Como todo e qualquer
fenômeno histórico, as palavras que nós usamos, também se
modificam ao longo do tempo e do espaço, ainda que muita besta
'ache' que não, as bestas não pensam, quando muito 'acham'.
As formas de
aproximação com a realidade expressa linguisticamente são
historicizáveis. Que nada mais quer dizer que são passiveis de
análise histórica. Deveríamos fazer uma história das palavras,
porque afinal de contas, são ferramentas essenciais, tradicionais de
expressão do conhecimento, da realidade, de expressão de visão e
vivências do mundo. Ainda que nem tudo no mundo se expresse por
palavras.
Como fazer a história
das palavras?
Óbvio que
as formas das palavras mudam ou se mantêm ao longo da história,
tudo muda ao longo da história, mas algumas dessas formas podem se
manter por longos períodos, de modo que podemos consultar um
glossário, um dicionário, um vocabulário antigos e constatar a
existência de palavras idênticas às que usamos hoje. Também
constataremos nestes repertórios da língua a existência de
palavras que não existem mais, ou hoje muito pouco utilizadas. E em
contrapartida se abrirmos hoje o grande Houaiss, que tem uma besta
como detrator, várias palavras lá lexicografadas, não faziam parte
dos repertórios antigos de nossa língua.
Esta é a dinâmica a
ser percebida: as pessoas se expressam ao largo do tempo usando
a) mesmas palavras com
sentido iguais;
b) mesmas palavras com
sentidos distintos e
c) novas palavras.
d) Além de alguma
matização, gradação.
Há portanto uma vasta
gama de fenômenos que se escondem por detrás desta dinâmica.
Não é difícil
imaginá-los, suponho. Imaginemos se pudéssemos rastrear a linguagem
não erudita, seria de enlouquecer! Porque neste âmbito, o plano das
transformações são muito mais rápidos. Palavras como as gírias
que são empregadas por lapsos de tempo muito restrito, nem é
possível imaginar, imaginem um diálogo entre um tapuia e um cidadão
do tempo da colônia! Nem é passível de imaginação. Enfim. Porque
nos expressamos coloquialmente de modos diferentes entre pequenos
grupos, famílias etc. Em casa falamos pón, cidón, caminhón, avión
etc. E o verbo “dar” na primeira do singular dizemos: Eu di,
desde o tempo do velho Emílio. Ou seja, jogo de palavras desta
dinâmica a amoitar fenômenos.
No entanto, podemos ir
além, porque o jogo dos significados das palavras faz com que umas
palavras estejam mais próximas das outras. Faz com que num
determinado tempo e espaço, um conjunto de palavra se articule em um
sistema e faz com que a compreensão do sentido de uma palavra
dependa da compreensão do sentido de outra palavra. Está composto
assim um grupo articulado de palavras, com seus significados, que
muitas vezes seus significados são convergentes, outras significados
que se cruzam, sinônimos perfeitos e imperfeitos, configurando de
todo modo o que se pode chamar de um sistema.
Este sistema de ideias,
expresso em palavras pode resultar na formação de conceitos. Sendo
um conceito um conjunto de significados atribuídos a uma ou mais
palavras dispostas em um sistema. Ufa! Um conceito então não é uma
simples palavra. Isto é, é um palavra em meio a outras expressões
linguísticas que possui um sentido específico. Um sentido
histórico, portanto.
Assim nem toda palavra
é um conceito, é necessário que as palavras tenham se articulado e
adquirido determinada complexidade, algumas em função de outras,
para que daí surja um conceito.
Um exemplo qualquer de
conceito: Classe.
Classe pode ser uma
sala de aula, ou ainda os alunos de determinada sala de aula, ou de
determinada turma de um colégio: primeiro colegial B. Se for 'dar'
uma de Houaiss ou Aurélio e lexicografar classe, posso dizer que se
trata de um espaço específico, mais, e alunos que possuindo algo em
comum se transformam numa classe de estudantes.
Também podemos chamar
de classe uma categoria de coisas: automóveis da classe luxo. É um
tipo de coisas diferentes mas que têm atributos em comum. Mas classe
pode ser uma categoria social num sentido ainda mais amplo, aonde
todos são distintos.
Mas o que significa então uma classe social?
Aqui temos algumas possibilidades analíticas, por exemplo, a posição
dos indivíduos perante os meios de produção. Isso quer dizer que
os indivíduos que são proprietários dos meios de produção não
são da mesma classe dos que não detêm o instrumentos de produção.
Não há como confundi-los, porque os que não detêm os modos de
produção estão subordinados aos outros. Porque aqueles têm que
transferir uma parte de sua força de trabalho, que é sua
propriedade, para aquele que detém os instrumentos ou a propriedade
em si.
Daí
as configurações sociais deste fato advindas serem assimétricas.
Configuração esta que depende então da classe que o indivíduo é
oriundo. Obviamente que isto reporta as ciências sociais, humanas e
claro que reporta a Marx e seus seguidores.
Esta
relação uma vez assimétrica é conflitiva, nem sempre aberta, mas
sempre latente, porque traz no seu bojo a submissão de uma pessoa de
uma classe por outra de outra classe. Porque toda lógica de
dominação implica numa tensão. Claro que o tratamento aqui é
banal, mas pode-se traduzir por luta de classes.
Vejam
a distancia entre classe de estudantes e classe social, uma
riquíssima historia.
Por
isso 'classe' é um conceito, é uma palavra de densidade, porque
carrega consigo classe social e associadas a ela outras palavras
como trabalho, dominação, tensão, produção, sociedade etc.
Portanto
para entender o que é classe social, temos que entender o trabalho,
meios de produção, produção e todos são conceitos.
Podemos
então estudar a história das palavras, é certo que a sociedade não
se revela nestas palavrinhas especiais, mas sem dúvida uma parte
significativa da sociedade se descortina a partir da observação dos
jogos de significados das palavras.
Há
no entanto uma diferença entre categoria e conceito, conceito é uma
realidade a ser levada em conta, é um fenômeno a ser analisado, é
algo que está na história e temos que analisar. Já uma categoria é
uma ideia da qual podemos nos valer para interpretar a realidade,
inclusive a realidade dos conceitos.
Assim
classes, ou luta de classes na história são, ou podem ser
categorias de análises e somente serão conceitos ao se estudar Karl
Marx, melhor dito, para entender o pensamento de Karl Marx, porque em
Marx classe é um conceito central.
Deste modo vamos
adiante e vamos porque sabemos que um conceito não é uma simples palavra,
mas é uma palavra, que em meio a um conjunto de outras expressões
linguísticas possuem um sentido específico, um sentido histórico,
portanto. Nem toda palavra é um conceito, é necessário que as
palavras tenham se articulado, tenham adquirido uma determinada
complexidade, algumas em função de outras para que daí surja um
conceito.
Classe então! Classe é
uma palavra, cheia de significados. Classe pode expressar realidades,
porque emerge de realidades, mas Classe pode ser inadvertidamente
utilizada, para explicar realidades que não criam ideias de Classe.
Há portanto a
necessidade de se fazer também, uma história de identidades
coletivas. Que é isto?
História de identidade coletiva, é a história de um fenômeno
social, um fenômeno social que de alguma forma sempre se expressa ao
longo da história. Afinal, como as pessoas expressam seu
pertencimento a um determinado grupo?
Porque
todas as pessoas fazem parte de grupos, todo indivíduo faz parte da
sociedade, mas sociedade é uma forma genérica, em relação a uma
realidade. Podemos discernir em meio a sociedade, alguns grupos
específicos, que obviamente não vivem isolados uns em relação aos
outros, mas que têm algumas lógicas próprias. É desta maneira que
temos a sociedade brasileira, mas não isolada do mundo. Nem tribos
são totalmente isoladas do mundo.
Estas
formas de inserção de grupos sociais numa realidade mais ampla, a
sociedade, passam necessariamente pelo compartilhamento de
experiências em comum. A impressa joga o seu papel nisso tudo. A
mídia é compartilhada.
Benedict
Anderson (1983) em Comunidades Imaginadas, argumenta que uma das
formas de criação de uma comunidade, coesa, é o compartilhamento
de experiências em comum, por exemplo, aquelas propiciadas, as
experiências, pela imprensa. O fato de se ligar a TV e assistir um
programa qualquer, sabendo que outras pessoas, trinta milhões, estão
assistindo o mesmo programa, mesmo que obviamente não se conheça a
nenhuma outra das milhões de pessoas, faz com que nos sintamos parte
de algo, alguns programas mais do que outros, é a experiência
propiciada pela vida moderna, diz Anderson. Esta é uma das
perspectivas também possíveis para se entender estas identidades
coletivas.