“Temos que confessar”. Era um pecadão. Não era caso de polícia, mas havia
chegado o momento de falar. “Como diremos?”
Era um tema delicado e havia de o preparar. Não se podia dar versões
contraditórias de fato tão grave. A agonia se apoderava de nós. Se
acabava o tempo. É curta uma semana, se no sábado expira o tempo de
dizer aquilo, que não se podia calar. Agora já não podíamos
adiar mais. Zequinha tinha uma solução: “ não precisa dar
detalhes, já se dará por satisfeito em ouvir que cometemos
pecados”.
Se notava que tinha ouvido seu irmão mais velho e experiente. De
acordo, diremos que cometemos atos impuros e confiaremos que o padre
não faça perguntas. O caso é ficar livres da culpa, no
dia anterior da primeira comunhão. Mas o padre José se enervou. E
com isso não contávamos. Quis saber detalhes. Principalmente quando
pela quinta ou sexta vez ouvia a história do ato pecaminoso. O
Padre saiu com o Murilo segurado pelo antebraço, e nos chamou a
todos para uma conversa na sacristia. Tudo começara um ano antes, no
Cine São Roque, num filme de Fellini,
a molecada naquele carro vascolejante,
e por Gradisca tínhamos
Elzinha nos seus banhos de sol, que nossos olhos varavam pela cerca
viva de mandacaru. Tudo que víamos no cinema, imitávamos por uns
dias. Temíamos ser excomungados, antes de provar o corpo de cristo.
Mas, Pe. José, que nos chamava 'ninhos', 'esso passa filhos', e
sabedor da geografia, ''cuidem porque estavam tão perto da
''Santinha'' e não pode esconder seu melhor sorriso e nos permitia
entrar na morada do senhor... eu me recordo, tudo culpa do Frederico.
10 de nov. de 2014
8 de nov. de 2014
Se Tiririca é honesto, aonde vamos com isso?
Se Tiririca é
honesto, aonde vamos com isso?
A honestidade deve
ser a configuração mínima da atuação política, é óbvio que
temos que exigi-la a qualquer político – como a qualquer
empresário, engenheiro, jornalista, domador de dálmatas – que
sejam honestos. É notório que a maioria dos políticos brasileiros
não o parecem, é óbvio, é necessário fazer com que sejam. Mas,
isso, em política, não serve para muito: que um político seja
honesto não define em absoluto sua conduta, linha política. A
honestidade é – ou deveria ser – um dado menor: o mínimo
denominador comum, a partir do qual possamos começar a perguntar:
que políticas públicas propõe e como se aplicam.
Ninguém argumenta
que a corrupção não seja um problema grave. Mas também é grave
quando a usamos para pautar o debate político. O debate sobre o
poder, sobre a riqueza, sobre as classes sociais, sobre suas
representações. Precisamos de políticos honestos, dizem, e a
honestidade não é de esquerda nem de direita, penso.
A honestidade pode
não ser exclusividade da esquerda ou da direita, mas os honestos
sim. E se pode ser muito honesto de esquerda e muito honesto de
direita, e é nisso que temos a diferença. Quem administra
honestamente em favor dos que têm menos, de modo geral, será mais
de esquerda. Quem administra honestamente em favor dos que têm mais,
de modo geral, será de direita. Também não gosto da terminologia
direita\esquerda, mas é o repertório que se conhece bem, ou nem tanto.
Poderão tanto um
quanto outro ser muito honestos. E ainda serão muito diferentes. E é
essa diferença que não se alcança, não se vê, discutindo
corrupção.
7 de nov. de 2014
Minas não há mais!
Não fui o primeiro
a formular a pergunta. Certeza, fazia gerações que algum pai já a
contestara, quando eu a verbalizei. “ O que há do outro lado?”.
Invariavelmente, os adultos respondiam com uma mistura de certezas e
indiferença: “Minas”. E eu pensava que se me deixassem baixar
pelas serras bravas da Rifaina e e cruzar as corredeiras do
rio Grande, veria que não
haveria nada mais que terra abstrata dos cursos de História, um mundo de diamantes, Tiradentes, Aleijadinho e
sonhos de esmeraldas.
Estava sempre convencido que o mundo era o do presente, e Minas tinha
no passado seu presente e
sua geografia no
mapa 'Mundi' dos livros,
das
aulas da professora Henriette.
Outro
dia me lembrando disso peguei a estrada e fui, cruzei
a ponte e descobri que
Minas estava ali, que o mundo é redondo e não se acaba. É redondo
e dá voltas e onde havia
Minas, agora é Goias, Chile, Oceano... enfim volta à Minas. Umas
Minas Gerais.
6 de nov. de 2014
Como dizia meu avô: não me toquem os tomates.
Sou
tópico, como as pomadas. Fico contente com a chuva. Evocadora e
elegante, que convida ao recolhimento, e
a paisagem não coleciona
cores em demasia, mais para o monocromatismo, talvez
esteja nisso o meu não gostar do cinema novo.
A temperatura é suficiente para se experimentar esta sensação de
bem-estar. Os gatos se enroscam, e engatam o motor da felicidade.
Está bem, já paro. Vejo que fazem bom juízo do que me agrada fazer
com a chuva. É verão. Alguém decidiu que para economizar energia,
botou o relógio a andar mais lento. É esses
sessenta minutos que
ainda não digeri, mas
chego lá. Mas
nem sempre a chuva é alegria.
Lembro-me de umas chuvas
que derrubaram todo o tomatal de meu avô. Foi a única vez que vi
aqueles olhos tão azuis chorarem, numa mistura de sentimentos, de
alegria porque morria Franco, e de tristeza, porque por levar
Franco, não carecia que lhe tocassem os tomates.
5 de nov. de 2014
Café com Leite.
Era inofensivo.
Era parte da paisagem da nossa infância feliz. Não nos ocorria
sequer de nos perguntarmos, por que ficava ali plantado, naquele
cruzamento, que jamais cruzara. Talvez, por evidente, saudava os
caminhões que ali passavam, na vinda e ida para Araraquara. Nos o
olhávamos de soslaio, ríamos, era isso: ele se alegrava quando
algum motorista tocava a buzina ao passar. Mas nunca lhe dissemos
nada, não tivemos coragem. Centenas e centenas de crianças cruzavam
aquele lugar a cada dia. Éramos descerebrados barulhentos e
impertinentes, mas havia uma fronteira invisível que nenhum de nós
ousou atravessar. Claro que nossa educação era justa, quase
apertada. E ainda que em nossas casas não tivéssemos biblioteca,
nem nunca tivéssemos ido ao teatro, sabíamos que aquele homem era
'café com leite'. Esta expressão adoçava a crueldade do mundo
desde a nossa tenra infância. No futebol alguém do adversário
gritava: ' Mas vocês estão em doze', logo alguém de nós gritava
'Ele é 'café com leite'', é evidente que 'Ele' se sentia aquele
homem no cruzamento dando adeus a desconhecidos caminhoneiros. Era
cruel... e melhoramos?
4 de nov. de 2014
Estamos equidistantes do golpe e da revolução. Há que se fazer boa escolha.
Estamos
equidistantes do golpe e da revolução. Há que se fazer boa
escolha.
Se para alguma coisa
pode servir o que está se passando desde julho 2013, seria para de
uma vez por todas, nos darmos conta, que nem a ditadura acabou; nem
o império e o escravagismo morreram e foram enterrados
definitivamente. Sempre se ressuscita algo. À caserna há sempre
alguém desperto. Porque estas estruturas estão enraizadas,
somatizadas por todo o território, mais enraizadas, que nós alegres
cidadãos pensávamos. E pensar o tanto que nos custou construir a
democracia recente, não era para se ver o que se tem visto. Já, por
agora, de uns meses cá, com rápidos movimentos, e demolidores
gestos, se nos arrastam o véu da inocência, graças sobretudo ao
impagável trabalho dos meios de comunicação. O poder podre por
natureza, se retroalimenta do seu despudor, tudo em nome do
enriquecimento desmedido dos já detentores da fortuna desde sempre,
umas quantas famílias que se repartem o botim enquanto nem sequer
aceitam que a escória mal viva. E assim sendo, querem que se
deprimam , e que se humilhem por uma quimera. Estas gentes que não
fizeram mal algum e que se dedicaram a pôr em prática os princípios
elementares da convivência e dedicação ao trabalho, agora
recompensados com a vexação social e a solidão do impotente.
Entretanto não
creia, não tornarão a ser como eram. Ainda que a tal parcela, com
princípios bem diferentes, fazem do uso e abuso da posição,
contatos, ocultação de bens e prevaricação, sempre atrás de um
discurso impoluto, pense bater à porta do céu. Estão ai os tiques
da ditadura, da falsa aristocracia, dos estratos de sangue real, de
senhores de engenho, de capangas, de novos-ricos, de nova e velha
classe média. A arquitetura deste arcabouço é largo, longo e
sólido em suas genealogias, e na sua onipresença. Isso que digo se
manifesta tanto em palavras, como em fatos, como ainda pouco na
Paulista, sem a oposição veemente e necessária, outrossim, com o
beneplácito dos meios de comunicação social, dos partidos
oposicionistas aliados. Poderia se dizer que quem cala consente,
mas é mais que
isso, na verdade contam com sua vênia, em troca de continuarem
‘insuspeitos’ a espreita, para ver que cai da mesa, para então
se apropriarem. Mas não creiam, que se não aceites os resultados
dessa falácia democrática – a que nos sujeitamos a lustros sem
conta – tampouco aceitar-se-á um governo advindo de um golpe.
Porque os tempos são outros, por todos os lados. E se olharmos por
este prisma, está tão perto um golpe, quanto uma revolução.
2 de nov. de 2014
Tumba esperando seu morto.
Túmulo vazio.
Chuviscava, mas é
difícil resistir ao cemitério. Histórias esquecidas entre nomes
repetidos, datas remotas e flores tristes de plástico. O horizonte
delimitado por condomínios, estes dos vivos, vistos dali, não
diminuem nossa insignificância, ou a claustrofobia. Um túmulo com
anjos sinistros e mármores decorativos, e tijolos que foram se
desgastando ao longo do tempo, e minha velha conhecida, a inscrição
que diz:''Aqui jaz José de Sá Rocha __ de __ 19__”. Sim, lá
estão os espaços em branco para serem ainda preenchidos, como a
própria cova. A primeira reação foi infantil: 'ainda vive'. Mas
logo me vem um detalhe moribundo, este homem não previa chegar ao
séc XXI. Vila Bonfim, é assim que os antigos moradores a chamam,
sabe o paradeiro de todos os seus filhos, mas não tem a menor
informação sobre José de Sá Rocha. Fiquei a pensar, no velhinho,
se o fosse, a desfrutar de sua futura residência definitiva, como se
fosse uma casa de campo, ou na segurança condominial. No entanto,
para aquele que constrói a própria tumba, muito antes da morte,
esta está abandonada. Pelas informações recebidas junto a
administração do cemitério, o túmulo ,não habitado pelo não
vivente, fora construído por um jovem no final dos anos 50, mais
precisamente em 1958. Foi no Google que resolvi a charada, uma única
entrada. Uma reportagem do Jornal A Cidade publicada em 1968 que me
fez descobrir que José de Sá Rocha, nascera na noite de natal do
ano de 1940, e então com 38 anos o comunista Zé de Sá, e toda sua
família desapareceu misteriosamente por mãos desconhecidas perto da
Gironda, acerca de Luiz Antônio, então estação de trens da Alta
Mogiana. José de Sá Rocha construiu com as próprias mãos sua
residência definitiva, mas para habitá-la não basta a vontade de
um morto, pois necessita da cumplicidade de um vivo. E ele não a
teve. Descanse em paz. Onde quer que esteja.
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