Freud
disse que a meta da terapia era fazer consciente o inconsciente.
Verdadeiramente fez deste postulado o núcleo do seu trabalho como
teórico. E mais, definiu o inconsciente como algo muito
desagradável. Para ilustrar isto, imagino o seguinte: um caldeirão
de desejos estabelecidos, um poço sem fundo de desejos incestuosos e
perversos, um leito de experiências aterradoras que ainda podem
surgir, emergir à consciência, o que francamente não é que se
deseja ter “consciente”.
Todo
o trabalho de Jung foi destinado a exploração do 'espaço interno'.
Se lançou a essa árdua tarefa com os pressupostos da teoria
freudiana, que lhe precediam; o mais tinha um conhecimento
inesgotável sobre mitologia, religião e filosofia. Mas era mesmo versado no simbolismo de tradições místicas como o gnosticismo,
alquimia, cabala e tradições paralelas do hinduísmo e budismo. Se
há uma pessoa que tenha um sentido do inconsciente e seus hábitos
como capaz de expressar-se só de forma simbólica, este é Jung.
Jung
sonhava. Sonhava com uma capacidade de sonhar lúcida. Mas sonhava
também ilusões ocasionais. No outono de 1913 sonhou, ou teve uma
visão, uma inundação monstruosa, que engolia toda Europa. Estas
águas chegavam na barras das minissaias brancas que vestiam as
montanhas do velho Alpe suíço. Eram milhares de pessoas afogando-se
e a cidade tremendo. Logo as águas desse dilúvio se transformam em
sangue. E seguiu sonhando semanas a fio, então surgiram sonhos de
invernos eternos e rios de sangue. Supôs-se psicótico. Mas logo e
no mesmo ano começou a Primeira Guerra, Jung então começou a
acreditar que de alguma maneira existia uma conexão entre ele –
como indivíduo – e a humanidade que então não podia explicá-la
ou ela se explicar. Então meteu-se num processo de auto exploração
– doloroso – que viria a formar as bases de sua teoria, ou da
futura teoria.
Cuidadosamente
começou a anotar seus sonhos, fantasias e visões. Os desenhou,
pintou e esculpiu. Deu-se com que suas experiências soíam tomar
formas humanas. Começa por um velho sábio e seu acompanhante, uma
pequena menina. O velho sábio evoluiu, por vários sonhos, até um
tipo de guru espiritual. A menina se converte em “anima”, a alma
feminina, que servia como vaso comunicante – medium – entre o
homem e os aspectos mais profundos do seu inconsciente.
Um
duende marrom couro apareceu como zelador da entrada ao inconsciente.
Era “a Sombra”, uma companhia primitiva do Eu de Jung. Jung
sonhou que tanto ele como o duende, haviam assassinado a preciosa
menina loira, a que chamou então de Siegfred. Para ele, esta cena
representava uma precaução com respeito aos perigos do trabalho
dirigido somente em função da glória e o heroísmo que prontamente
causaria uma grande dor sobre toda Europa, do mesmo modo acerca dos
perigos de algumas tendencias da empresa heroica freudiana.
Jung
sonhou também com questões relacionada com a morte, com o
território dos mortos e o renascimento deles. Para Jung, isto
representava o inconsciente mesmo, não o inconsciente miúdo que
Freud fez grande demais, mas um novo, o inconsciente coletivo da
humanidade. Um inconsciente que podia conter todas as mortes, não só
os nossos fantasmas pessoais. Ele começou a considerar que os
enfermos mentais estavam possuídos por estes fantasmas. Pelo simples
fato de recapturar nossas mitologias, entenderíamos estes fantasmas,
nos sentiríamos cômodos com a morte e assim superaríamos nossas
patologias mentais.
Seus
críticos sugeriram que Jung estava enfermo, por esta ocasião. Mas
Jung cria que se queremos entender a floresta, não podemos nos
contentar com passear pelos seus arredores. Devemos entrar nela, não
nos importando quão estranha ou aterradora possa ser.
Sinto
uma certa atração por essa história do inconsciente coletivo. Como
se fosse uma herança psiquica, um reservatório de nossa experiência
como espécie, um tipo de conhecimento com o que todos nacemos e
compartilhamos, mas sem nunca ser consciente dele. Mas que a partir
dele, se estabelece influências em nossa experiências e
comportamentos, em especial as emocionais, mas sempre de modo
indireto, inconsciente.
Gosto
muito dos arquétipos junguianos principalmente da Sombra.
A
Sombra parece derivar desse passado pré-humano, animal, quando
certas preocupações se limitam a sobreviver e a reproduzir, de
quando não éramos conscientes como sujeitos. É o lado escuro do
Eu. Nossa parte “negativa” ou mesmo diabólica. Me chama atenção
sua amoralidade, como os animais, nem bons nem maus. Mas que desde
uma perspectiva humana pode parecer brutal quando um animal é um
assassino implacável por comida. Mas temos isso na Sombra, que é a
lata do lixo não degradável que carregamos, mas não aceitamos,
admitimos.
Assim
que se sonhar que está lutando com um adversário muito poderoso,
pode ser que seja você mesmo.
Gosto
ainda do principio de entropia, que é a tendência, para Jung, dos
opostos se atrairem, com o fim de diminuir a quantidade de energia do
sistema ao longo da vida. Jung tirou isso da físico-química, onde a
entropia é a tendencia que têm os sistemas físico-químicos de
solaparem-se.