17 de nov. de 2014

''Agora ele entrega todo mundo!"

Trago o seu amor de volta...
Parece mentira que em pleno séc XXI, seja tão fácil encontrar anúncios em todas as mídias de cartomantes, videntes, astrólogos e todo tipo de sem-razão, que por um bocado de dinheiro se oferecem para curar milagrosamente, adivinhar o futuro, recuperar o amor ou garantir boa fortuna.
É curioso que atitudes que correspondam às primeiras etapas da evolução da humanidade, o pensamento mágico entre tantos - continuem enraizados. As vezes, fazemos coisas aparentemente ridículas – não pisar numa risca de rejunte de lajotas, levantar da cama sempre com o pé direito, não abrir o guarda-chuva dentro de casa, não passar debaixo de uma escada, bater na madeira, etc. Ainda que essas sejam superstições ou manias inofensivas, mas suponho que cada vez são menos pessoas as que levam a sério a má sorte de cruzar com um gato negro, ou estilhaçar de um espelho ou o derramamento de um saleiro.
As superstições têm a ver com a crença mágica de que fazer ou não certas coisas pode influir no nosso futuro e no dos nossos familiares e amigos. Acender uma vela. E há os que têm suas raízes na história. Dizem que Jesus, quando arrotava, é porque algo estaria por acontecer e o arroto me parece poético num bebe, ademais é só uma escrotice. No teatro se evita a cor amarela, porque parece que quando Molière morreu, em cena, andava vestido desta cor, além, claro, da famosa 'merde'!

Desconheço a magnitude sociológica atual destas crendices. É possível que as situações propiciem o reforço de algumas superstições: ''agora ele entrega todo mundo!'' Penso que os acontecimentos são estritamente arbitrários ou poéticos.       

10 de nov. de 2014

A memória de seu tempo

A memória de seu tempo.

Não sou de citações. Pedantismo, o justo. Mas ainda é de sobra, para o meu gosto. Enfim, não sou de citações, porque prefiro minhas frases maravilhosas. As vezes têm outra autoria. Outras, são fragmentos de conversas ouvidas 'por acaso'. Não sei porque a memória escolhe e recolhe o que lhe convém. Li 18 Brumário algumas vezes, tantas quanto li 100 anos de solidão, um de cada vez e no seu tempo os li pela primeira vez sem pausa. Dois livros magníficos. A essas alturas, todo mundo já comeu tomate seco, e não convém que faça comentários deles. Fico com uma frase que se repete em ambos os livros. De nenhuma sei a literalidade, ainda que fosse fácil ir lá  ver. A de Marx, o Carl, cita Hegel que disse que a história se repete, e aquele acrescenta a esta, que a primeira vez como tragédia e depois como farsa. Já a de Marques, o Gabriel, parece – se me lembro bem – sai da boca de Úrsula Buendia ( levei anos a perceber, que 'Buendia' é Buen dia e é bom dia). Tanto faz se foi Úrsula, suponhamos que sim: “la vida es como una atracion de feria, que no avanza, sino que se da las vueltas.” Teimosa e grotesca. Porque a memória é dos mais velhos. 

Tudo culpa do Frederico.

“Temos que confessar”. Era um pecadão. Não era caso de polícia, mas havia chegado o momento de falar. “Como diremos?” Era um tema delicado e havia de o preparar. Não se podia dar versões contraditórias de fato tão grave. A agonia se apoderava de nós. Se acabava o tempo. É curta uma semana, se no sábado expira o tempo de dizer aquilo, que não se podia calar. Agora já não podíamos adiar mais. Zequinha tinha uma solução: “ não precisa dar detalhes, já se dará por satisfeito em ouvir que cometemos pecados”. Se notava que tinha ouvido seu irmão mais velho e experiente. De acordo, diremos que cometemos atos impuros e confiaremos que o padre não faça perguntas. O caso é ficar livres da culpa, no dia anterior da primeira comunhão. Mas o padre José se enervou. E com isso não contávamos. Quis saber detalhes. Principalmente quando pela quinta ou sexta vez ouvia a história do ato pecaminoso. O Padre saiu com o Murilo segurado pelo antebraço, e nos chamou a todos para uma conversa na sacristia. Tudo começara um ano antes, no Cine São Roque, num filme de Fellini, a molecada naquele carro vascolejante, e por Gradisca tínhamos Elzinha nos seus banhos de sol, que nossos olhos varavam pela cerca viva de mandacaru. Tudo que víamos no cinema, imitávamos por uns dias. Temíamos ser excomungados, antes de provar o corpo de cristo. Mas, Pe. José, que nos chamava 'ninhos', 'esso passa filhos', e sabedor da geografia, ''cuidem porque estavam tão perto da ''Santinha'' e não pode esconder seu melhor sorriso e nos permitia entrar na morada do senhor... eu me recordo, tudo culpa do Frederico.  

8 de nov. de 2014

Se Tiririca é honesto, aonde vamos com isso?

Se Tiririca é honesto, aonde vamos com isso?


A honestidade deve ser a configuração mínima da atuação política, é óbvio que temos que exigi-la a qualquer político – como a qualquer empresário, engenheiro, jornalista, domador de dálmatas – que sejam honestos. É notório que a maioria dos políticos brasileiros não o parecem, é óbvio, é necessário fazer com que sejam. Mas, isso, em política, não serve para muito: que um político seja honesto não define em absoluto sua conduta, linha política. A honestidade é – ou deveria ser – um dado menor: o mínimo denominador comum, a partir do qual possamos começar a perguntar: que políticas públicas propõe e como se aplicam.
Ninguém argumenta que a corrupção não seja um problema grave. Mas também é grave quando a usamos para pautar o debate político. O debate sobre o poder, sobre a riqueza, sobre as classes sociais, sobre suas representações. Precisamos de políticos honestos, dizem, e a honestidade não é de esquerda nem de direita, penso.
A honestidade pode não ser exclusividade da esquerda ou da direita, mas os honestos sim. E se pode ser muito honesto de esquerda e muito honesto de direita, e é nisso que temos a diferença. Quem administra honestamente em favor dos que têm menos, de modo geral, será mais de esquerda. Quem administra honestamente em favor dos que têm mais, de modo geral, será de direita. Também não gosto da terminologia direita\esquerda, mas é o repertório que se conhece bem, ou nem tanto.

Poderão tanto um quanto outro ser muito honestos. E ainda serão muito diferentes. E é essa diferença que não se alcança, não se vê, discutindo corrupção.

7 de nov. de 2014

Minas não há mais!


Não fui o primeiro a formular a pergunta. Certeza, fazia gerações que algum pai já a contestara, quando eu a verbalizei. “ O que há do outro lado?”. Invariavelmente, os adultos respondiam com uma mistura de certezas e indiferença: “Minas”. E eu pensava que se me deixassem baixar pelas serras bravas da Rifaina e  e cruzar as corredeiras do rio Grande, veria que não haveria nada mais que terra abstrata dos cursos de História, um mundo de diamantes, Tiradentes, Aleijadinho e sonhos de esmeraldas. Estava sempre convencido que o mundo era o do presente, e Minas tinha no passado seu presente e sua geografia no mapa 'Mundi' dos livros, das aulas da professora Henriette.
Outro dia me lembrando disso peguei a estrada e fui, cruzei a ponte e descobri que Minas estava ali, que o mundo é redondo e não se acaba. É redondo e dá voltas e onde havia Minas, agora é Goias, Chile, Oceano... enfim volta à Minas. Umas Minas Gerais. 

6 de nov. de 2014

Como dizia meu avô: não me toquem os tomates.


Sou tópico, como as pomadas. Fico contente com a chuva. Evocadora e elegante, que convida ao recolhimento, e a paisagem não coleciona cores em demasia, mais para o monocromatismo, talvez esteja nisso o meu não gostar do cinema novo. A temperatura é suficiente para se experimentar esta sensação de bem-estar. Os gatos se enroscam, e engatam o motor da felicidade. Está bem, já paro. Vejo que fazem bom juízo do que me agrada fazer com a chuva. É verão. Alguém decidiu que para economizar energia, botou o relógio a andar mais lento. É esses sessenta minutos que ainda não digeri, mas chego lá. Mas nem sempre a chuva é alegria. Lembro-me de umas chuvas que derrubaram todo o tomatal de meu avô. Foi a única vez que vi aqueles olhos tão azuis chorarem, numa mistura de sentimentos, de alegria porque morria Franco, e de tristeza, porque por levar Franco, não carecia que lhe tocassem os tomates. 

5 de nov. de 2014

Café com Leite.



 Era inofensivo. Era parte da paisagem da nossa infância feliz. Não nos ocorria sequer de nos perguntarmos, por que ficava ali plantado, naquele cruzamento, que jamais cruzara. Talvez, por evidente, saudava os caminhões que ali passavam, na vinda e ida para Araraquara. Nos o olhávamos de soslaio, ríamos, era isso: ele se alegrava quando algum motorista tocava a buzina ao passar. Mas nunca lhe dissemos nada, não tivemos coragem. Centenas e centenas de crianças cruzavam aquele lugar a cada dia. Éramos descerebrados barulhentos e impertinentes, mas havia uma fronteira invisível que nenhum de nós ousou atravessar. Claro que nossa educação era justa, quase apertada. E ainda que em nossas casas não tivéssemos biblioteca, nem nunca tivéssemos ido ao teatro, sabíamos que aquele homem era 'café com leite'. Esta expressão adoçava a crueldade do mundo desde a nossa tenra infância. No futebol alguém do adversário gritava: ' Mas vocês estão em doze', logo alguém de nós gritava 'Ele é 'café com leite'', é evidente que 'Ele' se sentia aquele homem no cruzamento dando adeus a desconhecidos caminhoneiros. Era cruel...  e melhoramos?