito dele. Circunstâncias da natureza, históricas e ocupação dentro da divisão do trabalho. Esvaziado, para não dizer cheio de ideologia, contraditório como o sistema em que vive. Defende o que o ataca, aquilo que o rarefaz das próprias forças vitais. Triste contraponto ao ser, que, por nada, deveria abdicar da retomada da liberdade. Se há uma utilidade, objetivo humano este deve ser a liberdade. Se falamos em alienação do homem, esvaziamento é porque o homem já foi livre, e se foi livre a liberdade deve ser retomada.
Dentro deste homem esvaziado a ideologia da classe dominante, praticada pela intelectualidade, filósofos apoltronados, pensadores encastelados quer, busca e encontra por meio deles, espaço para se alojar.
Se por um lado a divisão do trabalho e a relação do homem com o trabalho o reduz a máquina, animal de trabalho, a ponto de ter determinada sua ração de consumo, e seu salário estar diretamente ligado a esta cesta. Daí todos os cuidados e zelos do Estado em não permitir, ou permitir dentro de patamares bem delineados de preços, o consumo necessário do trabalhador. De uma maneira cínica, porque se o preço da cachaça subir, obrigatório seria o aumento do salário, por isso a pinga é barata. O que faz do trabalhador este animal ideologicamente programado a exercer sisificamente sua função dentro da sociedade. Os avanços da ciência médica, a melhoria da alimentação, a higiene e o saneamento nas cidades, acabam por permitir maior tempo de vida. Mas o trabalho o estropeou, o consumo desnecessário o enferma, e faz que a aposentadoria do trabalhador seja um tempo de consumidor de remédios e quando não morto por tédio. Ele não tem o que fazer com o tempo livre da jubilação, se aborrece com a televisão, com a falta de objetivo, vazio, posto que antes era matéria de interesses alheio e o trabalho o enchia, retirado o trabalho resta-lhe muito pouco o que fazer. Livre do trabalho, mas sem saber o que fazer com essa liberdade, toma o tempo como se fosse algo a ser preenchido com o aborrecimento de uma criança que desde pequena é ensinada a preencher, de cores, desenhos carimbados na folha, como atividade educativa. Assim já na escola mais fundamental a ideologia se faz reproduzir, vicejar como método revolucionário, mas não se trata, senão que, de condicionamento ideologicamente preparado. A escola, em particular as de primeiro e segundo grau e muitas das faculdades privadas que vicejam nos horizontes citadinos, primam em meramente reproduzir o ambiente laboral, seus horários, seus uniformes, interesse puro e simples do capital.
Efetivamente se pode afirmar que o homem é aquilo que fizeram do homem. E se contraditório todo o seu fazer e tudo quanto o rodeia, também o é sua consciência, porque a individualidade só existe partindo do indivíduo na sociedade, e de dentro desta sociedade é que se dá o indivíduo, partindo dela. Não se parte do indivíduo para a sociedade, mas justamente o seu oposto, o ser social é que se individualiza, e o faz desde a realidade social. E se toda a sociedade é contraditória, a consciência não poderia ser outra coisa senão contraditória. Porque a consciência é a consciência social individualizada, tomada do ser enquanto ser social. Porque a consciência não repousa em si mesma, ela é dotada de intencionalidade, ela está atirada no meio do mundo, é sujeito no mundo, é o indivíduo jogado no meio do mundo. A consciência é o sujeito. O sujeito não para e consulta sua consciência, ele é consciência, e a consciência é a consciência gerada no mundo real. E o mundo real é o mundo das contradições, então a consciência é contraditória, o mais, como o próprio homem alienado da possibilidade de livre decisão, ao decidir, é o mundo real e contraditório que decide nele. Não existe consciência de um lado e o mundo do outro. Por exemplo se vejo o sinal vermelho não recorro à consciência para saber (eu) paro ou não? O eu é a reflexão. Porque quando invoco o “eu” e reflexiono, perco tempo em todo caso e a freada seria tardia, portanto sou consciência freando diante do sinal vermelho. A consciência não reflexiona. Vou ao cinema, não por reflexionar que é importante para minha formação cultural, vou porque sim, sou consciência indo ao cinema, assim como sou consciência atirando o quimba na calçada. Por isso que a consciência está em risco, porque está misturada com o mundo, se sujando com a lama do mundo, com o lixo do mundo, se lapidando no atrito do mundo, com a guerra do mundo. A consciência não tem compromisso com o interior, senão que com o exterior do homem, como o próprio homem. E como o homem, a consciência encontra sua unidade no mundo, entre as coisas do mundo, com a intencionalidade do mundo, e como intenção é projeto, porque o homem é projeto. Como projeto não pode ser coisa acabada, não é 'é porque é', é sim um vir a ser, e portanto não se pode dar como obra emoldurada, acabada, o homem é assim, a vida é assim e pronto. Contrariamente somos projetos, e consciências projetadas no mundo.

10 de ago. de 2012

Cotas, porque sim!


Entro numa viagem até chegar em África antes da chegada do europeu. E o que vejo ao pisar as areias da costa ocidental, são índios negros, que vivem longínquos do mediterrâneo e dos árabes, livres do trabalho, mas presos aos seus próprios costumes, suas guerras tribais, que também escravizavam, como os gregos fizeram com os turcos, os romanos por onde passaram etc; tinham seus instrumentos de produção de vida, seus equipamentos de proteção à vida, suas casas, suas moradas, seus rios, suas peles, um que outro grupo vagava, nômade pela vasta terra compartilhando espaço com as feras, e nos seus rituais se imitavam, não eram nem bons, ou malvados, eram natureza humana vivendo em meio à natura, naturalmente.
Um belo dia o sol se punha no mar. A habitação não era em nada diferente da anterior, nada havia perdido, materialmente, senão que a referência, os amigos, os parentes, os animais ferozes, os inimigos também ferozes, como eles próprios puderam a seu tempo serem ferozes. Mas ali, escapados do escorbuto, dos grilhões, das chibatas dos navios negreiros, foram postos a trabalhar, sob as mesmas condições de grilhões e chibatas. O trabalho e o açoite se vincularam, vincaram e sulcaram sua pele. O que mudara? Não havia de fato se produzido grandes mudanças ambientais, nem de equipamentos, tanto para manuseio, quanto de salvaguarda, seja, a senzala talvez fosse mais segura às intempéries  que sua casa original, suas indumentárias se mantinham irrisórias. A grande mudança se deu na relação dele com seus afazeres mais comuns; a produção de vida, a relação com produto do trabalho, a relação dele com o outro do próprio grupo, uma  relação aonde todos são subjugados, a relação do homem e a mulher, e o fruto dessa relação. lavrar  a terra formou a estreita relação entre trabalho e  perda da liberdade. Ao mesmo tempo em que foi transformado em objeto, objeto com valor de troca, e valor de uso e assim valorado para fazer o quê o subjugava: trabalhar. Trabalho e ausência plena de liberdade, e qualquer porção ínfima desta que fosse buscada produzia a dor do açoite, e a falta de liberdade dentro de sua ausência. Trabalhar era diretamente aumentar o poder do opressor, significando sempre menos liberdade.
Qual era o sentimento de uma mãe? Se o fruto de uma relação 'amorosa' não lhe pertencia, ser mãe era dar um escravo mais barato ao Senhor. O que era ser pai? Que padecia um pai e uma mãe? É inimaginável!
Por fim quando libertos não tinham trabalho para sua manutenção. Eu fico triste em ver minha velha máquina de escrever, abandonada para todo o sempre no meio da bagunça daquele quartinho que não cabe nem pensamento. O que era um negro abandonado, na cidade, no campo? Sem ter onde produzir o seu sustento? Mas acima de tudo condicionado a que o trabalho significava escravidão? Creio que até hoje devem padecer desse sentimento. Afinal, depois de tanto tempo, estar às voltas com o mesmo 'Sinhozinho' branco!? As vezes tenho a impressão de que querem desaparecer na nuvem da miscigenação, como para se esconder de tanta humilhação. Talvez por isso busquem quase desesperadamente seu herói Zumbi, porque é muito fácil, e glamoroso, ser descendente de imigrantes europeus, eram outros tempos, outra relação de trabalho, ainda que sofisticadamente escorchante. Ao menos o amor lhes pertencia, sua prole, seu leito amoroso...