O senhor Leal vê pela
janela do escritório, a calçada da rua aladeirada. Da secretária,
sem mover um dedo, ademais de torcer o pescoço, assiste ao
espetáculo da rotina. As mesmas caras, as mesmas pernas que se
arrastam morro acima. Enquanto as mesmas pernas parecem escrever as
mesmas letras, quando passam os pés vassouras sobre o piso
irregular e sujo da calçada contígua aos escritórios e lojas. O
senhor Leal vê tudo, mas o faz como se nada visse, como se pudesse,
não se ver. Mas também vê. Vê como uma câmara oculta no teto.
Olha o teto, a imagina, se vê socado na mesma poltrona, diante da
mesma mesa, ao lado da mesma janela, diante da mesma pilha de papéis,
na mesma empresa, água que alimenta um mesmo rio.
O senhor Leal sai para
o almoço há trinta anos, ao mesmo canto de esquina, tudo que mudou
foram os nomes fantasias do mesmo restaurante. Senhor Leal come
qualquer coisa, com a mesma vontade indissimulável, sempre
observando o trânsito da cidade. As tardes se alongam, mas o dia se
desfaz, qual manteiga, os edifícios se inclinam sobre o asfalto a
pegar uma moeda. Não sopra o vento, quando sopra, sopra lento e nem
renova o ar. Simplesmente, parece que não sopra. O senhor Leal
respira ele também sem grandes desejos, e de vez em quando sente
como se uma espada lhe entrasse pelo nariz e chegasse ao fígado e o
enregelasse por dentro, mas logo sente o bafo do asfalto que o
reconforta, ali no escritório se reencontra com a eterna expectação,
frustrada pela monotonia. O tédio é velho comparsa da sua vida
silente, e ali é um tipo de bem-estar que o protege do mal-estar
das realidades, emoções ou da ânsia de algo novo e belo do amanhã,
da tristeza das esperanças mortas.
Quando senhor Leal
chega ao apartamento, que o espera com a exata quietude, o apê o
contempla a cara, as pernas e seus pés se arrastando a escrever
palavras incompreensíveis sobre o carpete. Antes de ir dormir, o
senhor Leal e o apê olham pela janela da lavanderia, como quem fuma
escondido, a cidade que quer adormecer, mais um berço sem bebê, que
uma cama desfeita. Na cama, o senhor Leal, esticado, antes não
dorme, olha ainda o teto, que tem uma rachadura ao meio com a forma
de um dito aramaico.
Nenhum comentário:
Postar um comentário