1 de dez. de 2013

Mata-burro.





"Em nome de uma pretensa neutralidade, acomoda-se o pensamento à (pretensa) realidade,
que é a dominação. É justo no ''demi-monde'' que a dominação cravou suas garras, por coisas de pouca monta"

Corrupção? Não! Obrigado! Quando se fala em Maquiavel, não é um livro, não deve ser um livro, mas sim um conhecimento de mundo, do mundo real, desse que tem mudança de horário, busão, semáforo , congestionamento e em qualquer destes fatos reais há uma disputa de poder. No busão o Estado entra reservando assentos, limitando lotação etc, para não nos engalfinharmos. A Política é disputa pelo poder, que na família se o tinha como ''natural'' e não histórico ( história é processo) a era do patriarcado, que ainda persiste, mas já se lhe oferecem resistências. Desse modo esta disputa se dá no Governo da União, Estados, Municípios, Distritos, Bairros, Favelas, Ruas, Quarteirões... Nesta disputa há contendores. Não se trata de todos contra todos.. nem muito menos, mas sim, se trata de lados que se opõem. Não é aceitável o apolítico, por ele, para ele, não pelos outros, porque nem debaixo desses fios de energia que empesteiam a cidade, pode-se ficar impunemente, pois logo uma pomba lhe cagará na cabeça.

Se a questão que se põe em debate é a corrupção, e se de fato houvesse o interesse, real, dos envolvidos nesse movimento, ela, dejà, não existiria. Mas o que se vê é a instrumentalização da corrupção, e como instrumento é apropriado pelos meios de comunicação de massa, seu uso é e tem sido cirúrgico, tal instrumental é apontado para um só lado, desde tempos imemoriais, na política brasileira. Quem instrumentaliza e se apropria do instrumento, tem sido os desde sempre donos dos outros todos instrumentos, inclusivamente da força de trabalho. No mais, nada fora do seu modo de operação, a dizer, o da promessa que não se cumpre, liberdade e igualdade (possíveis, mas só possível, parcial) como essa promessa da limpeza moral, ela também é parcial. Queria, eu, ver todo este arsenal apontado para todos os corruptos, com a mesma veemência, com a mesma litigiosidade e sangue no olho dos cuspidores de vespas, celeridade, e o novíssimo instrumental jurídico, a citar o ''Domínio de Fato”, que Ives Gandra, em nome dos dedos, quase pediu a absolvição de Zé Dirceu, tamanho o estrago que pode vir a fazer, nas suas hostes, tal instrumento se aplicado aos processos que são bastantes, a envolver os donos das corporações etc. Mas tiro meu cavalo da chuva e deixo meu burro na sombra, este “Domínio de Fato” será abortado, junto com seu promotor.


Assim é como corrupção passa na avenida, vestida com paetês, lantejoulas, penas de pavão, adereços e fantasias, é carnaval, e o enredo é o mata-burro, e ninguém o ultrapassa. O mata-burro com feições anticorrupção fazem esquecer o meio ambiente, a fuligem da cana de açúcar, sexismo na linguagem, crueldade discriminatória, estética urbana, urbanismo puro e simples( que aqui em Ribeirão não existe, nem uma rouca voz, e vão se entulhando margens de rios, ribeirões, nascentes, impermeabilizando solos (pelos seus donos) – estes não estão aqui no facebook se martirizando com a corrupção, pois são os corruptores) mobilidade urbana, lixo, lixo, lixo... o Mata-burro assim, só limita o passeio de mugentes e semoventes.

25 de nov. de 2013

Havah Nagila.




P quando saiu de casa pela primeira vez, foi para morar numa pensão cortiço que havia na Florêncio quase a esquina com a São José! Um quarto de 5 ou 6 metros quadrados com um guarda-roupa, uma beliche, duas mesinhas, uma moringa d'água, dois copos e duas cadeiras. Seu companheiro de quarto era chinês, do qual  não ouviu voz. Conseguiu numa manobra delicada, junto com Antônio de Palestina, trocarem os parceiros, o de Antônio era só chato. E se juntaram. Ouviam Zé Bettio logo às seis da manhã, na fila para ocuparem as primeiras fileiras do anfiteatro. Faziam o famoso intensivão do Objetivo. Rapidamente se fizeram amigos, e no fim de semana, Antônio convidou P a visitar Palestina, de carona. Foi a primeira para P, pedida com o polegar! Foi à frente com o motorista que era muito sensível,  a ponto de conseguir ver uma andorinha morrer em pleno voo,  e cair ao lado da pista, parou e a enterrou. Chegaram a Palestina perto das dez horas da manhã. O  primeiro espanto de P foi o tamanho da casa de Antônio, ocupava um quarto de todo o terreno do quarteirão, quadra de saibro, estande de tiro, piscina e pomar. A casa estava em festa, porque retornava de Londres sua mana Laura, estudava literatura inglesa. Antônio queria medicina, P, não sabia. O pai de Antônio era médico, dono do hospital da cidade, do Clube Harmonia, dos laranjais que circundavam Palestina, e de uma ilha no rio Turvo. P se excitara em conhecer a moça da literatura inglesa, mas Antônio decretou que o ambiente estava muito feminino,  Laura não saiu do quarto onde estava com amigas, e eles foram pela cidade encher a camionete de cerveja, gelo e carne.
Aquele garoto pacato, acabrunhado e duro, era dono da cidade, e no açougue não foi preciso passar à frente de ninguém, porque a fila se abriu, assim, num gesto tímido demandou suas carnes preferidas, dentre elas cupim; quem embrulhava as carnes era o filho do açougueiro que P conhecia do mesmo intensivão, mas as aparências estariam trocadas. Montaram as tralhas, haveriam de pescar. Depois de preterirem – mais Antônio que P – o almoço em casa, partiram para a ilha. A ilha estava logo ao pé de uma pequena cachoeira do Turvo, que bifurcava, com sua palhoça, e seu local para braseiro. Cruzaram o rio pelas pedras, com toda a tralha. P se divertia com a piracema, com os tantos outros amigos que vieram, sem que P tenha se dado conta de convites e com o cupim lascado pouco a pouco. Laura apareceu com as amigas quando P insistia em pegar os infelizes peixes, que ao saltarem na tentativa de ultrapassar a cachoeirinha, caiam em pequenas poças. Branca. Branca como uma página, antes que a maculem. P pegou a  mão de Laura  e tentou ajudar, cavalheirismo, longe de Trafalgar Square, aprenderá, mas os borrachos pediam que a atravessasse nos braços, ela olhou, se eles querem, que podemos fazer, e  aquele trajeto de cinco ou seis metros, como P via em filmes de cowboy, não se erra, P pensava, embora o que se queria fosse justo, o erro. Pousou-a sobre terra firme.
O jantar, Antônio não lhe furtou, porque também estava a ele obrigado, assim que foi atendido pela esquerda por uma serviçal. Seu tempo de centro das atenções não passou do da boa educação, e logo se voltaram à filha que retornava. Falava de espetáculos, exposições, praças, teatro, cinema e Ivan Rebroff? 

Escusou-se, foi atendida pelo doutor, com um donaire, saiu e voltou com um LP que estampava o cantor com sobrancelhas arcadas, longos cabelos e barba cerrada. Laura havia presenciado um de seus espetáculos. Ela olhava P. Nunca de soslaio. Sempre de frente. Aquele pouco de sol, ardia seu rosto, pouco pelo chapéu da tarde. Da sala de jantar se dirigiam à sala de estar, onde ouviriam o russo helênico. P e o primeiro vinho do porto. Antônio estava aborrecido, mas não pedia cumplicidade. Assim P se envolvia, e acabou a dançar Havah Nagila, um passo que havia aprendido com seu tio, e se dança agachado, sentado sobre os calcanhares a estirar as pernas, nada mais folcloricamente russo em se tratando de dança. P mentiu e disse que tinha uma tia-avó lituana, não era de todo uma mentira, mas P nunca havia visto a tia-avó lituana. Acabaram numa roda, todos de braços dados a dançar Havah Nagila, outra e mais uma vez. O doutor se retirou para o escritório, a senhora desapareceu, e todos foram para a boate do Harmonia Club. Enfim. Voltaram enganchados. Aliás, estavam enganchados antes de se conhecerem, foi o que ela lhe disse, ao negar a aparecer, por saber que o irmão viera com um forasteiro. Da parte de P estava cozido. O trajeto do Harmonia até a casa, só não foi mais longo, porque o irmão insistia em entrar pela garagem. Laura e sua boca molhada pelo Dry Martine que ainda os acompanhava, convidava P a repartir a azeitona. O doutor os esperava com as pernas cruzadas vestido de um pijama azul vincado, lendo um romance recostado na poltrona. Ganhou muitos beijos. Antônio mostrou a P o armário do quarto, que estava trancado, rifles, rifles de repetição, dois canos, cartucheiras, pistolas, escopetas, carabinas, pica-pau, espingardas antigas, novas, revolveres, coletes, cintos de cartuchos, maquinetas para encher cartuchos, cartuchos vazios, pólvora, chumbos. Para P a infância não teria fim. Iriam caçar perdizes no domingo. P ficou a sós. Com todo o arsenal. Amou tocar a Winchester, com aquela alavanca que se leva com três dedos para frente e para trás, a fazê-la cuspir o cartucho vazio, e com o indicador puxa-se o gatilho. Quando ela entrou, P estava sentado à beira da cama, com a Winchester cruzando o peito, depositada a culatra na palma da mão, P se sentia El Hombre, num átrio de estação esperando a próxima carruagem.



Quando os perdigueiros levantaram o rabo, dando a direção, P levantou a ponta do cano, eles latiram, atirou, e a codorna alcançada em voo reto, caiu.

24 de nov. de 2013

Escravos da pós-modernidade.

Neo escravos.



A escravidão foi abolida, legalmente há tempos, no entanto o trabalho por fazer permaneceu. Alem de máquina, o escravo fazia o que se tinha que fazer para que se concretizasse o mercantilismo, naturalmente um sistema de ''produção'' de mercadorias em abundância controlada. Sem máquinas ou quem faça o trabalho delas, não há mercantilismo, volta-se, obrigatoriamente, alguns passos históricos. Assim que ninguém queria fazer o trabalho que o escravo fazia, daí que se penalizasse a preguiça, o ócio. Dai haver surgido o ''trabalho dignifica'' o homem. O sistema tem o seus sábios e os percussores e repercutentes dessas sabedorias. Inútil lutar contra essa coisa posta. Tão inútil que os beatos do sistema liberal conceberam o ócio criativo. Porque a preguiça, o ócio é a casa do demônio. Quem é o demônio? Ora, quem senão o outro, o ocioso, o preguiçoso. Porque o trabalho é a melhor polícia, para vigiar e não permitir que de fato o outro se forme, se estabeleça outro, livre que não seja uma engrenagem da massa maquinal produtiva. Porque o trabalho é quem submete horas a fio, toda uma vida. Aos tempos livres de trabalho se permite sequer serem chamados ócio, tempo de preguiça. Não é aceito. E tanto não é, que esse tempo livre é conduzido, tutelado para a imensa maioria das pessoas. A coisa chega a tal desenvolvimento, que num campo de futebol, onde as violências são representadas, a autonomia já rarefeita do sujeito que se torna espectador, e como tal incapaz de   julgar, imaginar, vem mais se rarefazendo, como se fosse possível, a tal ponto que já existem os telões nos estádios, para tirar a dúvida, seja um lance que já era passado, volta em forma de replay, para que sequer a imagem do lance se retenha, e o espectador saia do estádio sem lembranças, e vá para casa rever o revisto. Isso é tutela. No lugar de deus, isso. Tutelado por quê? Porque não se pense. Porque não se lhe inculque o demônio. Porque não se concretize efetivamente o indivíduo que tanto alardeia o liberal. E cada espectador tenha então a jogada mastigada. É no ócio, na ruminação sem direção ou sentido que se forma o outro, em sua plenitude de individualidade. Ora, porque o ócio é antípoda do trabalho alienado, porque é certo que o trabalho no mercantilismo é o trabalho de maquinaria, que substituiu a escravidão, e não me venham dizer que as máquinas pensam, quem pensa, que pensa que nasceu para determinado dom ou trabalho, nasceu ou foi transformado em máquina, e já não sabe, e sequer sabe que não sabe. Tanto é assim, que nossa ''atividade'' ''ociosa'' no facebook está longe de ser um ''far niente'' antípoda do trabalho, cada clique faz a NASDAQ subir um pontinho. Continuamos a trabalhar de graça.    

17 de nov. de 2013

INveja, inVeja, inveja!

Não me diga que se pode alegrar com a desgraça alheia!
Porra e quanto...! Disse-me o Grilo falante, que isso acontece da mesma maneira que se pode entristecer com a sorte do outro. Mas, Grilo, não dizem que a alegria é fruto do bem e a tristeza do mal? Como é possível, diga-me, que existe uma alegria que tem fundamento no mal e uma tristeza com origem no bem?
São os invejosos, segundo aprendi diz o grilo falante, são eles que experimentam estas emoções paradoxais. Assim há quem sangre de alegria com o sofrimento alheio, que invejam, do mesmo modo que sofrem com a alegria.
A inveja é uma paixão da alma bem louca, estranha, que faz com que as pessoas que a experimentam tenham reações emocionais contrárias ao sentido comum. Os romanos, que nisso de botar nome às coisas, acertavam em cheio, deram-se conta que a inveja tinha muto a ver com a vista, concretamente com a maneira de ver, por isso o verbo invejar, e só quer dizer olhar com mais olhos dos que se tem na cara, malquerer, donde vem a inveja, que significa antipatia, ódio, má vontade, etc.. É esse olhar maluco, torto que tem o invejoso. Mas espera ai, não estou só a falar dos outros, eu e você, podemos ser incluídos sem qualquer dificuldade.

Os não invejosos, evidentemente, não experimentam estas emoções morbosas, mortiças e doentes. Os não invejosos se alegram de seu próprio bem e se entristecem do próprio mal, e o mesmo fazem com o bem e o mal dos outros, e a intensidade dependendo da proximidade do outro. Pode ser que a sorte ou a desgraça de pessoas desconhecidas, nem fedam nem cheiram.
Entretanto, invejoso que transmuta os termos, e se entristece da alegria dos outros e se alegra da tristeza deles - outros – , no fundo não abandona jamais a tristeza própria e constitutiva da inveja.
Digo isso porque não creio na alegria maligna – e não pode ser qualificada de outra forma – que alguém pode sentir diante da má sorte ou desgraça dos outros, que fosse uma alegria autêntica, nascida espontaneamente da abundancia, do bem-estar direto, próprio e sincero.

Não, pois se trata de uma alegria falsa, elaborada, doente, como uma flor murcha que nasce num túmulo. 

15 de nov. de 2013

Ditado Aramaico

O senhor Leal vê pela janela do escritório, a calçada da rua aladeirada. Da secretária, sem mover um dedo, ademais de torcer o pescoço, assiste ao espetáculo da rotina. As mesmas caras, as mesmas pernas que se arrastam morro acima. Enquanto as mesmas pernas parecem escrever as mesmas letras, quando passam os pés vassouras sobre o piso irregular e sujo da calçada contígua aos escritórios e lojas. O senhor Leal vê tudo, mas o faz como se nada visse, como se pudesse, não se ver. Mas também vê. Vê como uma câmara oculta no teto. Olha o teto, a imagina, se vê socado na mesma poltrona, diante da mesma mesa, ao lado da mesma janela, diante da mesma pilha de papéis, na mesma empresa, água que alimenta um mesmo rio.
O senhor Leal sai para o almoço há trinta anos, ao mesmo canto de esquina, tudo que mudou foram os nomes fantasias do mesmo restaurante. Senhor Leal come qualquer coisa, com a mesma vontade indissimulável, sempre observando o trânsito da cidade. As tardes se alongam, mas o dia se desfaz, qual manteiga, os edifícios se inclinam sobre o asfalto a pegar uma moeda. Não sopra o vento, quando sopra, sopra lento e nem renova o ar. Simplesmente, parece que não sopra. O senhor Leal respira ele também sem grandes desejos, e de vez em quando sente como se uma espada lhe entrasse pelo nariz e chegasse ao fígado e o enregelasse por dentro, mas logo sente o bafo do asfalto que o reconforta, ali no escritório se reencontra com a eterna expectação, frustrada pela monotonia. O tédio é velho comparsa da sua vida silente, e ali é um tipo de bem-estar que o protege do mal-estar das realidades, emoções ou da ânsia de algo novo e belo do amanhã, da tristeza das esperanças mortas.

Quando senhor Leal chega ao apartamento, que o espera com a exata quietude, o apê o contempla a cara, as pernas e seus pés se arrastando a escrever palavras incompreensíveis sobre o carpete. Antes de ir dormir, o senhor Leal e o apê olham pela janela da lavanderia, como quem fuma escondido, a cidade que quer adormecer, mais um berço sem bebê, que uma cama desfeita. Na cama, o senhor Leal, esticado, antes não dorme, olha ainda o teto, que tem uma rachadura ao meio com a forma de um dito aramaico.  

11 de nov. de 2013

A mentira!

C'era una volta...
    Um re! - diranno subito i miei piccoli lettori.
No, ragazzi, avete sbagliato. C'era un volta un pezzo di legno.”


A fada o olhava e se ria:
 - Por que ri? Perguntou o moleque, perplexo e pesaroso, ao se dar conta que o nariz lhe crescia.
 - Rio das mentiras que me disse
 - Como sabe que minto?
 -"Le bugie, ragazzo mio, si riconoscono subito! Perché ve ne sono di due specie: vi sono le bugie che hanno le gambe corte, e le bugie che hanno il naso lungo: la tua per l'appunto è di quelle che hanno il naso lungo".  Storia de un Burattino, Carlo Collodi leia aqui texto original


Quem nunca disse uma mentira? Poderia, aqui, recordar o episódio João 8, 1-11, onde Jesus, a fim de salvar a adúltera da lapidação, pediu àqueles livres de culpa que lançassem a primeira pedra. Com certeza o que se diz do adultério se diz da inveja, também da mentira. Francamente, não sei qual delas está mais disseminada. As mentiras, por comuns, tem má mídia, quer dizer, ainda que frequentemente é a média que mais a pratica ou diz, fazendo passar por notícias aquilo que não são mais que opiniões interesseiras. Há as mentiras defensivas, que todos dizemos quando não queremos que nos molestem, ou simplesmente não queremos falar sobre algo. ''Absolutamente, estou muito bem!”, “Não, não é nada, não, tá tudo muito bem, pode crer”. Em seguida vêm as mentiras inócuas, por bem intencionadas, são as mentiras piedosas, inspiradas pela compaixão ou prazer. “A calvície te fez um cara bem interessante!” ou “ Nem parece uma quarentona”. De seguida vem as mentiras estratégicas, como as da molecada “Ah! Mãe você sabe que chego antes das 2horas!”, “ Se me comprar esse iP, garanto que vou estudar..”, como políticos: “...ganhos de renda...”, “taparei os buracos...”, nesse âmbito encheria a memória desse pobre computador.
Agora recordo ter ouvido qualquer coisa assim: “ As crianças e os simples, sempre dizem a verdade”, por analogia “Os adultos e os sábios sempre mentem”... grilos falantes chi si prodiga a dare consigli saggi”...
A mentira não serve para nada, é inócua para quem a ouve, e impune quem a diz.

A primeira versão do conto de Collodi, pensada para adultos, Pinóquio não se redime do vício, convertido em criança, e acaba pendurado numa árvore... 

7 de nov. de 2013

Presenças ausentes...

As presenças ausentes...


Na manhã de finados, fui dar umas voltas pelo cemitério de Bonfim, já tem muita gente da família por lá, aqui presenças ausentes. Dei de cara com Joaquim, o Joca, o Joca e a Dirce. Fazia tempo que não os via. Anos. Dezenas deles. Com o Joca fazíamos uma turma desde pequenos, nadávamos no bosteiro, ribeirão Preto. Joca era muito engraçado, nos fazia cagar de rir. Uma vez propôs que mergulhássemos por baixo do toronço que passava boiando. Fui por ai, voltei, mas mesmo agora não coincidimos, quase nunca, frequento pouco a vila, sou mesmo um desertor. Fazia um tempo confortável, e naquele momento doce nos pusemos ao corrente, de nossas vidas e a dos amigos, velhos amigos. Recentemente morreu um da turma, tem uns dois que já são avós. Eles já casaram uma filha, que gesta um neto. Como pode ser? E ele responde que ainda ontem a ensinava a conduzir.
Nos aproximamos perigosamente aos sessenta disse. Ele não os aparenta, cabeleira cheia, magro e forte, como quando jogava futebol, um bom volante, sabia passar, fazer lançamentos para o Sérgio Dias com sua velocidade infernal, que também já se foi há pouco, passamos por sua nova morada, cheia de flores. Disse-me que jogou até pouco tempo atrás, mas então na defesa, andando pelo caminho das pedras, usando mais o braço e ombro que as pernas. Mas não se vê estes cinquenta e tantos nele, ali com seu jeans justo, afivelado à texana, um raiban de aviador. Desde uns dez metros, lhe daria trinta e poucos. Ela, pouco mais ou menos, digamos assim. Acho que é o amor que os mantém jovens. Já vão juntos quarenta e dois anos, onze de namoro e noivado e trinta e um de casados, disse a Dirce. Naqueles tempos de nossas coincidências, andavam grudados.
Relembramos alguns momentos compartidos. A viagem à Bahia, de carona, pra economizar os trocados. Vários dias, dormindo em cabines de caminhão, ou debaixo deles. Uma aventura que nos marcou e poderíamos ficar ali, recordando, com um detalhismo tal, se não houvesse algum cutucão da Dirce, eu não vi, mas certeza houve, íamos nos demorar os trinta e poucos dias que a viagem durara.
Joca confessou que sente muita saudade daquela época, algumas noites começa a olhar as fotos antigas, que guarda numa caixa de sapato, da sapataria do Wande
r, mas a Dirce não o deixa publicar no Facebook, e ao repassá-las se põe melancólico e diz que os olhos se umedecem.
Bem pensado, é uma sorte chegar a tanto, disse. Não é o melhor, ficar velho, porém tampouco tão ruim assim, digo. Concluímos que aquilo que fizemos, já não o fará ninguém. E apesar de saber que não se repetirá, sabemos também, que sempre podemos revivê-los na memória. Nos despedimos. Vamos nos vendo... E os observo como andam entre os túmulos, depois pela descida principal, sempre de mãos dadas.