P quando saiu de casa pela
primeira vez, foi para morar numa pensão cortiço que havia na
Florêncio quase a esquina com a São José! Um quarto de 5 ou 6
metros quadrados com um guarda-roupa, uma beliche, duas mesinhas, uma
moringa d'água, dois copos e duas cadeiras. Seu companheiro de quarto era
chinês, do qual não ouviu voz. Conseguiu numa manobra
delicada, junto com Antônio de Palestina, trocarem os parceiros, o de Antônio era só chato. E se juntaram. Ouviam Zé Bettio logo às
seis da manhã, na fila para ocuparem as primeiras fileiras do
anfiteatro. Faziam o famoso intensivão do Objetivo. Rapidamente se fizeram amigos, e no fim de semana, Antônio convidou P a visitar Palestina,
de carona. Foi a primeira para P, pedida com o polegar! Foi à frente com o
motorista que era muito sensível, a ponto de conseguir ver uma andorinha morrer
em pleno voo, e cair ao lado da pista, parou e a enterrou.
Chegaram a Palestina perto das dez horas da manhã. O primeiro
espanto de P foi o tamanho da casa de Antônio, ocupava um quarto de todo
o terreno do quarteirão, quadra de saibro, estande de tiro, piscina
e pomar. A casa estava em festa, porque retornava de Londres sua mana
Laura, estudava literatura inglesa. Antônio queria medicina, P, não
sabia. O pai de Antônio era médico, dono do hospital da cidade, do Clube
Harmonia, dos laranjais que circundavam Palestina, e de uma ilha no
rio Turvo. P se excitara em conhecer a moça da literatura inglesa, mas
Antônio decretou que o ambiente estava muito feminino, Laura não
saiu do quarto onde estava com amigas, e eles foram pela cidade encher a
camionete de cerveja, gelo e carne.
Aquele garoto pacato,
acabrunhado e duro, era dono da cidade, e no açougue não foi preciso
passar à frente de ninguém, porque a fila se abriu, assim, num gesto tímido demandou suas carnes preferidas, dentre elas cupim; quem
embrulhava as carnes era o filho do açougueiro que P conhecia do mesmo intensivão, mas as aparências estariam trocadas. Montaram as tralhas, haveriam de pescar. Depois de preterirem – mais Antônio que P – o almoço em casa, partiram para a ilha. A ilha
estava logo ao pé de uma pequena cachoeira do Turvo, que bifurcava, com sua
palhoça, e seu local para braseiro. Cruzaram o rio pelas pedras, com
toda a tralha. P se divertia com a piracema, com os tantos outros
amigos que vieram, sem que P tenha se dado conta de convites e com o
cupim lascado pouco a pouco. Laura apareceu com as amigas quando P insistia em pegar os infelizes peixes, que ao saltarem na tentativa de
ultrapassar a cachoeirinha, caiam em pequenas poças. Branca. Branca como uma página, antes que a maculem. P pegou a mão de Laura e
tentou ajudar, cavalheirismo, longe de Trafalgar Square, aprenderá, mas os borrachos pediam que a atravessasse nos braços,
ela olhou, se eles querem, que podemos fazer, e aquele trajeto de
cinco ou seis metros, como P via em filmes de cowboy, não se erra, P pensava,
embora o que se queria fosse justo, o erro. Pousou-a sobre terra
firme.
O jantar, Antônio não lhe furtou, porque também estava a ele obrigado, assim que foi atendido pela esquerda por uma serviçal. Seu tempo de centro das
atenções não passou do da boa educação, e logo se voltaram à filha que retornava. Falava de espetáculos, exposições, praças,
teatro, cinema e Ivan Rebroff?
Escusou-se, foi atendida pelo doutor, com um donaire, saiu e voltou com um LP que estampava o cantor com sobrancelhas arcadas, longos cabelos e barba cerrada. Laura havia presenciado um de seus espetáculos. Ela olhava P. Nunca de soslaio. Sempre de frente. Aquele pouco de sol, ardia seu rosto, pouco pelo chapéu da tarde. Da sala de jantar se dirigiam à sala de estar, onde ouviriam o russo helênico. P e o primeiro vinho do porto. Antônio estava aborrecido, mas não pedia cumplicidade. Assim P se envolvia, e acabou a dançar Havah Nagila, um passo que havia aprendido com seu tio, e se dança agachado, sentado sobre os calcanhares a estirar as pernas, nada mais folcloricamente russo em se tratando de dança. P mentiu e disse que tinha uma tia-avó lituana, não era de todo uma mentira, mas P nunca havia visto a tia-avó lituana. Acabaram numa roda, todos de braços dados a dançar Havah Nagila, outra e mais uma vez. O doutor se retirou para o escritório, a senhora desapareceu, e todos foram para a boate do Harmonia Club. Enfim. Voltaram enganchados. Aliás, estavam enganchados antes de se conhecerem, foi o que ela lhe disse, ao negar a aparecer, por saber que o irmão viera com um forasteiro. Da parte de P estava cozido. O trajeto do Harmonia até a casa, só não foi mais longo, porque o irmão insistia em entrar pela garagem. Laura e sua boca molhada pelo Dry Martine que ainda os acompanhava, convidava P a repartir a azeitona. O doutor os esperava com as pernas cruzadas vestido de um pijama azul vincado, lendo um romance recostado na poltrona. Ganhou muitos beijos. Antônio mostrou a P o armário do quarto, que estava trancado, rifles, rifles de repetição, dois canos, cartucheiras, pistolas, escopetas, carabinas, pica-pau, espingardas antigas, novas, revolveres, coletes, cintos de cartuchos, maquinetas para encher cartuchos, cartuchos vazios, pólvora, chumbos. Para P a infância não teria fim. Iriam caçar perdizes no domingo. P ficou a sós. Com todo o arsenal. Amou tocar a Winchester, com aquela alavanca que se leva com três dedos para frente e para trás, a fazê-la cuspir o cartucho vazio, e com o indicador puxa-se o gatilho. Quando ela entrou, P estava sentado à beira da cama, com a Winchester cruzando o peito, depositada a culatra na palma da mão, P se sentia El Hombre, num átrio de estação esperando a próxima carruagem.
Escusou-se, foi atendida pelo doutor, com um donaire, saiu e voltou com um LP que estampava o cantor com sobrancelhas arcadas, longos cabelos e barba cerrada. Laura havia presenciado um de seus espetáculos. Ela olhava P. Nunca de soslaio. Sempre de frente. Aquele pouco de sol, ardia seu rosto, pouco pelo chapéu da tarde. Da sala de jantar se dirigiam à sala de estar, onde ouviriam o russo helênico. P e o primeiro vinho do porto. Antônio estava aborrecido, mas não pedia cumplicidade. Assim P se envolvia, e acabou a dançar Havah Nagila, um passo que havia aprendido com seu tio, e se dança agachado, sentado sobre os calcanhares a estirar as pernas, nada mais folcloricamente russo em se tratando de dança. P mentiu e disse que tinha uma tia-avó lituana, não era de todo uma mentira, mas P nunca havia visto a tia-avó lituana. Acabaram numa roda, todos de braços dados a dançar Havah Nagila, outra e mais uma vez. O doutor se retirou para o escritório, a senhora desapareceu, e todos foram para a boate do Harmonia Club. Enfim. Voltaram enganchados. Aliás, estavam enganchados antes de se conhecerem, foi o que ela lhe disse, ao negar a aparecer, por saber que o irmão viera com um forasteiro. Da parte de P estava cozido. O trajeto do Harmonia até a casa, só não foi mais longo, porque o irmão insistia em entrar pela garagem. Laura e sua boca molhada pelo Dry Martine que ainda os acompanhava, convidava P a repartir a azeitona. O doutor os esperava com as pernas cruzadas vestido de um pijama azul vincado, lendo um romance recostado na poltrona. Ganhou muitos beijos. Antônio mostrou a P o armário do quarto, que estava trancado, rifles, rifles de repetição, dois canos, cartucheiras, pistolas, escopetas, carabinas, pica-pau, espingardas antigas, novas, revolveres, coletes, cintos de cartuchos, maquinetas para encher cartuchos, cartuchos vazios, pólvora, chumbos. Para P a infância não teria fim. Iriam caçar perdizes no domingo. P ficou a sós. Com todo o arsenal. Amou tocar a Winchester, com aquela alavanca que se leva com três dedos para frente e para trás, a fazê-la cuspir o cartucho vazio, e com o indicador puxa-se o gatilho. Quando ela entrou, P estava sentado à beira da cama, com a Winchester cruzando o peito, depositada a culatra na palma da mão, P se sentia El Hombre, num átrio de estação esperando a próxima carruagem.
Quando
os perdigueiros levantaram o rabo, dando a direção, P levantou a
ponta do cano, eles latiram, atirou, e a codorna alcançada em voo
reto, caiu.
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