26 de dez. de 2014

Um desconto de Natal



Quem não conhece o argumento do: Um conto de Natal de Dickens? Ebenezer Scrooge, o ávaro, que na noite de natal recebe a visita de fantasmas: o do Passado, que o obriga a recordar com afeto a sua infância; o do Presente, que lhe mostra como o amor reina na casa do seus empregados, e o do Futuro que lhe faz ver como morrerá, só como José Serra, se não mudar suas atitudes. No conto o final é feliz.
Apesar das desilusões, os abusos da comercialização, não tenho muita queda por narrativas mais ou menos ingênuas, que pretendem recordar o que havia de belo no espírito natalino de antigamente. Mas um dia li um conto em que Jesus, que voltava à terra a cada cem anos, por ocasião do Natal, vinha para assistir à missa do Galo, em alguma igreja pequenina de algum cafundó. Pelo caminho foram se juntando a Ele o canário ( o pássaro predileto de Deus), a angola, a lebre, a raposa, a cotia, o tatu e outros silvícolas. É assim que chegam a uma capela e se somam, sem serem vistos, ao coro dos homens e das mulheres que cantam, e aqueles que para os quais a vida é “uma luta incessante” ali encontram a paz e o amor. Na manhã seguinte, um moleque de olhos sonhadores, encontra a dormir junto ao altar o canário, ele a pega e o solta na porta da capela. E então dizem, e desde lá, cada Natal, nos cafundó, há alguém, entre os homens, querendo saber se vive deveras ou tão só sonha o Natal dos silvícolas. 

25 de dez. de 2014

O deus do Sol.




Sabem o quê? Neste natal desapareceram as guerras, as ignomínias e já podemos falar: nois fumo! Há muitos feitos extraordinários vinculados ao Natal, como o da Virgem Maria e de José, e a contundência do malvado Herodes, o Grande. No natal de 1642 nasceu Isaac Newton. Pura gravidade. Em 2014 no lombo de um meteoro, pouco grave, cavalga uma sonda espacial, que espera pelo sol para nos enviar notícias e fotos! Hoje foi o grande dia de fazer bondades. Como se fosse o dia internacional dedicado a humanidade latente em nós, no momento que atingimos um pico de bestialidade, mais que nunca, se mata no atacado, e muito perto de nós, gentaradas inocentes, rarefeitas de dignidade, mas hoje à mesa, o choro do menino não se ouviu.
Curioso esse mundão. Resulta que o que acontece no natal, é ter frequentemente um extra de excepcionalidade ( como esta palavra que tem x e p mudo). E sendo, que o que lhe dá essa categoria excepcional, o nascimento do Messias, é muito duvidado por antropólogos e historiadores. Afirmam que foi uma data manipulada, uma contrarresposta ao paganismo e conflitos de interesse do estilo. No Concílio de Nice 325 d.C foi quando se fixou o 25 de dezembro como a data do nascimento de Jesus. Naqueles tempos e neste dia, na antiga Roma, se celebrava a festa da Mitra, do Amigo, um deus solar proveniente do Oriente Médio, ou Próximo, da Pérsia, o deus do Sol nascido também numa gruta. Como a festa tinha repercussão, os cristãos eram espevitados, disseram: cristianizemo-la!

Se tratava e se trata de uma data carregada de simbolismos, mas de um especial simbolismo: A festa coincidia com o solstício de inverno no hemisfério norte. E como sabemos, com o solstício o dia começa a ficar comprido, de modo que representava e representa que a luz vencendo as trevas. 

22 de dez. de 2014

Teatro Comunal.

O teatro comunal.
Os papéis já distribuídos. Não existia sequer a moda essa da reinvenção de si. Repaginar-se, não havia. Todos assumiam seu personagem com a profissionalidade apaixonada do circense. Paulin, lhe chamaremos, Paulin ainda que o diminutivo fosse outro, havia sorteado o bêbado. Era muito esforçado. Andava sempre a beber, e então bêbado. Secundário, com poucos diálogos, e alguma cena memorável: “Você não viu o sinal de pare? “ E lá estava o par de policiais da baratinha afiando sua caneta para lhe tascar uma multa, e ele não se deixava impressionar. De fato, Paulin sempre se deparava com essa gente, eram velhos conhecidos. Assim que foi sincero: “ O Pare! Putz! Como não o vi... Porra! Amigos! Se nem vocês os vi! As noites de festa, os “home” não se afastavam da motoca barulhenta de poucas cilindradas do Paulin, sempre estrategicamente estacionada. Ele botava a cabeça para fora do bar, os via, e saia andando para outra direção, já se cansarão. Gostava de inventar ditos populares, se bem que alguns tinham a autoria muito disputada, como esse: se dá pra três, em dois comemos como reis. Não importa quem morreu, eu quero é chorar! E pedia um fernet. Era de uma vila duma época, onde se forjavam personalidades feitas da mistura de barro do realismo mágico e sopro dos sonsos Trapalhões. “Não fui batizado, cai no ribeirão”. Uma benzedeira calada, discreta, fazia o sinal da cruz. Sempre pareceu velha, porque lhe mataram o homem na revolução, o Galego anarquista, dizia, e enlutara desde então. Da fazenda Pau d'Alho ela vinha sempre àquela vila. Andava uns quilômetros a pé, para levar uns trocados para casa, tinha um filho pequeno. “Sim, sei que logo ganhei má fama, mas vou ali benzer e...” Iludida. Alguém se apiedou de sua ignorância. Faz tempo que é a pomba gira. Pomba gira? Não entendia. Trocava os sapatos para chegar em casa, e esconder o da estrada. Isso pensava. A intimidade é muito relativa, quando se vive numa vila. Mas muito. As pessoas sabem coisas de você que nem você sabe. 

Porco espinho.


Há a fábula do porco-espinho, senão, invento agora, fazia frio, era a era glacial, e os porcos-espinhos morriam de frio. Como outros animais resolveram se juntar, para se aquecerem com o calor de seus corpos. Nada. Com os seus espinhos mais feriam uns aos outros que se aqueciam mutuamente. Assim se afastavam. E morriam de frio. Se aproximavam e se feriam. Houve um momento em que descobriram a exata distância. 
Algum ferimento sempre foi melhor que a morte.
Não somos porcos-espinhos, mas valha-me deus, quantos espinhos. Há palavras que espetam mais que peixeira. Ouvi dizer que depois das festas de fim de ano, aumentam os divórcios, sobredose de proximidade. Assim o que vale para o porco-espinho e para os casais, vale mutatis mutandis, para todas as relações: entre animais, pessoas, objetos e contextos, até para relações entre comunidades inteiras, Facebook,  seja o que for, vocês já me entendem. 
No templo de Apolo em Delfos há uma frase,  gnothi seauton, "conhece-te a ti próprio", esta é boa, mas não é essa, mas uma que diz:  meden agan, "nada em excesso".
De nada, muito. Prefiro assim. Ou uma que dizia meu avô: um pouco agrada, muito enfada, temos exemplos a caçambadas
Tenho amigos, quais os encontros mensais são aprazíveis, já o contato semanal é nefasto.. O mesmo digo de feijoada, por-do-sol e Sinatra, Beatles...Elza Soares...
Um tal Edward T. Hall inventou uma disciplina, a Proxêmia, cunhou o termo Proxêmica: proximidade ou distância entre indivíduos, notadamente do ponto de 
vista comportamental, cultural ou social.
Enfim, há uma distância necessária para “passar o ar” e não ter que sentir o hálito. Não é bem a questão de só provar e não se entupir, enfastiar, mas nem muito próximo nem distante, que dê para ver vindo e que te possa agarrar.




14 de dez. de 2014

Segredo, Tortura, Esqueletos e Ditadura.


Certeza que já aconteceu que, no meio de uma conversa, e sem que nada tenha a ver, o interlocutor, abaixe a voz, olhe para os lados: “Isso que te conto é segredo, segredo...tá” Se trara em geral de uma bobagem que até o reino mineral já criou musgo sobre. Penso duas coisas, a primeira é que as notícias correm, e correm mais que os que as fazem correr. A segunda, é que dos segundos o mundo está cheio. Não gosto de ouvir segredos, porque em geral ele já foi contado para outras pessoas, e quando o chega aos ouvidos do próprio interessado, este começará a investigar quem a vazou!
Uma pergunta seria: Quem sabe guardar segredos? Mas não é a pergunta, e sim essa: Há algum segredo que se conserve secreto? Cada um conta o seu segredo a um melhor amigo, que tem outro melhor amigo, que tem outro melhor amigo... e nenhum desses melhores amigos são necessariamente você ou seu amigo, o amigo do amigo, é sempre um outro numa linha que não se fecha como o círculo. Quando você se dá conta todo mundo sabe o teu segredo. O que pensar? Se você não tem a virtude de guardar um segredo, não há que se esperar que os outros tenham? Parece que há um ditado chinês, que diz que: “aquilo dito na orelha de um homem, se ouve a milhares de quilômetros.” Imagine com os multiplicadores Twitter e Facebook zapzap...
Penso que os ingleses devam ter algo a nos dizer: “To have a sleleton in the cupboard”, nem precisa explicar, de tão transparente. Quem não tem um esqueleto no armário? Aliás, tem gente que ele próprio está dentro do armário.


E por falar em esqueletos, pensem na Ditadura, mas nem a CIA conseguiu esconder suas torturas!

11 de dez. de 2014

Água, a sábia


"A alma é, em certo modo, todas as coisas." Disse Aristóteles.

 Mais que pleitear a vida pós-moderna desde a liquidez; do que tanto tem se falado ultimamente, no sentido da fluidez da fugacidade das estruturas sólidas de hoje em dia, também das do conhecimento; a água pode ser o símbolo dessa totalidade sábia, porque é um elemento tolerante, que tem bastante em qualquer forma de recipiente ao qual se adapta, sem predileção especial, sem arestas, sempre cede, se distribui democraticamente, por onde podemos fluir, acalmar-nos refletindo a tranquilidade como autoconhecimento.
Assim o homem sábio não é aquele que sabe, senão o que entende. Entende o mundo, entende o outro, entende a si mesmo. A sabedoria é um estado qual não se necessita saber nada, nem sequer aspirar tal saber, é permanecer no centro do círculo e celebrar cada instante com plenitude e sem ir aos extremos para não cair. É uma aspiração humilde e involuntária.
É chover no molhado dizer que andamos por tempos bicudos, pouco propícios à sabedoria, antes talvez caminhamos com desespero e vertigem rumo à necedade ao disparatado à estupidez, a futilidade, à vaguidade de ideais incongruentes, como estas luzinhas pisca-piscas para enfeitar árvores e jardins.
O sábio deve ocupar seu espaço e se inter-relacionar com o meio pelos sentidos, emoções, sensações, percepções, apreensões e construir um diálogo profundo com o eu, o tu, o ele, a terra, fundado no respeito, que ao fim e ao cabo é o conceito mais alto de conhecimento.


Música.

Um pouco de música aos amigos.



Está que se acaba um ano de extraordinária intensidade política, e me parece que o vindouro o superará. Mas tantas discussões e embates e discursos, também saturam, um pouco. Vem a gosto esta treva natalina, digo trégua a tanta loquacidade, vou dar atenção à música, às palavras, não à letra. Me deixar balançar por elas, que venham só ou em bandos, leves, batendo asas, e sons, cheiros e cores em enxames de imagens nômades. Assim, será leve o ano pesado que vem. Como são leves os anos passados. Deixo a inquietude e o desassossego para sua hora. Agora a vez da voz do tato num corpo de dunas, onde meu coração reencontra a coragem da disparada, pelo poente escarlate que pulsa pelas veias no pescoço avermelhado deste crepúsculo.