10 de nov. de 2014

A memória de seu tempo

A memória de seu tempo.

Não sou de citações. Pedantismo, o justo. Mas ainda é de sobra, para o meu gosto. Enfim, não sou de citações, porque prefiro minhas frases maravilhosas. As vezes têm outra autoria. Outras, são fragmentos de conversas ouvidas 'por acaso'. Não sei porque a memória escolhe e recolhe o que lhe convém. Li 18 Brumário algumas vezes, tantas quanto li 100 anos de solidão, um de cada vez e no seu tempo os li pela primeira vez sem pausa. Dois livros magníficos. A essas alturas, todo mundo já comeu tomate seco, e não convém que faça comentários deles. Fico com uma frase que se repete em ambos os livros. De nenhuma sei a literalidade, ainda que fosse fácil ir lá  ver. A de Marx, o Carl, cita Hegel que disse que a história se repete, e aquele acrescenta a esta, que a primeira vez como tragédia e depois como farsa. Já a de Marques, o Gabriel, parece – se me lembro bem – sai da boca de Úrsula Buendia ( levei anos a perceber, que 'Buendia' é Buen dia e é bom dia). Tanto faz se foi Úrsula, suponhamos que sim: “la vida es como una atracion de feria, que no avanza, sino que se da las vueltas.” Teimosa e grotesca. Porque a memória é dos mais velhos. 

Tudo culpa do Frederico.

“Temos que confessar”. Era um pecadão. Não era caso de polícia, mas havia chegado o momento de falar. “Como diremos?” Era um tema delicado e havia de o preparar. Não se podia dar versões contraditórias de fato tão grave. A agonia se apoderava de nós. Se acabava o tempo. É curta uma semana, se no sábado expira o tempo de dizer aquilo, que não se podia calar. Agora já não podíamos adiar mais. Zequinha tinha uma solução: “ não precisa dar detalhes, já se dará por satisfeito em ouvir que cometemos pecados”. Se notava que tinha ouvido seu irmão mais velho e experiente. De acordo, diremos que cometemos atos impuros e confiaremos que o padre não faça perguntas. O caso é ficar livres da culpa, no dia anterior da primeira comunhão. Mas o padre José se enervou. E com isso não contávamos. Quis saber detalhes. Principalmente quando pela quinta ou sexta vez ouvia a história do ato pecaminoso. O Padre saiu com o Murilo segurado pelo antebraço, e nos chamou a todos para uma conversa na sacristia. Tudo começara um ano antes, no Cine São Roque, num filme de Fellini, a molecada naquele carro vascolejante, e por Gradisca tínhamos Elzinha nos seus banhos de sol, que nossos olhos varavam pela cerca viva de mandacaru. Tudo que víamos no cinema, imitávamos por uns dias. Temíamos ser excomungados, antes de provar o corpo de cristo. Mas, Pe. José, que nos chamava 'ninhos', 'esso passa filhos', e sabedor da geografia, ''cuidem porque estavam tão perto da ''Santinha'' e não pode esconder seu melhor sorriso e nos permitia entrar na morada do senhor... eu me recordo, tudo culpa do Frederico.  

8 de nov. de 2014

Se Tiririca é honesto, aonde vamos com isso?

Se Tiririca é honesto, aonde vamos com isso?


A honestidade deve ser a configuração mínima da atuação política, é óbvio que temos que exigi-la a qualquer político – como a qualquer empresário, engenheiro, jornalista, domador de dálmatas – que sejam honestos. É notório que a maioria dos políticos brasileiros não o parecem, é óbvio, é necessário fazer com que sejam. Mas, isso, em política, não serve para muito: que um político seja honesto não define em absoluto sua conduta, linha política. A honestidade é – ou deveria ser – um dado menor: o mínimo denominador comum, a partir do qual possamos começar a perguntar: que políticas públicas propõe e como se aplicam.
Ninguém argumenta que a corrupção não seja um problema grave. Mas também é grave quando a usamos para pautar o debate político. O debate sobre o poder, sobre a riqueza, sobre as classes sociais, sobre suas representações. Precisamos de políticos honestos, dizem, e a honestidade não é de esquerda nem de direita, penso.
A honestidade pode não ser exclusividade da esquerda ou da direita, mas os honestos sim. E se pode ser muito honesto de esquerda e muito honesto de direita, e é nisso que temos a diferença. Quem administra honestamente em favor dos que têm menos, de modo geral, será mais de esquerda. Quem administra honestamente em favor dos que têm mais, de modo geral, será de direita. Também não gosto da terminologia direita\esquerda, mas é o repertório que se conhece bem, ou nem tanto.

Poderão tanto um quanto outro ser muito honestos. E ainda serão muito diferentes. E é essa diferença que não se alcança, não se vê, discutindo corrupção.

7 de nov. de 2014

Minas não há mais!


Não fui o primeiro a formular a pergunta. Certeza, fazia gerações que algum pai já a contestara, quando eu a verbalizei. “ O que há do outro lado?”. Invariavelmente, os adultos respondiam com uma mistura de certezas e indiferença: “Minas”. E eu pensava que se me deixassem baixar pelas serras bravas da Rifaina e  e cruzar as corredeiras do rio Grande, veria que não haveria nada mais que terra abstrata dos cursos de História, um mundo de diamantes, Tiradentes, Aleijadinho e sonhos de esmeraldas. Estava sempre convencido que o mundo era o do presente, e Minas tinha no passado seu presente e sua geografia no mapa 'Mundi' dos livros, das aulas da professora Henriette.
Outro dia me lembrando disso peguei a estrada e fui, cruzei a ponte e descobri que Minas estava ali, que o mundo é redondo e não se acaba. É redondo e dá voltas e onde havia Minas, agora é Goias, Chile, Oceano... enfim volta à Minas. Umas Minas Gerais. 

6 de nov. de 2014

Como dizia meu avô: não me toquem os tomates.


Sou tópico, como as pomadas. Fico contente com a chuva. Evocadora e elegante, que convida ao recolhimento, e a paisagem não coleciona cores em demasia, mais para o monocromatismo, talvez esteja nisso o meu não gostar do cinema novo. A temperatura é suficiente para se experimentar esta sensação de bem-estar. Os gatos se enroscam, e engatam o motor da felicidade. Está bem, já paro. Vejo que fazem bom juízo do que me agrada fazer com a chuva. É verão. Alguém decidiu que para economizar energia, botou o relógio a andar mais lento. É esses sessenta minutos que ainda não digeri, mas chego lá. Mas nem sempre a chuva é alegria. Lembro-me de umas chuvas que derrubaram todo o tomatal de meu avô. Foi a única vez que vi aqueles olhos tão azuis chorarem, numa mistura de sentimentos, de alegria porque morria Franco, e de tristeza, porque por levar Franco, não carecia que lhe tocassem os tomates. 

5 de nov. de 2014

Café com Leite.



 Era inofensivo. Era parte da paisagem da nossa infância feliz. Não nos ocorria sequer de nos perguntarmos, por que ficava ali plantado, naquele cruzamento, que jamais cruzara. Talvez, por evidente, saudava os caminhões que ali passavam, na vinda e ida para Araraquara. Nos o olhávamos de soslaio, ríamos, era isso: ele se alegrava quando algum motorista tocava a buzina ao passar. Mas nunca lhe dissemos nada, não tivemos coragem. Centenas e centenas de crianças cruzavam aquele lugar a cada dia. Éramos descerebrados barulhentos e impertinentes, mas havia uma fronteira invisível que nenhum de nós ousou atravessar. Claro que nossa educação era justa, quase apertada. E ainda que em nossas casas não tivéssemos biblioteca, nem nunca tivéssemos ido ao teatro, sabíamos que aquele homem era 'café com leite'. Esta expressão adoçava a crueldade do mundo desde a nossa tenra infância. No futebol alguém do adversário gritava: ' Mas vocês estão em doze', logo alguém de nós gritava 'Ele é 'café com leite'', é evidente que 'Ele' se sentia aquele homem no cruzamento dando adeus a desconhecidos caminhoneiros. Era cruel...  e melhoramos?



4 de nov. de 2014

Estamos equidistantes do golpe e da revolução. Há que se fazer boa escolha.

Estamos equidistantes do golpe e da revolução. Há que se fazer boa escolha.


Se para alguma coisa pode servir o que está se passando desde julho 2013, seria para de uma vez por todas, nos darmos conta, que nem a ditadura acabou; nem o império e o escravagismo morreram e foram enterrados definitivamente. Sempre se ressuscita algo. À caserna há sempre alguém desperto. Porque estas estruturas estão enraizadas, somatizadas por todo o território, mais enraizadas, que nós alegres cidadãos pensávamos. E pensar o tanto que nos custou construir a democracia recente, não era para se ver o que se tem visto. Já, por agora, de uns meses cá, com rápidos movimentos, e demolidores gestos, se nos arrastam o véu da inocência, graças sobretudo ao impagável trabalho dos meios de comunicação. O poder podre por natureza, se retroalimenta do seu despudor, tudo em nome do enriquecimento desmedido dos já detentores da fortuna desde sempre, umas quantas famílias que se repartem o botim enquanto nem sequer aceitam que a escória mal viva. E assim sendo, querem que se deprimam , e que se humilhem por uma quimera. Estas gentes que não fizeram mal algum e que se dedicaram a pôr em prática os princípios elementares da convivência e dedicação ao trabalho, agora recompensados com a vexação social e a solidão do impotente.
Entretanto não creia, não tornarão a ser como eram. Ainda que a tal parcela, com princípios bem diferentes, fazem do uso e abuso da posição, contatos, ocultação de bens e prevaricação, sempre atrás de um discurso impoluto, pense bater à porta do céu. Estão ai os tiques da ditadura, da falsa aristocracia, dos estratos de sangue real, de senhores de engenho, de capangas, de novos-ricos, de nova e velha classe média. A arquitetura deste arcabouço é largo, longo e sólido em suas genealogias, e na sua onipresença. Isso que digo se manifesta tanto em palavras, como em fatos, como ainda pouco na Paulista, sem a oposição veemente e necessária, outrossim, com o beneplácito dos meios de comunicação social, dos partidos oposicionistas aliados. Poderia se dizer que quem cala consente,
mas é mais que isso, na verdade contam com sua vênia, em troca de continuarem ‘insuspeitos’ a espreita, para ver que cai da mesa, para então se apropriarem. Mas não creiam, que se não aceites os resultados dessa falácia democrática – a que nos sujeitamos a lustros sem conta – tampouco aceitar-se-á um governo advindo de um golpe. Porque os tempos são outros, por todos os lados. E se olharmos por este prisma, está tão perto um golpe, quanto uma revolução.